quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-A RUA PRINCIPAL

continuação



Em frente há dois grandes edifícios.Em um deles estiveram instalados os serviços de Tesouraria da Fazenda Pública e a Repartição de Finanças.No outro,a Estação de Correios.
Esta última casa(actualmente, firma Coelho e Viais),foi também sede do Clube de Condeixa.No vasto salão,tinham lugar os jogos de bilhar livre,ping-pong e jogos de cartas ou dominó.
Quando se realizavam bailes,o que era frequente,as mesas eram retiradas e sobre o bilhar colocava-se um estrado que servia de palanque à orquestra.No pequeno compartimento sob as escadas estava instalada a aparelhagem sonora que,na falta de orquestra animava(e de que forma!)os bailes.Era constituída por um amplificador de som,um gira-discos de agulha e um microfone.Os discos de 33-45 ou 78 rotações,forneciam a necessária música.
O operador deste aparato era eu e muitas vezes punha o disco a tocar e saltava para a pista de baile para dançar.Certa vez ,para animar a sessão,promovi uma prova de resistência na qual o par vencedor seria o que mais tempo aguentasse a dançar.Quando a agulha chegava ao fim do disco,num movimento rápido colocava-a no início e assim sucessivamente,até que deixou de haver agulha.E disco,claro!
o 1ºandar estavam localizadas as salas de jogos de cartas,gabinte da direcção e biblioteca.Esta era formada por cerca de 600 volumes,adquiridos através de uma comissão organizada para o efeito.A aceitação do evento colheu rápidos resultados.
A biblioteca do Clube teve uma função meritória na formação cultural de alguns jovens de Condeixa,Num tempo de dificuldades financeiras,comprar livros constituía um luxo(ainda constitui,apesar de terem passado 60 anos!),quando outras necessidades mais prementes se sobrepunham ao alimento do espírito.
Esta,resumidamente,era a vivência do Clube de Condeixa naquele local e nessa época.
Ao lado do Clube,era a latoaria de Hermenegildo Pinho de Carvalho.Hoje chamar-se-ia Micro Unidade de Produção Artesanal,pois ali se fabricavam os mais variados utensílios de folha de flandres.
A partir de uma simples lâmina e apenas com o recurso a ferramentas vulgares habilidosamente manuseadas,surgiam tachos,panelas,almotolias,cântaros para a água,os mais diversos objectos indispensáveis à vida quotidiana desse tempo.
Na proximidade do dia de finados,a produção destinava-se à pia homenagem aos mortos queridos.
Simples candeias com pouca lata e muito vidro ou artísticas lanternas de folhas lavradas e ramos retorcidos e entrelaçados.Verdadeiras obras de arte!As mãos que produziam tão úteis e admiráveis peças,eram do próprio Hermenegildo Carvalho,de seu filho Alberto e de seu sobrinho Vital Preces.
Do outro lado da rua e pegada a uma barbearia,era a casa da Carmo Macia.Viúva ainda nova e com um filho para criar,tinha uma pequena mercearia de pouca freguesia,que ainda por cima utilizava o sistema:"aponte aí,que eu depois pago..."Quando pagava! Por tudo isto,a Carmo Macia era uma mulher brusca,de feitio azedo.Um dia,andava ela a varrer a loja, quando entrou pela porta um desses caixeiros-viajantes aperaltados.Pensando estar a falar com uma criada,perguntou pelo senhor Macio.Ora este não era o verdadeiro apelido,mas sim alcunha,da qual ela pouco gostava.Assim,respondeu furiosa:"O senhor Macio,está na raiz da puta que o pariu!"
Depois,um espaço formado pela junção de três ruas,o antigo Largo António Granjo que tem na casa do Rui da Costa(actualmente é de sua filha),mais um dos Passos do percurso da Procissão,encimado por lindo painel de azulejos com a data de1752 inscrita no cume.
Não se conhece a origem da Procissão dos Passos.Sabe-se apenas que em 1682,D.Lourenço Vaz de Almada,José Rodrigues Ramalho e Francisco Moniz Maginário,assinaram o Compromisso da Confraria das Almas,mas só em 1885 esta se passou a chamar Confraria das Almas e Senhor dos Passos.No entanto,pela data inserida nos azulejos,não há qualquer razão para duvidar:a Procissão realizava-se já,pelo menos,nesse recuado tempo!



Com o Largo António Granjo,termina a Rua de Lopo Vaz.


