sábado, 19 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

continuação



Em frente,há uma praceta.O beco do Seiça,depois de ter dado uma curta volta,regressa à"mãe".

Um pouco abaixo e junto ao antigo talho do Micaelo,morava outra das figuras marcantes da minha infância,o Luís Videira.

O pai era alfaiate e sofria da terrível doença da época,a tuberculose.Em sua casa o pão não abundava,como em outros lares da vila(e do país!),o que não era de admirar,com os baixíssimos salários desse tempo.

O Luís,logo que terminou a instrução primária,foi aprender o ofício com um carpinteiro.Comia em casa do mestre,único pagamento do seu trabalho.Um dia, ao jantar,após uma cena do patrão com a mulher,o candeeiro de petróleo tombou e a chaminé partida espalhou os cacos sobre a comida do rapaz.Na impossibilidade de retirar todos os vidros e na contingência de ficar sem jantar,ele optou por comer as batatas,bacalhau e grelos com acompanhamento extra de vidros.Como nada de mal lhe sucedeu,dali para a frente,em troca dos tostões de estúpidas apostas,engolia vidros,pregos e outros estranhos objectos.Estas façanhas valeram-lhe a alcunha de "Faquir".Curiosamente,o apodo em vez de o desgostar,parecia até agradar-lhe.

Depois,a Casa dos Arcos ou das Colunas,uma interessante construção do século XVIII,com três arcos de volta completa(actualmente dois estão entaipados),pequenos terraços sobre os mesmos e águas-furtadas.

Esta moradia está quase em total ruína,não valendo de nada a tentativa feita a alguns anos para evitar a queda das paredes,que podem desmoronar-se a qualquer momento.Uma questão de valores monetários entre os proprietários e a Câmara,tem impedido a concretização da compra,com o consequente prejuízo para o património da vila.

O Dr.Deniz Jacinto,ilustre condeixense,pretendia doar a Condeixa o seu vasto e rico espólio,composto por livros de sua autoria e de outros escritores,diversos trabalhos sobre Gil Vicente,de quem foi emérito estudioso,o fato de "Diabo"envergado nas peças Vicentinas em que participou e se notabilizou e ainda a Comenda da Ordem do Infante D.Henrique com que foi agraciado pelo Presidente da República.

A Casa dos Arcos foi o local escolhido para instalação do Museu.Mas a tal mesquinha questão da compra do imóvel e a falta de interesse da Câmara em procurar outro local,contribuiram para impedir a sua resolução.O espólio acabou por ser doado ao Museu Paulo Quintela,de Coimbra e Condeixa perdeu mais um património de grande valor.

Em frente à Casa dos Arcos,existiu um prédio entretanto demolido para dar acesso ao Quintalão da Misericórdia.

Nessa casa morava Américo Pato(Olho e Meio).Era um homem muito doente,também atingido pela tuberculose,esse terrível mal motivador de tantas mortes,não só em Condeixa,mas em todo o país.

O Américo,impedido de trabalhar pela doença que o minava,não tinha meios de prover a sua subsistência e a da família.Resolveu então adquirir ao Augusto Braga uma bicicleta e realizar um sorteio,para o qual vendeu as respectivas rifas.É claro que o lucro final seria pequeno,mas ele tinha a esperança de ficar com o prémio ou,calhando este a algum benemérito, o deixasse ficar com o velocípede para novo sorteio.Infelizmente isso não aconteceu.O premiado,insensível ao drama,não teve contemplação e exigiu o veículo!

Tristes tempos,quando um trabalhador após passar uma vida de duro trabalho,ganhando salários de miséria,ao deixar de ter serventia,por velhice ou doença,herdava um pau e um saco e juntava-se à horda de pedintes famintos.E não se pense que essa situação se passava em tempos remotos!A parte substancial dos direitos e condições sociais,infelizmente agora em risco,foi apenas alcançada com a Revolução dos Cravos,em 25 de Abril de 1974!

O Américo tinha dois filhos,o António e o Américo,este mais conhecido pela alcunha:Zé Cletra.

