terça-feira, 5 de janeiro de 2010

LUGARES DE CONDEIXA-A RUA PRINCIPAL

A PRAÇA



O antigo Terreiro,passou a designar-se Praça da República logo após a implantação desta.

Porque é um espaço muito importante da vila,terá na devida altura direito a crónica própria.

À esquina da estreita entrada para Condeixinha,há um grande edifício revestido de pedra,o único exemplar do género existente na terra porque o proprietário era dono das pedreiras de Condeixa-a-Velha,onde se extraiam as mós de moinho,as melhores,exportadas até para o estrangeiro.

Neste prédio está ainda instalada a Farmácia Rocha.O pai das actuais proprietárias,Dr.Júlio Pires da Rocha,licenciado em Farmácia,era criador de vários medicamentos que manipulava no seu laboratório.

Até há bem pouco tempo,a farmácia configurava-se como exemplar característico dos estabelecimentos congéneres do século XIX.

Armários onde se alinhavam os diversos medicamentos,um pequeno balcão e ao centro deste a indispensável balança de precisão encerrada num cofre de madeira e vidro.

Embora muitos dos medicamentos fossem já de venda comum nas farmácias,alguns remédios eram ainda de outro século:papas de linhaça que tanto davam para amolecer um furúnculo como para tratar uma pneumonia;pomada das infecções,negra como pez,vendida em pequenas caixas cilíndricas,além dos "poses p'ró estômago",soluções alcalinas ou simplesmente bicarbonato de sódio.´Até aos meados do século XX,o passeio da farmácia servia de local de tertúlia onde ao fim da tarde se reuniam algumas das personalidades da vila(médicos,juiz,pároco,etc.).


Um pouco mais adiante,o Café Imperial,de António Caridade Paula(António Miro).

Creio ter sido em 1945 que uma antiga loja de cereais há muito encerrada,foi transformada num belo café,cotado entre os melhores do distrito.

Amplo,tinha nas paredes laterais grandes espelhos redondos e candeeiros a gás,para suprir a eventual falha eléctrica e um lindo tecto de gesso repuxado e pintado,dando a ideia de lago de águas encrespadas brilhando em prata.O robusto mobiliário de madeira,foi executado por encomenda.

Na frontaria,uma pequena montra de um lado e larga vidraça do outro,conferiam ao estabelecimento boa luminosidade.Completava o conjunto a esplanada,roubada ao espaço do passeio,com pala superior de armação de ferro e vidro martelado.

Devido à magnífica localização,o Café Imperial era o mais frequentado da vila.Mas o proprietário também contribuía para a reputação do estabelecimento.Competente profissional,sabia como servir bem os clientes.

O lote de café era das melhores marcas e a máquina,duas elevadas torres niqueladas,com torneiras,aquecida por fogareiro a petróleo,só utilizava a quantidade de café conveniente para o correcto número de "bicas".As borras,ainda com boa capacidade de reutilização,eram dadas a pessoas necessitadas.

Antes do advento da televisão,os relatos de futebol através da rádio,especialmente os desafios de hóquei em patins,no tempo áureo da Selecção Nacional,campeã mundial da modalidade,eram escutados com fervor no rádio do café.E os clientes deliravam com os fantásticos golos do Jesus Correia ou do Sidónio Serpa e as defesas acrobáticas do Emídio Pinto.

O Café Imperial foi indubitávelmente um marco da vida social condeixense daquela época.

O prédio seguinte,era um estabelecimento de fazendas e pertencia a Manuel Alípio Coelho de Paula.(hoje é um restaurante).


Depois,a mercearia de David Salazar.No subterrâneo da sua casa existia uma gruta,a "cova funda",que ia quase até ao meio da Praça,paralelamente ao troço escondido do rio Caldeirão,exactamente ao encontro do local onde se situava a frontaria do prédio,posteriormente demolido,do Palácio dos Sás.Dizia-se que esse túnel servia,em tempos remotos,de escapatória aos proprietários do palácio,caso se tornasse necessário.


Logo a seguir,na esquina,a pequena papelaria da Sra.Marquinhas Pena,vulgarmente conhecida como "Marquinhas Bicha".Recordo-a como uma senhora de idade,baixinha e muito simpática,que vendia os cadernos e as lousas para os miúdos das escolas e falava com eles como se estivesse a tratar com adultos.No mesmo prédio,depois da esquina,a loja de sua filha,Soledade(Bicha).O estabelecimento tinha prateleiras onde se alinhavam urnas de pinho cru,sem qualquer ornamento.Curiosamente,apesar da estranha mercadoria,a loja não inspirava a natural aversão que motiva a presença dos artefactos macabros.


