domingo, 29 de novembro de 2009

...E AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS...

Com este titulo, pretendo homenagear cidadãos naturais de Condeixa ou aqui radicados e que a esta terra quiseram dedicar o seu saber e arte.
Começo,referindo uma figura há poucos anos desaparecida do nosso convívio: o Sr. Ramiro de Oliveira.
Pode dizer-se que a história cultural da vila,especialmente no aspecto musical e poético,não seria a mesma se não tivesse existido a familia Oliveira.Desde o início do século XX até ao seu final,qualquer evento cultural de vulto na vila,tinha a marca indelével de um ou mais elementos do clã Oliveira.Filarmónicas,Ranchos Foclóricos,peças de teatro ou revista ,Marchas celebrando os Santos Populares,em tudo se podia constatar essa participação.
Ramiro de Oliveira era filho de um inspirado cultor musical,cujas composições ainda hoje fazem parte do repertório de grupos folclóricos,Mestre António de Oliveira. Era também irmão do Maestro Saul de Oliveira Vaio,dirigente musical e compositor de mérito.
Embora de apurado sentido musical,como seria de esperar,a sua vocação no entanto era a poesia.Desde muito novo começou a escrever para as composições do pai ou do irmão.
Embora um pouco espartilhado pela condição de letrista,obrigado a obedecer a um padrão específico,já liberto dessa amarra,na última fase da sua vida deu largas ao estro e transbordou em poesia admirável.Não quer isto dizer,evidentemente,que tenha sido menos importante a poesia para canções!Aliás,foi por essa forma de exprimir os seus sentimentos que Condeixa pode orgulhar-se de possuir um vastíssimo repertório de lindas melodias.E que paleta de sentimentos!"...Canta Condeixa inteirinha-No cortejo que ora passa-Canta o Outeiro,Condeixinha-A Avenida e a Praça-Canta a Barreira,os Pocinhos-E a restante freguesia-Cantam os ricos...pobrezinhos (a lembrar os passarinhos)-Nesta hora de alegria!"
Esta vila já deu ao País o seu contributo intelectual,através de músicos,pintores,romancistas...mas jamais algum soube mostrar, de forma tão expressiva,o amor pela terra natal:"Esta Condeixa maravilhosa-Não é quimera,é Primavera-É luz radiosa por toda a parte!-Os seus recantos,são lindas telas-São aguarelas.São obras de arte!"
Ramiro de Oliveira, que morreu em 2002, com 94 anos,deixou-nos também vários escritos de memória(e que memória ele tinha!),da Condeixa de outras eras.Foi um desses escritos que encontrei agora num Boletim editado pela Câmara Municipal em 1978.Porque entendo ser bastante interessante para quem quiser conhecer a vila do princípio do século XX, permito-me publicar textualmente o que escreveu,com a certeza que,pela grande amizade que nos unia,decerto teria a sua autorização.Tenho muito orgulho de ser seu conterrâneo!
«Apontamentos para os carolas» por:Ramiro de Oliveira
São hoje apelidados de saudosistas os que,por tudo e por nada,enchem a boca no passado e, em muitos casos,há nesse conceito justificada razão.Mas...nem sempre é assim.Não haverá em cada um de nós,na dúvida do presente em que vegetamos,recordações de um passado argamassado de sacrifícios,aventuras e glórias;a confrontar-se com a incógnita de um futuro envolto em trevas,com perspectivas indefenidas e talvez catastróficas,que apetece lembrar a cada momento? Não haverá um anseio que nos desnorteia,um querer de felicidade que nos escapa das mãos ao mais leve sopro do querer de outros,que por caminhos diversos a procuram também?
Recordar e falar do passado não agrada a alguns,mas em especial aos que por lá deixaram roupa suja,que desejam no esquecimento.A verdade é que a história só pode fazer-se,lembrando e registando factos passados,enquanto houver quem deles tenha directo conhecimento e se disponha a testemunhá-los.Assim,não só não se deturpa a verdade,como se arranjam apontamentos para a história,sem lendas fantasiosas.
É possivel que,por divergência de ideias ou por formação egoísta,haja quem pretenda reivindicar para os círculos da sua simpatia,ou doutrinas que professa,o exclusivo da razão,as virtudes de quanto de bom se tenha criado sobre a terra;os males,os defeitos,o passado indesejável,são sempre obra dos outros.Coerentes com os nossos pricípios de absoluta independência,alheios a interesses pessoais ou políticos,iremos justamente lembrar alguns factos do passado,mas somente para deixar para a história de Condeixa,apontamentos que dentro em pouco seria impossível recolher com verdade porque,de quantos os viveram,poucos restam e todos sem esperança de longa vida.
