Condeixa,na sua multissecular existência e apesar das lacunas comuns a tantas outras terras do País,ainda tem no entanto possibilidade de estudar algo da sua ancestralidade através de documentação dispersa,existente principalmente na Torre do Tombo e no Mosteiro do Lorvão.
Os estudiosos podem nesses locais procurar informação útil ao seu trabalho.Isso é História,baseada em criterioso trabalho de pesquisa documental,que personifica a estrutura cultural de um povo.
A vila possui uma única monografia,da autoria do Capitão Augusto dos Santos Conceição,ilustre figueirense que a Condeixa dedicou grande parte da sua vida,mas a quem Condeixa ainda não foi capaz de prestar a justa homenagem.
Em 1947,Santos Conceição editou um volume monográfico intitulado"Condeixa-a-Nova".Mais tarde,já após o falecimento deste historiador,José Maria Gaspar, Inspector Escolar e antigo Presidente da Câmara,lançou uma segunda edição da mesma monografia,com alterações cronológicas e de actualização.
Paralelamente à pesquisa histórica,relativamente importantes são os relatos alicerçados em exercícios de memória,quer dos autores dos mesmos,quer a partir do testemunho de pessoas que viveram factos dignos de registo.
Em 1953, uma parceria formada pelo livreiro e estudioso da história local, Isaac Pinto, e Fernando Rebelo,veterinário municipal e autarca, editou também um conjunto de cadernos intitulado"Subsídios para a história de Condeixa".
Curiosamente,o primeiro fascículo era dedicado ao teatro amador condeixense,desde 1814,data da primeira apresentação nesta vila que só em 1853 viria a alcançar o estatuto de sede do Concelho.É notável a escolha do tema,sinal expresso da intenção de dar relevo ao aspecto cultural dos referidos cadernos.
De posse destes dois trabalhos,pode o leitor atento compreender o percurso desta antiga povoação,hoje próspera vila de Condeixa.
Mas 1953 fica muito distante!Entretanto,muitos episódios relevantes sucederam,a vila naturalmente modificou-se,principalmente nas últimas décadas.Inclusivamente,até a própria Estrada Nacional deixou de passar bem no coração da terra e afastou-se,criando de certa forma a descentralização do burgo.
Exactamente pensando no hiato histórico do último meio século,tive a ideia de descrever a velha Condeixa do meu tempo ,relatando episódios e referindo figuras entretanto desaparecidas ou factos ainda na memória de alguns,poucos.Desta forma,os meus netos e os netos dos meus contemporâneos,terão base para contar aos seus próprios descendentes,como era a vila.
Vou começar as crónicas descrevendo a Praça.
O antigo Terreiro passou a designar-se Praça da República logo após a implantação desta e muito antes da demolição do Palácio dos Sás.Este imponente edifício do século XVII,foi incendiado pelas tropas francesas.
Em 1927 a Câmara adquiriu o semi destruído prédio,demoliu-o e alargou o Terreiro,abrindo também novas vias.
A Praça,simplesmente,como era designada,foi sempre o lugar mais importante da vila.Mesmo quando não passava de acanhado local,lá se realizava o mercado bissemanal,só extinto na década de 1980 e transferido para o Quintalão.
As grandes tílias mandadas plantar pelo Presidente Dr.Madeira Lopes em 1953,enquadravam magníficamente um vasto espaço que a "cama" do Rio do Cais,com a sua "cabeceira" de azulejos policromados, os jardins circulares e o agradável odor das árvores em flor,formavam um conjunto agradável para passeio nas amenas noites de verão.
A Praça era a sala de visitas de Condeixa.
Noutro tempo,em frente à residência do Professor Mateus(hoje Restaurante Madeira),havia um largo ao qual vinham dar duas ruas nascidas da foz da Avenida.Formavam um triângulo,pequena praceta que em 1947 foi aproveitada para a instalação de um Parque Infantil.Todo murado,tinha os apetrechos necessários à sua função e,facto curioso para a época,possuía uma pequena biblioteca.A pessoa encarregado do bom funcionamento do parque era a "menina Otília".Após longos anos de utilização,o progressivo processo de degradação levou a que o parque fosse desactivado.As alterações da arquitectura da Praça,acabaram inclusivamente com o local onde estava instalado.
Aos domingos a Praça assumia a sua verdadeira função de centro cívico da vila.
Pelos bancos sentavam-se famílias trocando entre si as últimas novidades e mexericos.Senhores circunspectos palmilhavam cadenciadamente a Praça de lés a lés,discutindo "assuntos de relevante interesse".E os miúdos corriam por entre todos,pontapeando a "bola" de trapos.De vez em quando,o achatado objecto colidia com as pernas dos presentes e lá vinha o chorrilho de imprecações.Então,se as canelas eram do velho Abel Batata,as pragas tinham conotação mais sinistra:"Antigamente ainda vinham umas febres que davam cabo desta canalhada toda!"
Também no atrás referido largo se jogava à bola,sempre com atenção à aparição da autoridade,avessa às brincadeiras das crianças.Quando não era a intromissão de certo zeloso funcionário camarário,inimigo figadal de futebol na via pública.
Um dia,jogava-se com uma bola de borracha,raríssimo luxo só alcançado quando algum "menino rico"se juntava à plebe.No momento em que o esférico saiu do controle dos improvisados futebolistas,surgiu da Rua Direita o "tal" camarário.Pegou na bola,retirou do bolso um canivete e,com requintes de malvadez,cortou-a em gomos,como se estivesse a descascar uma laranja,alheio aos protestos veementes da garotada que assim via terminar tão aguerrido desafio.
Bem no meio da Praça,ladeado por altos candeeiros de ferro fundido,erguia-se o Chafariz.Dizia-se que era a representação de um cesto de flores,referência ao brasão da vila.Ideia errada porque vários outros existiam exactamente iguais,como o de Castanheira de Pera, e cesto de flores,apenas o emblema da vila de Condeixa possui.
Actualmente o chafariz está localizado noutro local da Praça.Quando no sitio original,embora estorvando os jogos de bola,tinha a virtude de servir de local de convívio para a "malta",tão carente de sitio mais apropriado.
A abrir as portas da Avenida,existiam dois belos edifícios.Um deles foi demolido para dar lugar a um Banco,mas o outro continua como simbolo representativo da arquitectura da primeira metade do século XX.
Já a fechar a Praça,o corpo lateral da Igreja Matriz,dedicada a Santa Cristina,padroeira de Condeixa.
Esta era a Praça do meu tempo.Hoje está em processo de radical alteração.É uma página que se volta nesta Condeixa sempre em processo de descaracterização!