Depois,a papelaria de Isaac Pinto,com departamento de fotografia,esta última função da responsabilidade de seu filho José Pinto,fotógrafo artista,de quem ainda hoje podemos apreciar valiosos clichés que retratam o quotidiano condeixense do tempo.Isaac Pinto foi uma das mais importantes figuras culturais da vila,na primeira metade do século XX.Conhecedor profundo da vida social e cultural de Condeixa por nela participar activamente,foi,como ele um dia escreveu no jornal "A Pátria",co-fundador do Orfeon de Condeixa.Deixou para a posteridade grande número de escritos que documentam não só a época,mas factos antigos obtidos por persistente investigação.Muitos desses testemunhos,manuscritos,ficaram em mãos de familiares ou amigos e nunca foram editados.Felizmente,um dos mais importantes,um trabalho reunido em onze fascículos com o título genérico "Subsídios para a História de Condeixa",realizado em parceria com o veterinário municipal Dr.Fernando de Sá Viana Rebelo,foi editado pela Tipografia Ética,de Condeixa.Também a Igreja de Santa Cristina,na reconstrução que sofreu no princípio do século XX,beneficiou bastante com a sua sensibilidade artistica e profundo conhecimento da história daquele templo.Dos diversos artigos vendidos na papelaria:jornais,revistas e livros,contava-se uma publicação bissemanal de banda desenhada,"O Mosquito",bastante apetecida pelos garotos do meu tempo.Na falta de capacidade monetária para a adquirir e como o meu pai era assinante do jornal "O Século",em dia de saída do caderninho de bonecos,era eu que ia buscar o diário pois o Sr.Isaac deixava-me ler aquela edição infantil.No mesmo prédio,o Café Conímbriga,propriedade de José Pinto e Jaime dos Santos.Este café tinha nas paredes interiores belos frescos alusivos a alguns dos mais interessantes mosaicos de Conímbriga.


Com este estabelecimento,termina a Rua da Praça.


LARGO RODRIGO DA FONSECA MAGALHÃES


Começa o Largo,com a Igreja Matriz,dedicada a Santa Cristina,padroeira dos moleiros,profissão muito disseminada na vila.

Dizem os historiadores que em 1502 quando o Rei D.Manuel I passou a caminho de Santiago da Galiza,por achar a igreja muito pequena e em mau estado de conservação,mandou que novo templo se construísse.Disso encarregou os frades de Santa Cruz de Coimbra.Recorro à Monografia do Capitão Santos Conceição,que refere o livrinho do Cartório daquele Mosteiro,datado de 1521:"Contrato e obrigações que fizeram os moradores de Condeixa-a-Nova à fábrica do corpo da Igreja e altares dela;e o mosteiro se obrigou à fábrica da Capela Mor".Já em 1522,dizia o mesmo livro:"Obrigação que fizeram os moradores de Condeixa-a-Nova de darem toda a prata que for necessária para ornato e serviço da Igreja de Santa Cristina".

A nova Igreja deve ter sido acabada em 1543.Possui ampla nave e tinha o tecto abobadado,pintado com lindos frescos que,devido às sucessivas inflitrações da chuva, ficou bastante degradado e foi coberto com paineis de madeira,já na década de 1960.A Igreja,toda feita em pedra de Ançã lavrada,tinha os lambris das paredes interiores forrados com azulejos dourados.Havia nesta Igreja três capelas particulares,uma de D. Lourenço de Almada,senhor do Paço dos Almadas,outra de João de Sá Pereira,da Casa dos Sás e ainda outra dos Morgados de Morais Botelho,da Casa do Salgueiro.Hoje só a Casa dos Sás mantém a "sua" Capela.

O templo foi completamente destruído por incêndio durante as invasões francesas e muito mal restaurado no século XIX,quando inclusivamente entaiparam algumas capelas.No início do século XX foi remodelada com grande rigor,graças à sensibilidade artística e intelectual de Isaac Pinto e do Padre Dr.João Antunes.

Em frente à Igreja,um edifício que foi propriedade de João Pimentel das Neves,personalidade de grande importância no percurso cultural da vila.Foi encenador de vários grupos de teatro amador e ocupou ainda por diversas vezes o cargo de presidente do Clube de Condeixa.Em 27 de Abril de 1974,chefiou a Comissão Administrativa da Câmara Municipal,conjuntamente com António Caniceiro da Costa e Fortunato Pires da Rocha.

O prédio ao lado pertencia a José Dias Ferreira e,como já tive oportunidade de referir,foi ali que nasceu Rodrigo da Fonseca Magalhães.No rés-do-chão está instalado o mais antigo estabelecimento de Condeixa,sempre do mesmo ramo,uma centenária loja de ferragens.