Por hoje,vamos alongar-nos relatando factos relacionados com a demolição do Palácio dos Sás e com a abertura das ruas efectuada na masma altura, na extensão total de 650 metros.Estávamos em 1926 e devido a metódica orietação imposta pelo Presidete da Câmara Municipal à administração dos dinheiros públicos,(ocupava então esse cargo o saudoso benemérito Dr.Fortunato de Carvalho Bandeira) o saldo disponível era substancial para a época.Foi nessa altura que a nova vereação presidida pelo Tenente José Pires Beato e resultante das alterações políticas verificadas no país,entrou cheia de ambições e de certo modo afortunada nas suas iniciativas,desde logo facilitadas pelo desafogo do erário público e pela generosa colaboração que a Casa Alverca e a Quinta de S.Tomé lhe dispensaram.A sua acção teve início com a aquisição da chamada Terra da Galega,100 metros a nascente da Escola Conde de Ferreira(nota:compreende as ruas: Dr.Pires de Miranda,Combatentes da Grande Guerra,final da Avenida e António de Oliveira).
Terreno saibrento,pobre para culturas,oferecia óptimas condições para urbanizar e foi para ali que convergiram as primeiras atenções do Município.Abriram-se esgotos,construiram-se os passeios e surgiu a primeira rua numa extensão de 1oo metros.Retirado o terreno para a Escola feminina,a construir alguns anos depois,os terrenos laterais foram vendidos em talhões,com a condição de serem edificados no prazo máximo de três anos,sob pena de voltarem à posse da Câmara,mas...ainda hoje continua a ser uma rua de muros! Até há pouco a rua terminava junto à Escola e só agora lhe foi dada saída para a rua da Serrada.
Entretanto as propostas feitas à Casa Alverca foram concretizadas e a Câmara comprou as ruínas do velho Palácio para alargar a Praça da República,então resumida a metade do que é actualmente e a Casa Alverca cedia gratuitamente os terrenos para abrir uma avenida e construir o Mercado Municipal(nota:no local do actual Quartel dos Bombeiros),mas condicionava essa oferta:a abertura tinha de ser rigorosamente feita ao centro do terreno para que a dadora pudesse lotear e vender os terrenos laterais para construções.Assim, a orientação dessa nova artéria com cerca de 250 metros então,ficou logo traçada.Mas o desejo da Câmara era ligá-la à primeira rua aberta,a rua dos Combatentes da Grande Guerra, (nota:até à Policlínica de Condeixa,na Serrada )e nesse sentido já entrara em contacto com o Visconde da Quinta de S.Tomé,proprietário dos terrenos confinantes Era desejo geral,então,que a avenida seguisse em linha recta,o que se tornava impossível devido à Levada da Serrada,que alimentava um moínho e o lagar de azeite,à data o melhor do concelho.A cedência do terreno necessário para o prolongamento da avenida seria igualmente gratuita,mas...só passando em frente ao lagar!
Não havia outra opção e a Câmara teve de aceitar.Eram mais 120 metros de extensão de terreno que recebia gratuitamente,embora o proprietário beneficiasse da valorização do restante,mas assim a avenida encontrava o seu ponto de saída,embora maculada por um cotovelo que não foi possível evitar-se.(nota:a Avenida derivou, desde o Mercado (Bombeiros),até terminar na junção com a rua dos Combatentes,junto à sede da Casa do Benfica).
Consumadas as negociações, em ritmo acelerado construiram-se passeios e o esgoto para as águas pluviais,plantaram-se árvores,pavimentou-se a faixa de rodagem e, em curto espaço de tempo,as construções sucediam-se a ritmo acelerado e esta transformou-se desde logo,na principal artéria da vila.
Mal as obras haviam sido concluídas,já nova rua se abria na direcção da rua da Palmeira(nota:actual rua Dr.João Antunes) e numa extensão de mais de 200 metros,mas para pôr ponto final durante 40 anos,ao crescimento de Condeixa.
Com estes apontamentos,só vivos na memória de poucos,aqui deixamos o nosso depoimento,para que não vão para a vala do esquecimento factos que no futuro possam ter interesse para a história da Vila.

