quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-A RUA PRINCIPAL

continuação



Em frente há dois grandes edifícios.Em um deles estiveram instalados os serviços de Tesouraria da Fazenda Pública e a Repartição de Finanças.No outro,a Estação de Correios.
Esta última casa(actualmente, firma Coelho e Viais),foi também sede do Clube de Condeixa.No vasto salão,tinham lugar os jogos de bilhar livre,ping-pong e jogos de cartas ou dominó.
Quando se realizavam bailes,o que era frequente,as mesas eram retiradas e sobre o bilhar colocava-se um estrado que servia de palanque à orquestra.No pequeno compartimento sob as escadas estava instalada a aparelhagem sonora que,na falta de orquestra animava(e de que forma!)os bailes.Era constituída por um amplificador de som,um gira-discos de agulha e um microfone.Os discos de 33-45 ou 78 rotações,forneciam a necessária música.
O operador deste aparato era eu e muitas vezes punha o disco a tocar e saltava para a pista de baile para dançar.Certa vez ,para animar a sessão,promovi uma prova de resistência na qual o par vencedor seria o que mais tempo aguentasse a dançar.Quando a agulha chegava ao fim do disco,num movimento rápido colocava-a no início e assim sucessivamente,até que deixou de haver agulha.E disco,claro!
o 1ºandar estavam localizadas as salas de jogos de cartas,gabinte da direcção e biblioteca.Esta era formada por cerca de 600 volumes,adquiridos através de uma comissão organizada para o efeito.A aceitação do evento colheu rápidos resultados.
A biblioteca do Clube teve uma função meritória na formação cultural de alguns jovens de Condeixa,Num tempo de dificuldades financeiras,comprar livros constituía um luxo(ainda constitui,apesar de terem passado 60 anos!),quando outras necessidades mais prementes se sobrepunham ao alimento do espírito.
Esta,resumidamente,era a vivência do Clube de Condeixa naquele local e nessa época.
Ao lado do Clube,era a latoaria de Hermenegildo Pinho de Carvalho.Hoje chamar-se-ia Micro Unidade de Produção Artesanal,pois ali se fabricavam os mais variados utensílios de folha de flandres.
A partir de uma simples lâmina e apenas com o recurso a ferramentas vulgares habilidosamente manuseadas,surgiam tachos,panelas,almotolias,cântaros para a água,os mais diversos objectos indispensáveis à vida quotidiana desse tempo.
Na proximidade do dia de finados,a produção destinava-se à pia homenagem aos mortos queridos.
Simples candeias com pouca lata e muito vidro ou artísticas lanternas de folhas lavradas e ramos retorcidos e entrelaçados.Verdadeiras obras de arte!As mãos que produziam tão úteis e admiráveis peças,eram do próprio Hermenegildo Carvalho,de seu filho Alberto e de seu sobrinho Vital Preces.
Do outro lado da rua e pegada a uma barbearia,era a casa da Carmo Macia.Viúva ainda nova e com um filho para criar,tinha uma pequena mercearia de pouca freguesia,que ainda por cima utilizava o sistema:"aponte aí,que eu depois pago..."Quando pagava! Por tudo isto,a Carmo Macia era uma mulher brusca,de feitio azedo.Um dia,andava ela a varrer a loja, quando entrou pela porta um desses caixeiros-viajantes aperaltados.Pensando estar a falar com uma criada,perguntou pelo senhor Macio.Ora este não era o verdadeiro apelido,mas sim alcunha,da qual ela pouco gostava.Assim,respondeu furiosa:"O senhor Macio,está na raiz da puta que o pariu!"
Depois,um espaço formado pela junção de três ruas,o antigo Largo António Granjo que tem na casa do Rui da Costa(actualmente é de sua filha),mais um dos Passos do percurso da Procissão,encimado por lindo painel de azulejos com a data de1752 inscrita no cume.
Não se conhece a origem da Procissão dos Passos.Sabe-se apenas que em 1682,D.Lourenço Vaz de Almada,José Rodrigues Ramalho e Francisco Moniz Maginário,assinaram o Compromisso da Confraria das Almas,mas só em 1885 esta se passou a chamar Confraria das Almas e Senhor dos Passos.No entanto,pela data inserida nos azulejos,não há qualquer razão para duvidar:a Procissão realizava-se já,pelo menos,nesse recuado tempo!



Com o Largo António Granjo,termina a Rua de Lopo Vaz.


