sexta-feira, 27 de novembro de 2009

CONDEIXA E AS INVASÕES FRANCESAS

Assinala-se na década que está a decorrer,o 2º Centenário das Invasões Francesas.

O país inteiro sofreu a infeliz estratégia de uma monarquia que, apressadamente,abalou para o Brasil,levando atrás de si toda a medrosa corte aristocrática,alegando altos interesses de Estado e abandonando assim a Pátria às mãos ávidas de franceses e espanhóis.



Evidentemente, não vou aqui dissecar as razões das atitudes então tomadas.Careço de capacidade intelectual para o fazer.Estas considerações servem apenas de intróito ao tema que seguidamente apresento.



Condeixa,por estar localizada no eixo rodoviário Lisboa-Porto,foi uma das mais martirizadas terras,tanto pelos exércitos de Napoleão,como pelos dos seus opositores,as tropas anglo-lusas que por cá estiveram aboletadas,com o respectivo prejuízo causado à população.Mas foram as tropas de Massena quem mais destruiu Condeixa,tanto na retirada após a batalha do Buçaco,como posteriormente na fuga,depois de destroçadas nas linhas de Torres.



Da sua passagem pela vila nos dá conta a parceria Fernado Rebelo e Isaac Pinto,num conjunto de cadernos intitulados "Subsídios para a história de Condeixa",editados em 1953. É o conteudo de um desses cadernos que passo a transcrever,com a devida vénia aos autores:






"O Palácio também foi incendiado pelos franceses"






"Na Enciclopédia Histórica de Portugal,de Duarte de Almeida,lêem-se no volume 5º,pág.38,as seguintes frases:



«Condeixa-a-Nova foi uma das terras que mais sofreram com a Guerra Peninsular.Em 1811,as tropas de Massena saquearam-na em grande parte,sendo incendiados mais de 40 edifícios,incluindo a Igreja Matriz. Entre as casas que escaparam à devastação,contava-se o palácio do desembargador Manuel Pereira Ramos,exclusão que deu muito que falar ao povo.»



É bem visivel a suspeita que outros autores confirmam,mantendo-se assim,uma ideia que parece não corresponder à verdade.



No intuito de tentar esclarecer um equívoco que lançou a nódoa do falso patriotismo sobre a familia dos Lemos, ainda hoje respeitada em Condeixa,transcrevemos uma carta dirigida pelo referido desembargador Manuel Pereira Ramos,a seu tio Bispo Conde de Coimbra,em 23 de Março de 1811,cujo original está em poder do senhor Álvaro Pedro Augusto,residente em Condeixa-a-Nova.(nota:actualmente,a sua filha e única herdeira,possui um valioso espólio,onde se encontra também esta carta.É imperioso que a Câmara de Condeixa procure adquirir esse verdadeiro tesouro,onde está patente muita da história da vila!)

Il.mo e Ex.mo Snr.Bispo Conde


Meu amado Tio e Snr.do Coração


Infelizmente para mim,de tantas cartas que a V.Exª tenho escrito,ainda não recebi resposta alguma de V.Exª,o que me enche de grande mágua e desconsolação por ver que V.Exª ainda não acha tempo de me perdoar o passado restituindo-me a sua graça apesar dos perdões e protestos que tenho feito;e apenas uma carta do padre Vicente!

Agora que se acha restituido o correio da terra à antiga carreira,sendo hoje o primeiro dia que daqui sai,não quero deixar de procurar novamente notícias de V.Ex.ª estimando se ache de todo restabelecido do cansaço da jornada e passando sem novidade maior na sua saúde.Eu por algum tempo estive em grande cuidado a respeito de V.Exª mesmo por notícias vindas dessa terra logo depois da sua chegada a ela,pois ouvia que o turbulento povo dessa cidade não tratava V.Exª senão pelo Bispo Jacobino,porém logo depois as mesmas notícias me sossegaram pois anunciavam que em consequência das muitas esmolas que V.Exª dava,mudaram logo para lhe chamarem Bispo Santo.Igualmente me deu cuidado o fazerem-me perguntas avulsas algumas pessoas que tinham relações com os senhores do Governo dando a entender-me que V.Exª se não tinha dirigido de prontidão a eles,mas tambem as mesmas me anunciaram depois o tê-lo V.Exª feito e estar bem visto com os ditos Senhores.

A respeito da retirada do Exército Francês nada digo a V.Exª porque agora mais brevemente nessa cidade terá tido V.Exª notícia dele do que eu;somente digo que esta retirada lhe tem sido mais violenta que uma batalha campal em que seguramente não perdiam tanto.No Alentejo,há dias que estão batendo Campo Maior com poucas forças e esperamos todos os dias seja corrido pelo nosso Exército do Alentejo que comandado por Beresford se não acha mais que sete léguas distante da Praça.Deus permita que assim aconteça e que a demora de socorro não faça com que a Praça se entregue,pois conta ter pequena gurnição e só de milicianos.