sábado, 28 de novembro de 2009

CONDEIXA E AS INVASÕES FRANCESAS

Continuação



"E depois de de narrar os factos sucedidos em Baiona entre a deputação portuguesa e Napoleão,o mesmo historiador acrescenta:

«Estes factos foram depois adulterados com injustiça para a deputação,introduzindo-se na história deles,as atoardas espalhadas por Junot e pelos agentes franceses».

"Chegou,de facto, a dizer-se que os portugueses que haviam ido a Baiona,teriam pedido um rei a Napoleão,traíndo assim a fidelidade devida à dinastia de Bragança.Ora, como com eles estava o Bispo de Coimbra,D.Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho,2º tio de Francisco de Lemos,o 1º Presidente da Câmara Municipal de Condeixa,d'aí nasceria,talvez,a afirmação correntia de que os Lemos eram afectos aos franceses.

Também Alfredo Pimenta nos seus "Elementos da História de Portugal",se refere a que,em Abril de 1808,«Junot induziu miseravelmente algumas figuras representativas do Clero e da Nobreza a irem a Baiona formular determinados pedidos a Napoleão,relativos ao bem estar dos portugueses.O que ele queria,era afastá-los de Portugal e retê-los presos em França,como aconteceu.»

Tais figuras,eram os Bispos de Coimbra e Algarve,os Marqueses de Marialva,Penalva,Valença e Abrantes,o Conde do Sabugal,o Visconde de Barbacena,D.Lourenço de Lima,D.Nuno Álvares Pereira de Melo e 2 representantes do Senado da Câmara,Joaquim Alberto Jorge e Tomaz da Silva Leitão.

Para destruir os boatos que corriam a seu respeito,o citado Bispo de Coimbra,D.Francisco de Lemos,fez uma exposição pormenorizada do que se passara em Baiona,ao Principe Regente(futuro D.João VI),principiando pela intimação de Junot,ordenando-lhe que fizesse parte da tal deputação e se preparasse para partir e relatando em seguida,com documentos comprovativos,a viagem através da Espanha,os factos ocorridos em Baiona e Bordeus e,finalmente,o seu regresso a Portugal.Pensou,escreveu ele,declinar o encargo,alegando a sua avançada idade e inevitáveis incómodos da jornada,mas resolveu partir porque lhe pareceu que «podia ter ocasião de fazer algum serviço a V.A.Real».

Havendo-se juntado em Baiona-continua-os membros da deputação,presidida por D.Lourenço de Lima,concordaram nos pontos que queriam tentar expor a Napoleão,além daqueles que Junot alegara.

"O primeiro objectivo não foi pedir ao Imperador que fosse o Rei de Portugal,como tem dito algumas pessoas mal informadas;mas sim de tratar perante ele da conservação da inteireza do Reino,da reintegração da amizade e harmonia entre o Imperador e o Principe Regente N.Snr.,da vinda do mesmo Senhor e da sua Real Familia para Portugal e,não podendo isto verificar-se,da vinda do Principe das Beiras,seu filho e do seu casamento com uma Princesa da Familia Imperial.Tais foram os pricipais objectos da negociação que tratou perante o Imperador».

Este nem o ouviu,atalhando logo as diligências e mandando-os internar em Bordeus,de onde sairam feita a Paz.