A casa que agora ostenta a placa com o nome da Rua 25 de Abril,foi em tempos a habitação e estabelecimento de barbearia de António de Oliveira(António do Zé Velho),patriarca da família Oliveira,tão importante no panorama cultural da vila.António de Oliveira foi,além de excelente profissional,um profícuo compositor musical popular.As suas músicas eram executadas por diversos conjuntos folclóricos e andavam na boca de toda a gente.Ainda hoje essas belas melodias são escutadas com muito agrado.
Com seus filhos Ramiro e Saúl,o primeiro com a faculdade também da composição poética,formou um trio responsável pelas mais belas canções,algumas delas difundidas através das revistas populares condeixenses de meados do século XX.
A barbearia era a mais conceituada de Condeixa.A maior parte dos profissionais,na vila ou mesmo de fora,passou como aprendiz da Barbearia Progresso.
Recordo um episódio passado neste estabelecimento.Uma das formas de tratar do cabelo,quando este não era suficientemente comprido para justificar um corte maior,consistia em "dar um caldo",ou seja,aparar apenas na nuca e sobre as orelhas.O preço,além disso,era inferior ao corte mais radical.A "aparadela",motivou o equívoco.Um dia,sentou-se na cadeira um freguês que desconhecia o termo.Quando mestre António ,depois de lhe fazer a barba,perguntou se queria "um caldinho",ele respondeu:" Muito obrigado,acabei agora de almoçar".
Por cima da barbearia,esteve instalada a primeira sede do Clube de Condeixa.
Nesse tempo era uma colectividade elitista,só admitindo como sócios determinadas figuras gradas da terra.Mais tarde,o Clube passou para o outro lado da rua,para o prédio chamado"do Coronel Monteiro"(um belo edifício,demolido e dando lugar a uma vulgar imitação).
Com a nova localização,abriu-se colectividade à democrática inscrição de associados..
A actividade social colectiva estava nesse tempo confinada à Casa do Povo,que nesse tempo era na Feira das Galinhas(Largo Artur Barreto) e possuía apenas uma sala onde se jogava pig-pong, jogos de damas e se lia a Flama e o Amigo do Povo,jornais do regíme então vigente.
Era portanto insuficiente a oferta de locais de lazer para a juventude.
O Clube,no prédio do Coronel Monteiro,veio colmatar essa falta.Vasto,nos seus dois andares e águas-furtadas,possuía condições sofrívelmente aceitáveis para a prática de algumas actividades.Recordo dessa altura a realização de um Ciclo de Cinema e Exposição Fotográfica.Foi também a partir dessa data que se construiu o primeiro campo de futebol,na Quinta dos Silvais,mesmo ao lado do actual.Para além disso,a sede oferecia aos sócios as habituais diversões de jogos.As cartas,para os sócios adultos,já com certa estabilização económica,tinham uma sala no 2ºandar,mas os jovens utilizavam o pequeno compartimento da trapeira,que transformaram numa espécie de casino,com jogos a dinheiro.O montante das mesas nunca suportava grandes quantias,mas apesar disso já constituía algo de monta para as nossas fracas capacidades financeiras.
O prédio descrito,foi mais tarde adaptado a pensão residencial,chamada Pensão Lapa.Também no rés-do-chão esteve instalado o talho de Manuel Claro.
Em frente,era a casa de Adelino Guiné,com estabelecimento de padaria e respectivo forno.
O filho,Adelino também,com uma profissão deveras esgotante,enquanto a massa levedava e o forno aquecia,aproveitava o breve momento de descanso para fazer "uma perninha" no nosso casino.Muitas vezes o acompanhei depois até à padaria para lhe fazer companhia ou eventualmente prestar alguma ajuda.A paga consistia em poder comer aquele delicioso pão acabadinho de sair do forno.
Apesar de passar a noite a trabalhar,o Adelino de manhã pegava na "pasteleira",uma pesada bicicleta com um cesto de verga de cada lado do suporte e ia dar a volta,na venda do pão.Isso exigia um esforço extraordinário,mas ele,embora baixo,era bem constituído e musculado.A sua capacidade física permitia que realizasse corridas de bicicleta onde os opositores eram sempre vencidos.Foi por esse motivo convidado a integrar a equipa do Clube Académico do Porto,uma colectividade dedicada ao ciclismo e detentora de vários prémios na Volta a Portugal.Não foi porém longa a sua carreira.Pouco tempo depois partiu para a Venezuela como emigrante e lá se radicou.
Do mesmo lado da rua e um pouco mais abaixo,num prédio onde agora existe uma ourivesaria,era a loja da Julinha Pires que fazia uns deliciosos rebuçados de mel.
No tempo da 2ª Grande Guerra, não havia açucar por causa do "racionamento" imposto pela escassez de bens de consumo.Então,para adoçar o café ou o leite,comprava-se esses rebuçados que obtinham quase o mesmo efeito.Pelo menos eram muito mais saudáveis.
O proprietário da casa contígua,era o Zé Bacalhau(José Júlio Bacalhau).Tinha no estreito rés-do-chão um estabelecimento de mercearia e vinhos.O filho deste comerciante,Júlio da Costa Bacalhau,contou-me uma história que,a par de tantas outras,retrata os tempos difíceis que então se viviam.
Condeixa,sendo trajecto obrigatório do trânsito Lisboa-Porto,por cá passavam camionetas de mercadorias de empresas especializadas em transportes.Passavam e paravam,para os tripulantes tomarem as refeições.Quase sempre nos Antónios ou no Zé David,mas também no Zé Bacalhau.
Essas camionetas tinham normalmente duas pessoas,o condutor e o ajudante.O primeiro,dada a função que exercia,ganhava mais que o ajudante,talvez até o dobro.Quando vinham do Porto,o motorista comprava sempre na Mealhada um pouco de leitão e o seu parceiro pedia que lhe dessem algum molho e trazia-o num frasco.Quando paravam para almoçar no Zé Bacalhau,enquanto o motorista colocava a sua dose de leitão num pão e comia,acompanhando com um bom tinto,o ajudante pedia à esposa do lojista para lhe aquecer o molho e vertia-o sobre o pão.Era a refeição que a sua parca capacidade monetária permitia!