No espaço entre o corpo da Igreja e os actuais Paços do Concelho,existiu também outra loja de ferragens que pertencia à família Pires Machado,mas era conhecida como "a loja do Sr.Franklim".

O largo que se inicia após este estabelecimento era um dos locais utilizados pelo mercado bissemanal e por isso conhecido como Feira das Galinhas.O seu nome verdadeiro é:

LARGO ARTUR BARRETO

O edifício dos actuais Paços do Concelho domina todo o local.Datado da primeira metade do século XVII,pertenceu aos Condes de Portalegre e também foi conhecido como Palácio do Capitão-Mor.Para a posteridade ficou no entanto o nome de família de um dos proprietários,Figueiredo da Guerra,embora a pedra de armas que ostenta sobre o portão seja dos Cabrais,também seus antigos donos .

Numa visita que fiz às ruínas da Quinta de S.Tomé,vi embutidos na parede interior da capela dois brasões dos Figueiredos da Guerra,sendo um deles presumivelmente o que esteve na frontaria do palácio do Largo Artur Barreto.Tem forma rectangular e é ladeado por duas volutas,uma invertida da outra.Lavrado em pedra calcária(Ançã?),está decorado com artistico entrelaçado de folhas de acanto gótico em relevo.No centro tem um escudo no qual estão cinco folhas de figueira,duas em cima,duas em baixo e uma ao centro.De cada lado desta,as letras A e I.A encimar o escudo,um elmo com leão coroado .Por cima desta pedra,estava um escudo mais pequeno,em tudo semelhante ao anteriormente descrito,mas sem leão sobre o elmo.Dado o estado de ruína da referida capela e temendo a derrocada iminente com a consequente destruição das pedras de armas,em 2005 pedi ao Presidente da Câmara,Eng,Jorge Bento que as mandasse retirar.Ele mais tarde informou-me tê-lo feito e ordenado que fossem recolhidas no estaleiro(?),junto ao cemitério!

Na terceira invasão francesa,as tropas de Massena e Ney,além de muitos outros edifícios da vila,também vandalizaram e incendiaram o palácio dos Figueiredos da Guerra.Em 1857 foi vendido a Albino Justiniano de Carvalho,que o mandou reconstruir respeitando a primitiva arquitectura.Porém os belos azulejos do século XVII representando motivos de caça e que decoravam as escadas e varanda do pátio interior,não foram recuperados.O velho edifício foi posteriormente herdado por Artur da Conceição Barreto que o doou,juntamente com alguns prédios confinantes,à Fundação Hospital D.Ana Laboreiro d'Eça.Já no século XX estiveram lá instalados vários serviços.No 1º andar,o Tribunal Judicial e a sede do Clube de Condeixa.No rés-do-chão,um armazém de mercearias,um estaleiro de materiais de construção e uma oficina de marcenaria.Entretanto a Câmara adquiriu o imóvel.Depois de profundas obras de reconstrução e remodelação,transformou o vetusto edifício em Paços do Concelho,um destino que dignificou os serviços ali instalados e preservou o património arquitectónico da vila.

A velha Feira das Galinhas é hoje um agradável jardim que colocou em maior destaque o Monumento aos Mortos da 1ªGrande Guerra,o primeiro a ser erigido no nosso país,exactamente em 9 de Março de 1921.Quando o largo era um simples terreiro,ali se realizavam espectáculos ao ar livre com companhias de saltimbancos,grupos de acrobatas que percorriam o país de lés a lés,actuando nas pequenas localidades.

Em frente à Câmara,o prédio que tem a placa com o nome do largo,foi desenhado pelo conceituado arquitecto Raul Lino,autor de vários projectos como a"Casa dos Patudos",em Alpiarça e o palacete do Dr.Ângelo da Fonseca,onde está instalado o Governo Civil de Coimbra.

Paredes meias,era a loja de solas e cabedais de José Lopes Cardoso que no Canto,por detrás do prédio do estabelecimento,montou uma pequena industria de manufactura de calçado.A sapataria tinha uma curiosa forma de comercializar a sua mercadoria.Os clientes adquiriam uma caderneta onde era afixada a quantia periódica paga e constituía no final,a importância do valor comprado.A cada caderneta era atribuído um número.Semanalmente,se esse número correspondia aos últimos algarismos do primeiro prémio da lotaria nacional,o dono da caderneta era brindado com a oferta do calçado sem precisar de continuar a pagar prestações.