É interessante notar o que,já em 1827,referia Walter Scott:

«Não tardou que Napoleão prescindisse dessa assembleia de homens notáveis de Portugal e os deputados foram mandados para Bordeus,onde permaneceram no esquecimento e na indigência,até ao momento da paz geral que lhes permitiu voltarem para suas casas».

"João do Ameal,na sua História de Portugal,relata a propósito dessa passagem da Guerra Peninsular:
«Organiza o Duque de Abrantes a famosa deputação a Baiona,sob o pretexto de solicitar de Napoleão um abatimento na contribuição de guerra e a liberdade dos nossos prisioneiros.O que todavia se procura é privar-nos de certo número de figuras proeminentes,que ficarão como reféns».
A titulo de curiosidade,referiremos que a contribuição aludida era de "desoito contos de reis",na verdade muito pesada para o depauperado tesouro nacional,constantemente alvo de arremetidas por parte dos invasores e daqueles que da situação se aproveitavam para fazerem fortuna.
D.Francisco de Lemos,escreve ainda ter chegado a Baiona em Abril de 1808,ter partido de Bordeus em 15 de Setembro de 1810 e em pricípios de Novembro desse ano atravessado a fronteira portuguesa,vendo no seu regresso inesperado,pois voltara antes dos outros expatriados,"um maravilhoso efeito da Providência Divina, que quis atender aos seus votos contínuos para restituir-se a este Reino,facilitando-lhe o meio mais oportuno quando tudo parecia conspirar e desvia-lo dele e rete-lo na França,pela sua constante adesão a Vossa Alteza Real».
Cremos explicada,pelo exposto, a razão da ideia de que os Lemos de Condeixa mantinham boas relações com os franceses;tão boas eram que,no entanto,foram seladas a balas no "salão queimado" do Palácio de Condeixa,em 1811,quatro meses depois do regresso do Bispo de Coimbra a Portugal!"

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

CONDEIXA E AS INVASÕES FRANCESAS

Assinala-se na década que está a decorrer,o 2º Centenário das Invasões Francesas.

O país inteiro sofreu a infeliz estratégia de uma monarquia que, apressadamente,abalou para o Brasil,levando atrás de si toda a medrosa corte aristocrática,alegando altos interesses de Estado e abandonando assim a Pátria às mãos ávidas de franceses e espanhóis.



Evidentemente, não vou aqui dissecar as razões das atitudes então tomadas.Careço de capacidade intelectual para o fazer.Estas considerações servem apenas de intróito ao tema que seguidamente apresento.



Condeixa,por estar localizada no eixo rodoviário Lisboa-Porto,foi uma das mais martirizadas terras,tanto pelos exércitos de Napoleão,como pelos dos seus opositores,as tropas anglo-lusas que por cá estiveram aboletadas,com o respectivo prejuízo causado à população.Mas foram as tropas de Massena quem mais destruiu Condeixa,tanto na retirada após a batalha do Buçaco,como posteriormente na fuga,depois de destroçadas nas linhas de Torres.



Da sua passagem pela vila nos dá conta a parceria Fernado Rebelo e Isaac Pinto,num conjunto de cadernos intitulados "Subsídios para a história de Condeixa",editados em 1953. É o conteudo de um desses cadernos que passo a transcrever,com a devida vénia aos autores:






"O Palácio também foi incendiado pelos franceses"






"Na Enciclopédia Histórica de Portugal,de Duarte de Almeida,lêem-se no volume 5º,pág.38,as seguintes frases:



«Condeixa-a-Nova foi uma das terras que mais sofreram com a Guerra Peninsular.Em 1811,as tropas de Massena saquearam-na em grande parte,sendo incendiados mais de 40 edifícios,incluindo a Igreja Matriz. Entre as casas que escaparam à devastação,contava-se o palácio do desembargador Manuel Pereira Ramos,exclusão que deu muito que falar ao povo.»



É bem visivel a suspeita que outros autores confirmam,mantendo-se assim,uma ideia que parece não corresponder à verdade.