Dois ou três prédios adiante,termina a Rua 25 de Abril.
continua


terça-feira, 29 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-A RUA PRINCIPAL


Em 2006 escrevi um exercício de memória(já aqui publicado),que pretendia ser o retrato de um dos mais típicos bairros da vila, no caso Condeixinha. Dei-lhe então o nome de"Estrada de Pedra",porque hoje aquela íngreme e coleante via, empedrada não sei porque peregrina ideia, perdeu a pacatez de rua interior, para adquirir a indesejada condição de estrada obrigatória para quem pretende aceder à Estrada Nacional.

Posteriormente, disse para os meus botões:"E porque não descrever outros bairros, outros lugares, exercícios que, reunidos, formassem um todo intitulado- «Lugares da minha terra»?

Pesava no entanto o reconhecimento de quão difícil seria a tarefa, mormente para quem não pode arriscar-se, por falta de capacidade literária, em compridas laudas.

Entretanto, o grande incentivo do desafio era poder deixar aos meus descendentes ou a quem eventualmente venha a ler estes escritos, testemunho da vila de Condeixa na primeira metade do século vinte.

No momento em que escrevo, passaram-se mais de sessenta anos sobre essa data. A maior parte das pessoas que refiro, senão a totalidade, desapareceu, e até os locais descritos estão, aqui e acolá, completamente alterados.

O Paço dos Almadas, foi demolido. A casa dos Antónios ,com o seu bonito alpendre e escada de pedra, deu lugar a um inestético bloco habitacional, em cimento .Quanto aos Borregas ,nem descendentes têm já na terra!

Dizem os entendidos que é o progresso! Será! As pessoas vivem e morrem. Ninguém pode fazer seja o que for para o evitar! Mas destruir sistematicamente locais que caracterizam uma terra, não se pode chamar progresso e sim insensibilidade, ou pior desprezo pelas raízes."Um País sem memória, é um País incapaz de compreender a sua própria história",disse José Cardoso Pires.

Já que os edifícios, as características de um lugar, a própria mística que envolvia os nossos bairros, tudo desapareceu, fique ao menos a recordação dos Tis e das Tis que, em boa verdade, creio já nem existirem!

Em Condeixa, a "Rua Principal" era simultaneamente a Estrada Nacional nº1.

Entrava pelo Paço ,junto ao Tanque do Galaitas e abandonava a vila deixando para trás a velha Faia e o Café do Arranhado, o Faia-Bar.

Embora hoje possa dizer-se que outras ruas têm estatuto idêntico, a verdade é que aquele comprido trajecto é ainda o mais apetecido em termos de comércio. E este, outrora incipiente ao inicio da rua, intensificava-se até à Feira das Galinhas (Largo Artur Barreto)e quase desaparecia Faia abaixo.

Vou começar o exercício, referindo os vários nomes da "Rua Principal".


RUA FRANCISCO DE LEMOS

Chama-se assim a antiga Rua de São João, desde o Paço até ao antigo edifício dos Paços do Concelho e o nome foi-lhe atribuído em honra a D. Francisco de Lemos Ramalho de Azeredo Coutinho, primeiro Presidente da Câmara Municipal e sobrinho-neto do Bispo-Conde D. Francisco de Lemos, Reitor reformador da Universidade de Coimbra, que mandou restaurar e transformar em lindo palácio o velho solar da Senhora da Piedade (hoje Palácio Sotto Mayor), para nele receber condignamente o Rei D. José, convidado a vir inaugurar os Estudos Gerais. Esta visita não chegou a realizar-se e em lugar do rei veio o seu Ministro, Marquês de Pombal, amigo íntimo do Bispo. Refiro a propósito ter sido o Bispo quem fez questão de pagar as despesas de funeral do antigo Ministro, quando este, caído em desgraça, faleceu em Pombal.

RUA DE LOPO VAZ

Entre o antigo prédio da Câmara e o outrora chamado Largo António Granjo, ao fundo da Rua Venceslau Martins de Carvalho (Rua Nova), o curto trajecto tem o nome de um ministro da Rainha D. Maria II, que almejou para Condeixa a categoria de sede de Comarca Judicial.