A casa que agora ostenta a placa com o nome da Rua 25 de Abril,foi em tempos a habitação e estabelecimento de barbearia de António de Oliveira(António do Zé Velho),patriarca da família Oliveira,tão importante no panorama cultural da vila.António de Oliveira foi,além de excelente profissional,um profícuo compositor musical popular.As suas músicas eram executadas por diversos conjuntos folclóricos e andavam na boca de toda a gente.Ainda hoje essas belas melodias são escutadas com muito agrado.
Com seus filhos Ramiro e Saúl,o primeiro com a faculdade também da composição poética,formou um trio responsável pelas mais belas canções,algumas delas difundidas através das revistas populares condeixenses de meados do século XX.
A barbearia era a mais conceituada de Condeixa.A maior parte dos profissionais,na vila ou mesmo de fora,passou como aprendiz da Barbearia Progresso.
Recordo um episódio passado neste estabelecimento.Uma das formas de tratar do cabelo,quando este não era suficientemente comprido para justificar um corte maior,consistia em "dar um caldo",ou seja,aparar apenas na nuca e sobre as orelhas.O preço,além disso,era inferior ao corte mais radical.A "aparadela",motivou o equívoco.Um dia,sentou-se na cadeira um freguês que desconhecia o termo.Quando mestre António ,depois de lhe fazer a barba,perguntou se queria "um caldinho",ele respondeu:" Muito obrigado,acabei agora de almoçar".
Por cima da barbearia,esteve instalada a primeira sede do Clube de Condeixa.
Nesse tempo era uma colectividade elitista,só admitindo como sócios determinadas figuras gradas da terra.Mais tarde,o Clube passou para o outro lado da rua,para o prédio chamado"do Coronel Monteiro"(um belo edifício,demolido e dando lugar a uma vulgar imitação).
Com a nova localização,abriu-se colectividade à democrática inscrição de associados..
A actividade social colectiva estava nesse tempo confinada à Casa do Povo,que nesse tempo era na Feira das Galinhas(Largo Artur Barreto) e possuía apenas uma sala onde se jogava pig-pong, jogos de damas e se lia a Flama e o Amigo do Povo,jornais do regíme então vigente.
Era portanto insuficiente a oferta de locais de lazer para a juventude.
O Clube,no prédio do Coronel Monteiro,veio colmatar essa falta.Vasto,nos seus dois andares e águas-furtadas,possuía condições sofrívelmente aceitáveis para a prática de algumas actividades.Recordo dessa altura a realização de um Ciclo de Cinema e Exposição Fotográfica.Foi também a partir dessa data que se construiu o primeiro campo de futebol,na Quinta dos Silvais,mesmo ao lado do actual.Para além disso,a sede oferecia aos sócios as habituais diversões de jogos.As cartas,para os sócios adultos,já com certa estabilização económica,tinham uma sala no 2ºandar,mas os jovens utilizavam o pequeno compartimento da trapeira,que transformaram numa espécie de casino,com jogos a dinheiro.O montante das mesas nunca suportava grandes quantias,mas apesar disso já constituía algo de monta para as nossas fracas capacidades financeiras.
O prédio descrito,foi mais tarde adaptado a pensão residencial,chamada Pensão Lapa.Também no rés-do-chão esteve instalado o talho de Manuel Claro.
Em frente,era a casa de Adelino Guiné,com estabelecimento de padaria e respectivo forno.
O filho,Adelino também,com uma profissão deveras esgotante,enquanto a massa levedava e o forno aquecia,aproveitava o breve momento de descanso para fazer "uma perninha" no nosso casino.Muitas vezes o acompanhei depois até à padaria para lhe fazer companhia ou eventualmente prestar alguma ajuda.A paga consistia em poder comer aquele delicioso pão acabadinho de sair do forno.
Apesar de passar a noite a trabalhar,o Adelino de manhã pegava na "pasteleira",uma pesada bicicleta com um cesto de verga de cada lado do suporte e ia dar a volta,na venda do pão.Isso exigia um esforço extraordinário,mas ele,embora baixo,era bem constituído e musculado.A sua capacidade física permitia que realizasse corridas de bicicleta onde os opositores eram sempre vencidos.Foi por esse motivo convidado a integrar a equipa do Clube Académico do Porto,uma colectividade dedicada ao ciclismo e detentora de vários prémios na Volta a Portugal.Não foi porém longa a sua carreira.Pouco tempo depois partiu para a Venezuela como emigrante e lá se radicou.
Do mesmo lado da rua e um pouco mais abaixo,num prédio onde agora existe uma ourivesaria,era a loja da Julinha Pires que fazia uns deliciosos rebuçados de mel.
No tempo da 2ª Grande Guerra, não havia açucar por causa do "racionamento" imposto pela escassez de bens de consumo.Então,para adoçar o café ou o leite,comprava-se esses rebuçados que obtinham quase o mesmo efeito.Pelo menos eram muito mais saudáveis.
O proprietário da casa contígua,era o Zé Bacalhau(José Júlio Bacalhau).Tinha no estreito rés-do-chão um estabelecimento de mercearia e vinhos.O filho deste comerciante,Júlio da Costa Bacalhau,contou-me uma história que,a par de tantas outras,retrata os tempos difíceis que então se viviam.
Condeixa,sendo trajecto obrigatório do trânsito Lisboa-Porto,por cá passavam camionetas de mercadorias de empresas especializadas em transportes.Passavam e paravam,para os tripulantes tomarem as refeições.Quase sempre nos Antónios ou no Zé David,mas também no Zé Bacalhau.
Essas camionetas tinham normalmente duas pessoas,o condutor e o ajudante.O primeiro,dada a função que exercia,ganhava mais que o ajudante,talvez até o dobro.Quando vinham do Porto,o motorista comprava sempre na Mealhada um pouco de leitão e o seu parceiro pedia que lhe dessem algum molho e trazia-o num frasco.Quando paravam para almoçar no Zé Bacalhau,enquanto o motorista colocava a sua dose de leitão num pão e comia,acompanhando com um bom tinto,o ajudante pedia à esposa do lojista para lhe aquecer o molho e vertia-o sobre o pão.Era a refeição que a sua parca capacidade monetária permitia!

Dois ou três prédios adiante,termina a Rua 25 de Abril.
continua