Os inimigos na sua retirada foram deitando fogo a todas as povoações por onde passaram sendo Condeixa a terra que sofreu mais e as primeiras notícias que correram era de que totalmente tinha ficado queimada;porém felizmente escapou a minha casa e duas ou três moradas próximas e fronteiras e a Casa do Almada;o resto da terra,inclusa a Casa dos Sás e a Igreja,tudo ficou em ruínas.

Eu perdi muito porque grande parte das casas da rua Nova,Praça e rua do Cabo, me pagavam foros e rendas.No palácio,chegaram a deitar fogo,mas não pegou por milagre da Senhora da Piedade que a defendeu,pois que foi a única com que não entenderam e ficou no seu trono,presenciando esbandalharem o altar,abrirem o carneiro e todos os mais Santos e Imagens das mais capelas foram deitados por terra e feitos em bocados.Queimaram-se muitos toneis e pipas e deitaram abaixo os muros de prumo para meterem dentro cavalaria, a aproveitar uma pouca de cevada que havia semeado nele;destruiram-me o lagar da estrada Nova e alguns olivais.

Portanto,não fui mal convidado,e não tem lugar o que dizem certos malévolos aqui,que escapou a minha casa por pertencer a um sobrinho de V.Exª;porém eu tenho feito ver a carta que de lá tive,em que me comunicam tudo quanto acima se refere.Já partiu o padre José António para lá,a continuar na administração daquela infeliz Casa,que ainda este ano ou nada rende, por terem os rendeiros largado as terras e não haver meios de cuidar de todas por falta de bois e sementes.

Portanto,terei de continuar a padecer as misérias que a V.Exª tenho comunicado,pedindo socorro pequeno ou grande,que em tudo me faria uma grande esmola,porém não fui atendido e agora não sei o que será de mim,porque o primo Bispo de Elvas que até agora muito me ajudava,com o cerco de Campo Maior perdeu grande parte das suas rendas e não tem já com que possa acudir-nos.Se não fosse ele,confesso a V.Exª,que não seria de nós!Minha Mulher que vai em 5º mês da sua gravidação,pede a V.Exª a sua benção e desejava muito,assim como eu,que V.Exª em tempo competente seja Padrinho do que houver de nascer,tendo sido nosso primo Bispo de Elvas,das suas primeiras meninas,e deste último agora os Marqueses de Belas.O meu pequeno tem estado muito doente com um catarral,mas vai melhor.

Compadeça-se V.Exª de mim,socorrendo-me com o que lhe parecer,não podendo actualmente fazer esmola maior e lançando-me a sua benção.

Lisboa,23 de Março de 1811

De V.Exª,sobrinho muito obediente

Manuel

" A carta transcrita,parece não deixar dúvidas,quanto ao incêndio do Palácio pelas tropas napoleónicas e,a reforçar esta ideia,escreve-nos (20/7/1955) uma bisneta do desembargador Manuel Pereira Ramos,a Ex.ma Sra. D.Margarida de Lemos Magalhães,esclarecendo que o ataque dos franceses ao Palácio de seu bisavô,foi um facto incontestável.Lembra-se perfeitamente de lá existir,há poucas dezenas de anos ainda, uma sala,das maiores da frente,a que chamavam a "sala queimada" e também a "sala dos franceses",que tinha a parede de fundo toda crivada de balas e sinais de incêndio nos madeiramentos interiores das sacadas.Diz a mesma senhora que não sabe por que motivo,tantos anos decorridos,estava aquela sala ainda por restaurar,lembrando-se perfeitamente do mêdo que sentia,quando criança,ao entrar naquela vasta sala,queimada,sem mobilia,sempre fechada à chave,onde se guardavam quadros,loiças para consertar e outros objectos que se estendiam pelo chão.
Resta explicar a razão que originou a ideia,tão arreigada ainda,de que a família Lemos estaria afecta aos invasores franceses.

Respigamos da História de Portugal,de Fortunato de Almeida,a seguinte referência:

«Em Fevereiro de 1808,determinou Junot,enviar uma deputação portuguesa a Napoleão.O verdadeiro fim que ele se propunha,era escolher um certo número de pessoas notáveis,para em França ficarem retidas como reféns;mas coloriu-se a violência com o pretexto de que,a deputação ia pedir ao Imperador,a diminuição da contribuição de guerra e a liberdade dos prisioneiros portugueses.Esta alegação era um embuste.»

Continua