RUA DA REGENERAÇÃO/ RUA 25 DE ABRIL

O espaço que vai desde o final da rua anterior até à Praça, já teve várias designações.

No tempo em que a Estrada Real entrava pelo Cigano(por detrás da Casa do Povo),corria marginando o lado esquerdo do Caldeirão,surgia no Canto,em frente à Igreja,passava no Terreiro pelo Palácio dos Sás,percorria a estreita Rua Direita(Rua Dr.Fortunato de Carvalho Bandeira)e seguia para os Silvais,rumo a Coimbra,aquele trajecto,muito estreito,chamava-se Rua dos Fornos por ali existirem alguns desses locais comunitários onde o povo cozia a brôa.Mais tarde,já com a via alargada e melhorada,o trânsito passou a processar-se por lá e recebeu o nome de Rua da Regeneração,atribuição feita pelo presidente D.Francisco de Lemos,para honrar o seu Partido Regenerador.E com este nome ficou até outro presidente,desta vez do Estado Novo,alterar a designação para,como não podia deixar de ser,Rua Dr.Oliveira Salazar.Logo após a Revolução dos Cravos,foi-lhe atribuido o nome que ainda hoje ostenta:Rua 25 de Abril.

PRAÇA

Desde a cortada para Condeixinha e até à Igreja,a rua não tem um nome específico.Chama-se apenas "A Praça".
LARGO RODRIGO DA FONSECA MAGALHÃES

O Adro da Igreja,antigamente chamado também Largo do Conde,tem o nome de um ilustre filho de Condeixa.Rodrigo da Fonseca Magalhães,nasceu em 1788(na casa que pertence ao Dr.José Dias Ferreira,onde está instalada uma loja de ferragens,em frente à Igreja).Enquanto estudante pertenceu ao Batalhão Académico que combateu as tropas invasoras de Napoleão.Já no reinado de D.Maria II,foi presidente do Ministério e Conselheiro de Estado.Dos muitos serviços prestados à terra que o viu nascer,destacam-se a restauração do Concelho de Condeixa e o traçado definitivo da Estrada Nacional Lisboa-Porto.O Partido Regenerador,organizado em 1851,teve-o como primeiro presidente.Também Lisboa prestou homenagem a esta insigne figura,atribuindo o seu nome a uma das mais importantes ruas da capital.

LARGO ARTUR BARRETO

O antigo Largo da Feira das Galinhas tem o nome de um prestigiado benfeitor que legou ao Hospital D.Ana Laboreiro d'Eça importantes doações,nas quais estava incluído o Palácio dos Figueiredos da Guerra,actual edifício da Câmara.

RUA D.ELSA FRANCO SOTTO MAYOR

Finalmente,após o entroncamento com a rua que vem do Outeiro,toda aquela descida até à Faia,tem o nome de uma das mais altruístas senhoras de Condeixa,proprietária do palácio Sotto Mayor.

Este era o trajecto principal da vila.Quem viajava de norte para sul ou vice-versa,pela Estrada Nacional,tinha forçosamente de passar por dentro da vila,percorrendo as referidas ruas.

No final da década de 1950,iniciaram-se as obras do novo traçado da EN1,o desvio,que desde a Faia atravessa a Quinta das Fontainhas,Quinta do Travaz e a Varzea,seguindo para Coimbra.

Hoje Condeixa tem várias ruas de grande movimento.O Outeiro,a Palmeira,a Avenida e até a Serrada, mesmo sem tal pretenderem,têm o estatuto de estrada.Há sessenta anos,tirando o Outeiro,caminho obrigatório para o trânsito dirigido a Miranda ou Tomar,era de facto o trajecto entre o Paço e a Faia,a Rua Principal de Condeixa.

O meu propósito é retratar tão fielmente quanto for capaz,as ruas que compõem este caminho,as casas e pessoas que valha a pena referir.