No intuito de tentar esclarecer um equívoco que lançou a nódoa do falso patriotismo sobre a familia dos Lemos, ainda hoje respeitada em Condeixa,transcrevemos uma carta dirigida pelo referido desembargador Manuel Pereira Ramos,a seu tio Bispo Conde de Coimbra,em 23 de Março de 1811,cujo original está em poder do senhor Álvaro Pedro Augusto,residente em Condeixa-a-Nova.(nota:actualmente,a sua filha e única herdeira,possui um valioso espólio,onde se encontra também esta carta.É imperioso que a Câmara de Condeixa procure adquirir esse verdadeiro tesouro,onde está patente muita da história da vila!)

Il.mo e Ex.mo Snr.Bispo Conde


Meu amado Tio e Snr.do Coração


Infelizmente para mim,de tantas cartas que a V.Exª tenho escrito,ainda não recebi resposta alguma de V.Exª,o que me enche de grande mágua e desconsolação por ver que V.Exª ainda não acha tempo de me perdoar o passado restituindo-me a sua graça apesar dos perdões e protestos que tenho feito;e apenas uma carta do padre Vicente!

Agora que se acha restituido o correio da terra à antiga carreira,sendo hoje o primeiro dia que daqui sai,não quero deixar de procurar novamente notícias de V.Ex.ª estimando se ache de todo restabelecido do cansaço da jornada e passando sem novidade maior na sua saúde.Eu por algum tempo estive em grande cuidado a respeito de V.Exª mesmo por notícias vindas dessa terra logo depois da sua chegada a ela,pois ouvia que o turbulento povo dessa cidade não tratava V.Exª senão pelo Bispo Jacobino,porém logo depois as mesmas notícias me sossegaram pois anunciavam que em consequência das muitas esmolas que V.Exª dava,mudaram logo para lhe chamarem Bispo Santo.Igualmente me deu cuidado o fazerem-me perguntas avulsas algumas pessoas que tinham relações com os senhores do Governo dando a entender-me que V.Exª se não tinha dirigido de prontidão a eles,mas tambem as mesmas me anunciaram depois o tê-lo V.Exª feito e estar bem visto com os ditos Senhores.

A respeito da retirada do Exército Francês nada digo a V.Exª porque agora mais brevemente nessa cidade terá tido V.Exª notícia dele do que eu;somente digo que esta retirada lhe tem sido mais violenta que uma batalha campal em que seguramente não perdiam tanto.No Alentejo,há dias que estão batendo Campo Maior com poucas forças e esperamos todos os dias seja corrido pelo nosso Exército do Alentejo que comandado por Beresford se não acha mais que sete léguas distante da Praça.Deus permita que assim aconteça e que a demora de socorro não faça com que a Praça se entregue,pois conta ter pequena gurnição e só de milicianos.

Os inimigos na sua retirada foram deitando fogo a todas as povoações por onde passaram sendo Condeixa a terra que sofreu mais e as primeiras notícias que correram era de que totalmente tinha ficado queimada;porém felizmente escapou a minha casa e duas ou três moradas próximas e fronteiras e a Casa do Almada;o resto da terra,inclusa a Casa dos Sás e a Igreja,tudo ficou em ruínas.

Eu perdi muito porque grande parte das casas da rua Nova,Praça e rua do Cabo, me pagavam foros e rendas.No palácio,chegaram a deitar fogo,mas não pegou por milagre da Senhora da Piedade que a defendeu,pois que foi a única com que não entenderam e ficou no seu trono,presenciando esbandalharem o altar,abrirem o carneiro e todos os mais Santos e Imagens das mais capelas foram deitados por terra e feitos em bocados.Queimaram-se muitos toneis e pipas e deitaram abaixo os muros de prumo para meterem dentro cavalaria, a aproveitar uma pouca de cevada que havia semeado nele;destruiram-me o lagar da estrada Nova e alguns olivais.