O António,quando era criança gostava de ir para a Igreja ajudar no arranjo de andores e altares.Certa vez auxiliava o Alvarito a decorar a capela da Srªda Conceição,em cuja base está a imagem de Santo António.Uma deficiente instalação transportava a energia para iluminação da Virgem.O António tocou inadvertidamente num fio e,desconhecendo o efeito da electricidade,ao sentir o choque gritou:"fuja sr.Alvarito,que o Santo Antoninho está zangado!"

A rua de Condeixinha tem três espaços distintos.Desde o seu início até à cortada para a Lapa,é densamente habitada,com as casas a sucederem-se numa linha contínua.Depois,até Entre-Moinhos,apenas algumas casas dispersas e a partir dali,novo aglomerado populacional a terminar,agora,quando é interrompido pela Estrada Nacional.
Ao virar para a Lapa, a casa antigamente acastelada da Quinta da Lapinha,antigo Solar dos Cunhas.Possui um linda gruta de tufo calcário,juncada de densa vegetação,com a água a formar pequena cascata.Nos anos quarenta do século XX,quando era propriedade da famíla Oliveira Batista,chegou a ser atracção turistica de Condeixa.Que pena não continuar a figurar no roteiro da vila!
Em frente,a Quinta da Lapa,cujo solar foi residência do Padre Dr.João Antunes.Este grande vulto intelectual,impulsionador cultural de Condeixa,criou um Orfeão que tinha a característica de ser históricamente o primeiro agrupamento coral popular do país.Mas,para além disso e com a colaboração de reputados mestres,António Gonçalves,Abel Manta,Pedro Olaio,fundou também uma Escola de Artes e Ofícios,destinada a desenvolver nos inúmeros artistas da vila com conhecimentos apenas empíricos,técnicas de desenho industrial.Da importância dessa Escola nos deu conta o romancista de Condeixa e do mundo,Fernando Namora,ele que também lá aprendeu artes plásticas:"...entretanto a vila multiplicava-se em pintores de domingo,marceneiros-artistas,ferreiros,compositores populares...".
Tanto os ensaios do Orfeão como a Escola,tinham lugar no grande solar.
O prestígio do Dr.Antunes grangeou-lhe a amizade de destacados vultos do meio intelectual de então.O poeta Afonso Lopes Vieira,o pianista Rey-Colaço ou o músico Ruy Coelho,eram visitas assíduas da Quinta.Este último,encantado com a paisagem desfrutada das janelas da casa,compôs ali uma bela melodia intitulada"Pôr do Sol em Condeixa".
Após a morte do Dr.Antunes,a quinta passou a ser propriedade de Lino Pedro Augusto.O Alvarito,seu filho,era um homem de rara sensibilidade artística.Ao longo da vida reuniu um valioso acervo constituido por alfaias agrícolas,artesanato vário,colecção de moedas antigas,pinturas,documentos,etc.Este espólio pertence hoje a sua filha.No entanto,seria recomendável que a Câmara tentasse adquiri-lo,para preservação da memória de Condeixa.
A rua da Lapa era antigamente a estrada de ligação entre Condeixa e Montemor-o-Velho.
Quando rebaixaram a rua de Condeixinha,esse trajecto passou a fazer-se pelo novo traçado.A Lapa,por ser um caminho muito estreito e damasiado íngreme,deixou de ter serventia para veículos.Mais tarde acabaram por construir uma escada no troço de maior inclinação.A meio,está a Capelinha da Senhora da Lapa,um templo muito antigo.Segundo a lenda,a imagem da santa foi achada na gruta da Lapinha,em 1400.Nesse mesmo ano construiram a ermida com esmolas do povo e um donativo de António de Almeida.Ao longo do tempo,foi sofrendo alterações.Sempre foi reclamada como propriedade da família Bacelar,do Travaz.No final do século XX estava em grande estado de degradação,ameaçando ruína.Passou então para a posse da Igreja Matriz e foi devidamente reconstruída.
continua