O PAÇO
A entrada de Condeixa era assinalada por imenso reservatório de água,o Tanque do Galaitas,construído para movimentar a Fábrica,uma curiosa construção da época da Revolução Industrial,misto de lagar e moagem de cereais.
Durante largos anos serviu de piscina onde,além dos normais exercícios de natação,os condeixenses tomavam banho,no sentido de higiene corporal.Nesse tempo,eram raras as habitações que possuíam casa de banho ou sequer abastecimento público de água.
Aos domingos de manhã o local povoava-se de crianças e adultos,do sexo masculino (a decência imposta pela mentalidade da época,impedia meninas ou senhoras de participar naquelas divertidas e úteis práticas),devidamente apetrechados com toalha e sabão(as posses dos habituais utilizadores,não permitiam o uso do sabonete e o champô era coisa que desconheciam),para a higiene semanal.
Depois,era o Paço dos Almadas,que deu nome ao local,uma sólida construção com fachada,alas e jardim protegido por longo gradeamento de ferro fundido.
O edifício,provávelmente datado do século XVI,mas bastante alterado no decorrer do tempo,pertenceu na sua origem ao Conde de Avranches,D.Lourenço de Almada,combatente de Alcácer-Quibir,onde foi ferido e feito prisioneiro.
Era pai de D.Antão Vaz de Almada,que no dia 1º de Dezembro de 1640 aclamou D.João,Duque de Bragança,como rei de Portugal,o IV de seu nome,pondo fim a um domínio espanhol que durou 60 anos.A trama que levou a este desfecho,desenrolou-se no palácio dos Almadas,no Largo de S.Domingos,em Lisboa e que por essa razão passou a chamar-se Palácio da Independência.
Como todas as construções senhoriais da época,o Paço dos Almadas possuia capela,mas esta localizava-se fora do corpo do edifício e um pouco afastada,no largo em frente.Inicialmente era de culto a São João e durante muito tempo deu nome à rua.Mais tarde,passou a chamar-se Capela do Senhor da Agonia,pois era ali que o Senhor dos Passos ficava,quando da Procissão,de sábado para domingo.Neste dia,a imagem saía da capela e encontrava-se com o andor da Senhora da Soledade que entretanto ficava na capela da Senhora da Piedade.O Sermão do Encontro era proferido do alto da varanda do Palácio dos Lemos.Em 1940,o novo proprietário do Paço,Dr.Cândido Sotto Mayor,mandou derrubar a capela.que na altura já era considerada bem do povo e recolheu os santos no seu palácio.
O largo em frente ao Paço,onde estava a capela,tinha algumas habitações humildes.
A culminar a farta linha de água chamada "Regueira de Santo António",estava uma pirâmide artificial de estalactites a servir de pano de fundo ao "Quelhorras",curiosa estátua em pedra mostrando um soldado napoleónico(ou o próprio Napoleão?),com o tradicional chapéu de dois bicos colocado atravessado e a mão sobre o peito.A figura estava sentada sobre um enorme canhão de pedra,do qual jorrava a água que depois seguia para o Tanque do Galaitas.
O talhe da estátua era grosseiro,mostrando uma arte incipiente.Penso que tenha sido executada por algum dos muitos canteiros que existiam pela vila.
Quanto ao título,Quelhorras,há várias teorias para o justificar.Julgo ter sido atribuido espontâneamente por alguém ao ver aquele imenso falo,o canhão.Para tão descomunal sexo,seria necessário ter grandes testículos(quelhões,na gíria),que pelo tamanho,teriam de ser quelhorras.
O termo sempre foi depreciativo e as gentes da altura,afinavam quando alguém de fora lhes perguntava se o Quelhorras estava melhor.A estátua encontra-se actualmente colocada no pátio interior do Palácio Sotto Mayor.
O velho Paço dos Almadas foi demolido para no seu lugar erguerem a Pousada de Santa Cristina,apesar de uma empresa contratada pela Câmara Municipal ter indicado a necessidade de considerar o Paço e toda a sua envolvência,espaço de interesse histórico,recomendando a reconstrução do edifício!

RUA FRANCISCO DE LEMOS

No prolongamento da agora Pousada de Santa Cristina,há um longo edifício de dois pisos.Em 1947 foi adaptado para quartel da G.N.R.Era comandado por um cabo de nome Coelho e tinha apenas quatro ou cinco praças sob as suas ordens.Recordo os soldados Pimentel,Ribas,Gomes,Caldeira e Fernandes.

Em frente,a bonita fachada chã-maneirista,século XVIII,do antigo Palácio dos Lemos,hoje Palácio Sotto Mayor.

O Palácio,assim vulgarmente designado,até ao início da década de 1950 era uma das mais importantes entidades empregadoras de Condeixa.

A casa e respectiva quinta,a Quinta da Ventosa na Barreira e várias outras propriedades no concelho,necessitavam de uma verdadeira legião de trabalhadores em serviço permanente.Entre profissionais dos vários ofícios,criados e criadas,uma equipa de jardineiros,pessoal de lavoura,tudo isto gerido por um administrador e uma governante,elevava a contagem a muitas dezenas de pessoas.No entanto,todo este pessoal era insuficiente quando a proprietária,D.Elsa,promovia as suas festas,particulares ou populares. Estas últimas,realizadas no grande pátio interior,tinham um pagamento de entrada simbólico e o apuro total revertia a favor do Hospital.Desta forma,a D.Elsa divertia-se e ao povo e contribuia generosamente para a referida unidade de saúde,sustentada apenas com os donativos de benfeitores.

Recordo a última destas festas.Foi no verão de 1947,um ano antes do súbito falecimento da altruísta senhora.

