domingo, 18 de outubro de 2009

DR.JOÃO ANTUNES,O PADRE,O HOMEM E A LENDA

(UM EXCERTO DO LIVRO"PADRE BOI NÃO É LENDA",DE M.RODRIGUES DOS SANTOS,EDIÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE CONDEIXA-A-NOVA)

-O Padre Dr. João Antunes fixou-se em Condeixa em 1894,onde não tardou a tornar-se notado por uma grande participação na vida comunitária da vila,em muitas e variadas frentes.
À tarefa precípua de titular da Conservatória do Registo Predial,qualidade em que assina o primeiro expediente em 23 de Dezembro de 1895,alia a de coadjutor do pároco da freguesia e de capelão da Casa Ramalho.A sua intervenção nas festividades religiosas traduz-se num papel de garantia do esplendor destas,mediante cânticos que ensaia e sermões que prega ou encomenda a oradores sacros chamados de fora.
Conta-se que um dia em que ia proferir um sermão na Romaria da Senhora do Círculo,onde os camponeses conduziam e ainda continuam a levar os seus rebanhos para os livrar de moléstias,prometeu que ia pôr todo o auditório a chorar.
Num estilo grandíloquo e terrífico,à moda da «Missão Abreviada» então em voga,foi falando sobre as penas do inferno e os pecados que lá conduzem.«E não vos julgueis,caríssimos cristãos,libertos desses pecados que são mais que as caganitas das ovelhinhas aqui à volta»-advertiu num exórdio final.Houve quem sorrisse da liberdade da linguagem,mas não faltaram,também,as lágrimas de muita gente impressionada com o tom patético da perlenga.
A par de situações tão anedóticas como esta,o Padre-Boi levava muito a sério o compromisso de cooperação com a comunidade em que estava inserido,procurando animá-la e levantar-lhe o nível socio-cultural.
Valia-se,para isso,de ideias próprias ou inspiradas de fora.
Vira,em várias cidades capital de distrito,as suas feiras comerciais e industriais e não se conteve que delas não fizesse uma edição resumida para amostragem dos recursos do concelho de Condeixa.Essa amostragem de manufacturas e produtos agrícolas do concelho decorreu de 10 de Maio a 14 de Junho de 1914 com participação de 120 expositores.
Amante da preservação do património construído,atentou na degradação das capelas laterais da Igreja Matriz,que fora incendiada em 11 de Março de 1811 pelas tropas de Massena que batiam em retirada das Linhas de Torres Vedras e que nunca tinha sido por completo restaurada.
Reconstrói então a expensas suas,a Capela de Santa Teresa(nome de sua mãe)e concorre para que idêntico tratamento seja dado à Capela do Senhor dos Passos,animando uma subscrição pública a favor das obras.João Machado,mestre canteiro de Coimbra de grande renome,foi o artista que escolheu para superintender no trabalho de restituir a esses monumentos a traça primitiva do século XVI.
Foi bem conhecida a devoção do Padre Antunes por Nossa Senhora das Dores.É tal a devoção que o leva a edificar uma capelinha dessa evocação,que tem a data de 1906,e se acha actualmente incorporada numa capela maior.
Ele fomentou,com incansável zelo,o culto da Senhora das Dores,dando o exemplo de ir,diariamente,chovesse ou fizesse sol,ajoelhar-se ante as «alminhas» que mandara erguer.Essa prática diária tocou de tal modo a imaginação popular que se chegou a propalar que as covas que se viam no solo envolvente da capelinha eram marcas indeléveis deixadas pelos seus joelhos.
O Padre Dr.João Antunes foi-se rápidamente insinuando na simpatia de pessoas de todas as categorias sociais também pela sua jovialidade e bonomia,e pela disponibilidade para colaborar em diversões populares.
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O Padre Dr.João Antunes não tinha o tamanho duma torre,como já hiperbolicamente se exagera,mas era,de facto,pessoa de estatura muito avantajada.
Não é difícil esboçar o seu retrato físico,por serem muitas e coincidentes as referências a esse respeito por contemporâneos que muito bem o conheceram.Os cronistas da época que dessa figura se ocuparam nos jornais ou em livro,aludem,geralmente,ao seu porte agigantado.
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No primeiro quartel do século XX,ecoaram no País o nome e o canto do Orfeão de Condeixa e a fama do Padre Dr.Antunes,seu fundador e dirigente.Ele era ventilado nas colunas dos jornais a apreciado nas tertúlias de melómanos que o consideravam percursor da divulgação do canto coral ao nível das populações rurais,num processo em que essas populações eram,ao mesmo tempo,agentes e destinatários da mensagem artística.
O Orfeão de Condeixa foi,de facto,o primeiro de caracteristicas populares organizado em Portugal,em cujas cidades e vilas actuou de forma a atrair para a sua terra o prestígio de centro cultural privilegiado.
Ainda João Arroyo se debatia em dificuldades de reactivar o seu Orfeão Académico,eminentemente homogéneo,e já uma vila rural bem próxima da Lusa Atenas conseguia arrancar em beleza com um conjunto tão heterogéneo que integrava,em harmonia perfeita,velhos de 80 anos e crianças de 8 anos,professores primários lado a lado com os alunos,o Juíz da Comarca e o cavador do campo,os donos e os marçanos das mercearias,todos obedientes à batuta dessa abelha-mestra que era a figura carismática do Padre Dr.João Antunes.