Portanto,não fui mal convidado,e não tem lugar o que dizem certos malévolos aqui,que escapou a minha casa por pertencer a um sobrinho de V.Exª;porém eu tenho feito ver a carta que de lá tive,em que me comunicam tudo quanto acima se refere.Já partiu o padre José António para lá,a continuar na administração daquela infeliz Casa,que ainda este ano ou nada rende, por terem os rendeiros largado as terras e não haver meios de cuidar de todas por falta de bois e sementes.

Portanto,terei de continuar a padecer as misérias que a V.Exª tenho comunicado,pedindo socorro pequeno ou grande,que em tudo me faria uma grande esmola,porém não fui atendido e agora não sei o que será de mim,porque o primo Bispo de Elvas que até agora muito me ajudava,com o cerco de Campo Maior perdeu grande parte das suas rendas e não tem já com que possa acudir-nos.Se não fosse ele,confesso a V.Exª,que não seria de nós!Minha Mulher que vai em 5º mês da sua gravidação,pede a V.Exª a sua benção e desejava muito,assim como eu,que V.Exª em tempo competente seja Padrinho do que houver de nascer,tendo sido nosso primo Bispo de Elvas,das suas primeiras meninas,e deste último agora os Marqueses de Belas.O meu pequeno tem estado muito doente com um catarral,mas vai melhor.

Compadeça-se V.Exª de mim,socorrendo-me com o que lhe parecer,não podendo actualmente fazer esmola maior e lançando-me a sua benção.

Lisboa,23 de Março de 1811

De V.Exª,sobrinho muito obediente

Manuel

" A carta transcrita,parece não deixar dúvidas,quanto ao incêndio do Palácio pelas tropas napoleónicas e,a reforçar esta ideia,escreve-nos (20/7/1955) uma bisneta do desembargador Manuel Pereira Ramos,a Ex.ma Sra. D.Margarida de Lemos Magalhães,esclarecendo que o ataque dos franceses ao Palácio de seu bisavô,foi um facto incontestável.Lembra-se perfeitamente de lá existir,há poucas dezenas de anos ainda, uma sala,das maiores da frente,a que chamavam a "sala queimada" e também a "sala dos franceses",que tinha a parede de fundo toda crivada de balas e sinais de incêndio nos madeiramentos interiores das sacadas.Diz a mesma senhora que não sabe por que motivo,tantos anos decorridos,estava aquela sala ainda por restaurar,lembrando-se perfeitamente do mêdo que sentia,quando criança,ao entrar naquela vasta sala,queimada,sem mobilia,sempre fechada à chave,onde se guardavam quadros,loiças para consertar e outros objectos que se estendiam pelo chão.
Resta explicar a razão que originou a ideia,tão arreigada ainda,de que a família Lemos estaria afecta aos invasores franceses.

Respigamos da História de Portugal,de Fortunato de Almeida,a seguinte referência:

«Em Fevereiro de 1808,determinou Junot,enviar uma deputação portuguesa a Napoleão.O verdadeiro fim que ele se propunha,era escolher um certo número de pessoas notáveis,para em França ficarem retidas como reféns;mas coloriu-se a violência com o pretexto de que,a deputação ia pedir ao Imperador,a diminuição da contribuição de guerra e a liberdade dos prisioneiros portugueses.Esta alegação era um embuste.»