Durante a montagem dos vários "Stands",alguns miúdos,entre eles eu próprio,colaboravam da forma que a pouca idade consentia.A meio da tarde íamos à copa,onde nos serviam cacau quente e pão com marmelada caseira.

Uma das atracções das festas era a roda gigante,não tão gigante assim,porque teria meia-dúzia de metros de altura.No entanto,para os nossos olhos infantis,tinha tamanho descomunal.Adorava a subida nos compartimentos móveis,mas a rápida descida provocava calafrios,com o estômago a querer chegar à garganta!

Desta festa,recordo um episódio, comum naquele tempo.A D.Elsa era madrinha de uma infinidade de gente(minha também).No Natal,reunia todos os afilhados num grande bodo seguido de distribuição de prendas.Na festa que já referi,quando ela desceu ao terreiro,formou-se grande fila de afilhados que pretendiam beijar-lhe a mão,ao que ela,magnânimamente acedia,qual Rainha condescendente!

No dia seguinte,a tarde foi preenchida com uma garraiada na qual marcou presença um jovem bandarilheiro,mais tarde grande nome do toureio,Manuel dos Santos.

O espectáculo foi ainda completado com um momento cómico proporcionado por um espontâneo que saltou para a arena. Foi retirado com as calças rasgadas de alto a baixo e a esconder "as vergonhas".