Depois de um breve passeio que marcava a antiga cota do largo, existiu um alto patamar com escada.Quando se fez o rebaixamento da rua que segue para a Faia,as casas já existentes ficaram numa cota superior.Daí a necessidade de construir patamares para seus acessos.

A terminar o Largo Artur Barreto,a casa onde nasceu o médico e romancista Dr.Fernando Namora que legou todo o seu espólio literário e pictórico a Condeixa.Hoje o prédio é a Casa Museu Fernando Namora.

RUA D.ELSA FRANCO SOTTO MAYOR

Começava a rua com o armazém de vinhos da firma Moita & Companhia,um longo barracão de parede e telhado,com tonéis e vazilhas do alcoólico líquido.Esta rua,no meu tempo,pouco tinha a assinalar.A actual Rua Fernando Namora,(que ia dar aos terrenos do Paraíso,ao fundo da fonte do Outeiro,um local várias vezes utilizado para instalações de circos e barracas de diversão ou,por vezes,barracas de teatro itinerante), tem mesmo à esquina,um prédio que,quando andava em construção originou um episódio engraçado.A futura inquilina foi ver como decorriam as obras.Ao passar junto à inacabada casa-de-banho,disse ao dono da obra:"Então e o bidé?Não se equeça de mandar colocar o bidé!".O homem que nunca tinha ouvido falar em tal coisa,calou-se.Durante o decorrer da visita,a senhora falou várias vezes no acessório e quando ia a despedir-se,ainda recomendou:"Não se esqueça do bidé!"Aí ele passou-se!Desconhecendo em absoluto para que servia tal coisa,perguntou desabridamente:"P'ra que raio quer a senhora o bidé?"A casa ficou,após isto,conhecida como "a casa do bidé".

Quase ao fim da rua existia a Fonte da Caraça,designação para mim incompreensível pois nada lá havia que justificasse o nome.Localizava-se numa cota bastante inferior à rua e o acesso fazia-se através de escada de longos degraus.A fonte,própriamente dita,era bonita,toda em azulejos policromados,mas o local estava sempre conspurcado.As pessoas lançavam de cima toda a qualidade de lixo e,como era habitual naquele tempo,por falta de instalações sanitárias,muita gente aproveitava o facto de ser um sítio recatado e utilizavam-no como retrete pública.Aliás,não era apenas a Fonte da Caraça que servia de sentina.O Penedo,local ermo e sem iluminação,era por excelência o sítio mais apetecido.

Quando construíram as instalações da Casa do Povo,a fonte foi tapada.Mas nessa altura retiraram de lá os bonitos azulejos que hoje estarão a decorar algum jardim particular.

Um pouco mais abaixo,junto ao actual acesso ao Quartel da GNR,era a Auto-Mecânica de Condeixa,um estabelecimento polivalente com estação de serviço,lavagem de viaturas,venda e mudança de pneus,oficina de automóveis,secção de pintura e bombas de abastecimento de combustíveis.Edificada no início da década de 1950,era bastante moderna para a época.

Mais além,aquela que deu nome popular à rua,a Faia,uma frondosa árvore bem no entroncamento de três vias importantes,a Estrada Nacional nº1,a estrada para Soure e a estrada para Alfarelos.

O nome derivava do facto de ali ter existido uma grande árvore desta espécie.No entanto,aquela que chegou aos nossos dias,mesmo centenária,não era faia.Podemos talvez situá-la na família dos plátanos.A Faia,apesar de ser considerada árvore de interesse público por decreto de 6 de Fevereiro de 1942,foi abatida por motivo das obras que se operaram com a abertura da estrada para Tomar.

Para finalizar a descrição da Rua Pricipal,resta falar no Faia-Bar,mais conhecido por Café do Arranhado.Era propriedade de Joaquim Pocinho(Quim Arranhado).O pai,Joaquim Duarte Pocinho,era um excelente serralheiro de ferro forjado e esteve longos anos emigrado na Venezuela.

Terminou esta viagem no tempo pela Rua Principal.Porque se trata da maior artéria da vila,tive alguma dificuldade em retirar da memória factos e pessoas duma época já tão distante.Quando refiro factos históricos,baseio-me em informação que devidamente referi.Porém essa fonte é a mais fácil de obter,porque está ao dispor de quem a queira procurar.A outra,a estória de pessoas e factos ocorridos com elas é,no fundo,a que mais me incentivou a escrever estas crónicas.Porque afinal,a memória de um local está na vivência dos seus habitantes,num determinado momento da vida.Evidentemente,muitas coisas ficaram por contar.Das referidas,uma ou outra será susceptível de contestação.Naturalmente,terei de assumir a respectiva responsabilidade e as criticas adjacentes.

Condeixa,ano de 2007 Cândido Pereira