Continua


domingo, 15 de novembro de 2009

BRINCANDO COM AS ORIGENS


O ano passado foi publicada no Diário de Coimbra uma carta assinada por mim,com o título "As origens do topónimo Conímbriga" e na qual brincava sobre este tema.Para quem na altura não leu a mencionada carta,aqui vai,mais ou menos, o que dizia:
" Frequentemente pergunta-se qual a origem do nome Conímbriga e a data da fundação de Condeixa,a velha ou a nova,tanto faz.As explicações são,regra geral,tão controversas que acabamos por ficar a saber o mesmo,ou seja,nada.
Não sendo historiador nem tendo andado por programas televisivos,evidentemente não me arrisco a ligar o nome daquele lugar à presença de hipotético guerreiro "Nim",aparecido para salvar a integridade de princesa donzela ameaçada por feroz cobra,contra a qual ele bravamente lutou e venceu em sanguinolenta "Briga".Em consciência,parece-me que falta aqui explicar como é referido "Nim"e "Briga",sem mostrar o "Co"(leia-se Có).Por minha grande pena,confesso não ser erudito!Conheço porém suficientemente a génese de três acontecimentos interligados que podem,de alguma forma,clarear as ideias: a razão do nome Conímbriga, a provável data da fundação de Condeixa e a origem das célebres "escarpiadas",especialidade doceira genuína de Condeixa.Aqui vai a "estória":
" Há muito, muito tempo,existiu cerca do local onde hoje se localizam as Ruínas de Conímbriga,um pequeno povoado de gente rude e simples que vivia da parca agricultura. O local era conhecido por terra dos Cónios...e das Cónias,evidentemente.Um dia,os romanos que tinham a mania de conquistadores,apareceram por ali e pretenderam expulsar os naturais para lá construírem uma cidade.Ora os Cónios(de ambos os sexos),eram simples mas não eram parvos.Corajosamente,decidiram lutar com vigor.Mas que podiam eles fazer contra a força bruta das poderosas legiões?No fim,o Centurião impressionado com a valentia daquela gente,perguntou como se chamava o local.A resposta,naturalmente,foi que era a "terra dos Cónios...e das Cónias"."Pois então,disse o general romano,se são Cónios(ignorando discriminatóriamente as Cónias)e tão bons de briga,ordeno que a partir de agora esta terra passe a chamar-se Conímbriga!"(explicação mais terra a terra do que aquela balela do guerreiro e da cobra!)
Pouco mais de meia-dúzia de séculos depois,outros conquistadores resolveram também dar cabo da paciência dos pobres iberos.Lá dos confins,Gôdos,Vandalos e Suevos vieram correr com os romanos e tomaram conta de tudo.Vieram,conquistaram e ficaram!Os Godos,com o tempo passaram eufemisticamente a chamar-se obesos e os Vandalos...bem,esses acho desnecessário explicar por onde andam!Mas guerreiros vindos do norte de África,decidiram também molhar a sopa e foram ocupando o que podiam.Entretanto,lá para o norte,junto à Galiza,um certo príncipe,danado porque a mãe queria dar as suas terras a um tal Conde de Trava,discutiu com ela(dizem até que chegou a dar-lhe uns tabefes,o malvado),fechou-a num quarto escuro e declarou-se rei daquilo tudo.Como era bastante iletrado,resolveu vir para Coimbra estudar.No intervalo das aulas(e nas gazetas!),passava o Mondego e vinha para aqui bater nos moiros e nos pobres indígenas,só para aliviar o "stress".É claro que estas cenas provocavam muitas vítimas.E surgiu um problema:ou as pessoas lutavam,ou velavam os falecidos.Pensaram,pensaram e encontraram a solução.Contrataram umas senhoras especializadas em carpir nos velórios.Toda a santa noite, ali estavam elas,coitadinhas,no seu triste fadário!Ora como eram naturais de uma região caracterizada pela produção de doces conventuais,exigiram que logo pela manhã lhes servissem um cházinho acompanhado de apetecíveis bolos.Um problema para este povo,habituado apenas à brõa e sardinha!Então,uma velhota, que servira como cozinheira em casa de uns senhores lá para os lados de Pereira,disse que conhecia uma receita prática e barata de fazer bolos.Mandaram chamar um padeiro,por sinal surdo que nem uma porta e a velha começou a dar-lhe instruções.Observou-se então o seguinte diálogo:"deita farinha na gamela e amassa com água-Com?,perguntou o surdo-Com água;depois de amassar bem,mistura mel com azeite-Com?-Com azeite.Agora leva ao forno...-Com?-Deixa,disse a velha,farta das perguntas do mouco,eu acabo o resto!"
Ora aqui está como se fez o nome da terra! E simultâneamente se iniciou a fabricação da mais famosa especialidade doceira!Resta dizer que,como os deliciosos pitéus eram um mimo para as "carpidas",corruptela de carpideiras,evoluiu para "ascarpidas ou escarpíadas,melhor que"escarapiádas",como também lhes costumam chamar,por sinal sem piada nenhuma.
E assim se prova que a fundação da vila é coeva da própria fundação da nacionalidade,embora alguns historiadores,baseados em documentos, queiram desmentir,argumentando que no tempo de Afonso II das Astúrias o povoado já existia. Contrariadores!
Mas a vila tem ainda outro produto de nomeada:o "Licor de Leite"! Uma vila tão bonita,"cheia de encantos mil",como os brasileiros posteriormente aprenderiam a dizer(cidade, maravilhosa...),só podia ser a "terra do leite e do mel".Lá está,leite para o licor e mel para as escarpiadas,tão fofinhas e gostosas! Venha daí deliciar-se e terá oportunidade de verificar que falo verdade,embora apenas quando me refiro às escarpiadas!!!