Em frente à Capela da Senhora da Piedade(capela do palácio),a estrada dos Loureiroa,actualmente chamada Rua Comandante Matoso.Antigamente existiam apenas três habitações:a casa do João Borrega,a do António Borrega e a de meus pais.
Ao início da rua,a fazer esquina,morava o João Borrega(penso que o verdadeiro apelido desta família, era Ramos).Um homem curioso.Barbeiro de profissão,exercia o seu mister num compartimento da entrada,com pouca luz e escasso mobiliario:um velho espelho,a grande cadeira de madeira com encosto para a cabeça e um pequeno móvel onde colocava os apetrechos da profissão.O banco corrido encostado à parede,completava o mobiliário.
Como artista,era medíocre e a escassez de clientes bem o atestava.Além da alcunha de Borrega,tinha ainda outra,Alemão,advinda do facto de ser fisicamente semelhante ao padrão humano que Hitler pretendia, e defender a política do sanguinário ditador.
Durante a 2ªGrande Guerra,a propaganda nazi que era profusamente distribuída em Portugal com o beneplácito do Estado Novo,ia toda parar-lhe às mãos.Penso que,ao contrário de muitos outros, perfeitamente conscientes das intenções dos prospectos,entre eles algumas figuras importantes da terra,a sua ideologia era mais influenciada pela única literatura à disposição,que por convicção política.
Tocava sofrivelmente violino e fazia sempre parte dos conjuntos musicais compostos para abrilhantar bailes ou acompanhar eventuais agrupamentos folclóricos.
Um dia realizou-se uma festa na Barreira.O pavilhão tinha,como habitualmente,um espaço destinado à "orquestra",coberto com esteiras,não fosse o relento da noite constipar os tocadores ou enferrujar os instrumentos.A determinado momento,o João Borrega enfiou o arco do violino entre as esteiras e,em vez de procurar desembaraçá-lo,continuou a tocar,provocando uma chiadeira incrível que originou a paragem do baile.
A seguir à casa do João,era de seu tio António.
Tendo casado,António Borrega cedo foi abandonado pela mulher que o deixou com três filhos pequenos para criar,com as terríveis condições que nesse tempo tinham as pessoas de baixos recursos.
Tornou-se um homem sorumbático,quase não falava,todo o dia metido na pequena oficina de ferreiro que possuía no pátio dos fundos da casa,ou então num pequeno quintal,um pouco mais abaixo junto à primeira curva e que trazia sempre primorosamente cultivado.Como profissional,a sua especialidade era dar têmpera aos picões,uma espécie de escopro para picar as mós de pedra dos moinhos.
A última casa era a moradia da minha família.O edifício pertence ainda ao Palácio e o meu pai,como seu funcionário,tinha direito contratual a habitá-lo.O início da nossa locação remontava ao ano de 1946.Fui para lá com nove anos e saí aos vinte e três,quando casei.Passei lá parte da minha infância e toda a adolescência.
Dizia-se que a casa estava assombrada,embora na altura ninguém falasse nisso para evitar perturbar as crianças.Parece que a minha mãe e os meus irmãos mais velhos ouviam de noite passos e ruídos estranhos.Pessoalmente nunca me apercebi de tal.E muitas eram as vezes que chegava a casa,altas horas da noite!Superstições!
Voltando à Rua Francisco de Lemos,duas casas depois do João Borrega,morava a Ti Albertina Boneca.Recebia hóspedes de cama,mesa e roupa lavada.Uma pequena pensão familiar.
A seguir,morou José da Costa.
Em Condeixa,quase toda a gente tinha uma alcunha,às vezes genérica,abrangendo toda a família,mas frequentemente personificando cada membro do clã.
Não é pois de estranhar que José da Costa fosse mais conhecido por Zé Barbeiro.O nome foi herdado da família e nada tinha a ver com a sua profissão.Na verdade tratava-se de um excelente mecânico de automóveis.No entanto, a confusão da alcunha com a profissão,valeu-lhe ser protagonista de um episódio curioso.
Certo dia chegou a Condeixa uma viatura com sério problema mecânico.Quando o proprietário pediu a informação de quem poderia resolver a avaria,indicaram-lhe o Zé Barbeiro.
O homem ficou apreensivo,pensando tratar-se de algum rapa-queixos com habilidade.Mas enfim,,a necessidade obriga e resignou-se a procurar a pessoa indicada.
É claro que o Zé Barbeiro,aplicando a sua reconhecida competência profissional,depressa resolveu o problema.No fim,depois de acertadas as contas pelo trabalho prestado,disse-lhe o dono do carro:"Como é que o senhor,sabendo tanto de mecânica,não deixa a profissão de barbeiro?".
Ao lado,morava quem era o claro exemplo do que há pouco disse.O António Torres utilizava o oficial apelido apenas em documentos obrigatórios.No mais,era sempre o António Capado,"da Ti Glória",para o diferençar de outros Capados que pela terra existiam.
Dos dois filhos,o mais velho tinha o mesmo nome e alcunha do pai,mas o outro,Mário,além de Capado ainda arcava com outros dois epítetos:"Quelhéu" e "Lola".
A Ti Glória,matriarca da família,apesar da humilde profissão de sardinheira e,suponho,possuir apenas a instrução primária,tinha um aceitável grau cultural,adquirido no gosto pela leitura.
Dizia-se até,na comunidade de sardinheiras a que pertencia,que ela lia o jornal quando estava sentada no penico.No penico,sim senhor!Em momentos de aperto,a única solução era utilizar esse objecto hoje em desuso,mas de primordial importância nas casas de então,onde até uma simples retrete era luxo só permitido aos ricos.
Então,se a vontade impunha,as necessidades fisiológicas vertiam-se no "vaso" e,ou despejava-se este no monte de estrume que depois ia adubar as terras,ou lançava-se o mal-cheiroso conteúdo na vala mais próxima.
A seguir,o prédio dos Antónios,de José António Júnior.Não cheguei a conhecê-lo,mas diziam ser um homem alto e forte,com aspecto marcial, apelidado de "Homem de Bronze".
Tinha três filhos e uma filha:o António,"Manco" de alcunha pelo defeito físico,o Francisco e o Manuel,"Manelão",dado o seu corpo avantajado.Da filha,Maria do Carmo,recordo apenas que era muito bonita.Morreu de parto do primeiro filho.
A grande propriedade ocupava o espaço desde a casa do Capado,virava para o Penedo atè à Capela da Senhora do Amparo e ainda ocupava razoável espaço na actual Rua Comandante Matoso.
Marcava o início do prédio um alto portão,seguido de estabelecimento de mercearia,fazendas e miudezas.
No vasto pátio franqueado pelo portão,era a taberna e a adega.Possuíam ainda os Antónios mais propriedades rústicas,mas certamente delas poucos rendimentos obtinham.
No final dos anos de quarenta ou inicio da década de cinquenta,montaram no grande quintal uma pequena unidade de manufactura de calçado, com pequena duração e pouco resultado financeiro.No entanto,essa actividade proporcionou a vinda para Condeixa de alguns bons sapateiros.
Em frente ao prédio anteriormente descrito,era a residência da família Ribeiro.
O Dr.João Ribeiro,médico e filho de um médico com o mesmo nome,era uma figura bastante popular na vila.Ainda estudante,pertencia já a organizações políticas da esquerda clandestina.Isso valeu-lhe ser detido pela Pide,polícia política do Estado Novo.Depois de formado,foi ainda outras vezes preso na cadeia de Caxias.Após uma delas,quando o libertaram,a sua chegada a Condeixa foi apoteótica,com dezenas de pessoas à sua espera,tributando-lhe uma homenagem,aliás bem merecida,pois nunca cobrou aos conterrâneos quaisquer honorários pelos serviços prestados.Mais tardee, depois do 25 de Abril de 1974,tomou algumas atitudes políticas controversas que causaram mal-estar.No entanto,quando prematuramente faleceu,o seu funeral constituiu sentida demonstração da consideração do povo.
Com as casas do Dr.Ribeiro e dos Antónios,termina a Rua Francisco de Lemos.
continua





RUA DE LOPO VAZ

No bonito prédio de fachada de azulejos onde está colocada a placa com o nome da rua,existe ainda um dos sete Passos que compunham a Via-Sacra da Procissão do Senhor dos Passos.



A seguir,estão a decorrer as obras de reconstrução do antigo e emblemático prédio onde até há poucos anos esteve instalada a Câmara Municipal.Edifício histórico,creio merecer a propósito uma breve resenha retrospectiva do percurso da autarquia.