domingo, 1 de novembro de 2009

FIGURAS TÍPICAS DE CONDEIXA

Em Condeixinha,no antigo Beco do Seiça,havia uma tasca,propriedade de um homem bastante singular:Joaquim Lamas,mais conhecido por Loirinho.
Vivia em pobreza e,nem o facto de ser proprietário de um estabelecimento, lhe permitia algum desafogo.Antes pelo contrário!
A taberna,igual a tantas outras da terra,era de chão terreo,com balcão,uma ou duas pipas de vinho e um barril de aguardente.A sua particularidade residia no facto de serem os próprios fregueses a servirem-se da bebida e a colocarem o respectivo valor numa ranhura do balcão,para descanso do tasqueiro,pouco amigo de esforços.
Mais tarde,já na última fase da vida do Loirinho,uma doença qualquer tolheu-lhe os membros superiores e passou a vender cautelas da lotaria.Quando alguém lamentava o facto de não poder servir-se das mãos,respondia com aquela graça peculiar :"Deixa lá,eu também nunca precisei delas!"
Era solteiro,mas um dia resolveu deitar os olhos para uma senhora que tinha um defeito numa das pernas.Naturalmente tímido,pediu a alguém que intercedesse por si.Esse amigo lembrou-lhe que a senhora era coxa,ao que ele respondeu:"Não faz mal,eu não a quero para jogar futebol!"
Noutra ocasião,estando em Coimbra e necessitando voltar para Condeixa,encontrou o padre Mota,pároco de Condeixa-a-Velha e pediu-lhe boleia,mas o padre disse-lhe:"Já estou cheio,senhor Joaquim!"resposta pronta do Loirinho:"Pois Nosso Senhor lhe dê uma boa hora,senhor prior!"
Na tasca,aconteceu um episódio que marca a instalação da G.N.R. em Condeixa e teve como consequência a inauguração dos seus calabouços.
Duas das mais carismáticas figuras da vila,eram sem dúvida António Pessa e Joaquim Caniceiro.Dotados de fino espírito de observação e apurado sentido crítico,são inúmeros os ditos chistosos que lhes são atribuidos.Estes dois amigos gostavam de,após os afazeres diários,visitar as "capelinhas" da vila e arredores,petiscando e bebendo o seu copito.Um dia, a "capelinha" escolhida foi a do Loirinho.E como este era bastante condescendente,acabaram por despromovê-lo do cargo de patrão.O Loirinho não terá gostado da brincadeira e berrou que lhe estavam a assaltar a loja.Alguém no exterior estranhou o reboliço e chamou a guarda.Uma patrulha deslocou-se a Condeixinha e prendeu os brincalhões.Levados estes para o posto e,colocados perante o cabo Coelho que,por ser novo na terra, ainda os não conhecia, ordenou que fossem presos até ao dia seguinte,quando deveriam ser apresentados ao Juiz.
Ora acontecia que António Pessa e Joaquim Caniceiro eram pessoas muito conceituadas na vila e quando se soube da prisão,movimentaram-se as influências para a libertação dos dois amigos.Mas eles,fazendo valer a fama de pessoas excêntricas,recusaram ser libertados e exigiram ficar nas celas toda a noite!