Quando em 1839,pouco tempo após a Rainha D.MariaII ter devolvido à vila o estatuto de sede do Concelho,a vereação.presidida por D.Francisco de Lemos pretendeu realizar a primeira Assembleia Municipal,teve de utilizar a residência de Bacharel José de Azevedo Amado(pelas poucas referencias existentes,este prédio corresponde à casa da família do Dr.Ribeiro, já anteriormente referida),porque a autarquia não dispunha de sede própria.Mais tarde foi adquirido um prédio no Outeiro,pertença do Mosteiro de S.Marcos(localizado onde existe agora a casa de Evaristo Manaia e outro prédio,até ao Largo Manuel Filipe),e aí foram instalados condignamente,para a época,os Paços do Concelho.No rés-do-chão funcionava a cadeia municipal.O prédio foi demolido em 1972,para alargamento da perigosa curva de uma estrada que tinha muito movimento dirigido a Tomar.Essa a única razão,embora discutível,que pode justificar o derrube do histórico edifício.

Entretanto,na Rua Lopo Vaz existia um prédio abandonado desde a sua destruição pelas tropas de Massena e Ney.Era um palacete referenciado como tendo pertencido à Condessa de Anadia.No entanto,quando foi comprado, pertencia a uma senhora chamada D.Rosa Chaves .O estado de absoluta ruína em que se encontrava,causava mau estar aos moradores da vila e aos passageiros das diligências que ao tempo ali passavam.Foi adquirido pela Câmara que o mandou reconstruir quase de raiz.A mesma coisa aconteceu recentemente.Depois da Câmara mudar de local,o velho edifício entrou em acelerada degradação.Hoje já tem um aspecto dígno e bonito,pois toda a frontaria foi preservada,inclusivamente o frontão onde está inserido o brasão de Condeixa.

Em frente,era a loja do Zé David,misto de mercearia,taberna e casa de pasto.A esposa,uma excelente cozinheira,(já mencionada em Figuras Típicas) mantinha a casa com fama,léguas em redor,graças ao seu afamado "cabrito assado com batatinhas e grelos".

Ao lado,um prédio agora velho e degradado mas conservando ainda um resto do seu aspecto gracioso.Era propriedade de um barbeiro chamado Adolfo Leitão que emigrou para o Brasil e por lá morreu.

No início dos anos cinquenta,mandou fazer obras no prédio e instalou um café.A inauguração decorreu num sábado de Passos.Mas um estabelecimento desses,ao lado de uma tasca tão afamada,estava destinado ao fracasso.Poucas semanas após a inauguração,fechou as portas!

Este Adolfo era filho de outro barbeiro,o Ti Ernesto,que além de cortar cabelos e fazer barbas,também executava pequenos actos de cirurgia,como extirpar furúnculos e arrancar dentes.Nas terras pequenas,à falta de clínicos devidamente habilitados,era frequente encontrar este tipo de faz-tudo,pomposamente auto intitulados "barbeiro-cirurgião".Em "As pupilas do Senhor Reitor" de Júlio Dinis,esta figura está bem representada.

Era curiosa a forma como aqueles profissionais antigamente faziam a barba.Introduziam um dedo na boca do paciente,perdão,do cliente,para dilatar a bochecha e mais facilmente aplicar a navalha.Ou então,metiam-lhe na boca um figo.No caso do freguês comer a peça de fruta,o preço da barba aumentava.

Logo a seguir,o talho de António Vicente,ou melhor,da esposa,Celina "Carraça",pois o negócio dele era outro,comprava e vendia gado.

Um dia o Vicente adoeceu gravemente,ficando às portas da morte.A mulher,prevendo um desfecho fatal para a doença do marido,mandou fazer um fato ao António Pita,alfaiate que morava e tinha a oficina mesmo em frente.É claro,como a vestimenta estava destinada à cova,não tinha necessidade de bolsos e forros interiores.

Só que o Vicente era de rija têmpera,deu um pontapé na morte e sobreviveu,apesar de ficar a sofrer de hidropisia,com uma barriga enorme obrigando-o a ir frequentemente retirar a água acumulada.

O pior foi quando mais tarde descobriu no fundo da arca a mortalha que a mulher tão precocemente tinha tido o cuidado de mandar preparar. Caiu "o Carmo e a Trindade"!Os seus impropérios soaram por toda a vila!Lançou uma praga para que a mulher e o alfaiate "fossem desta para melhor" antes dele.E não é que isso aconteceu mesmo !

continua...

domingo, 20 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

continuação
Depois deste passeio sempre agradável pela Lapa,voltamos ao ponto de partida e deparamo-nos com uma das mais bonitas e pitorescas casas de Condeixa,com um azulejo no vértice do frontão indicando tratar-se da "Vila Celeste".Apesar de desvirtuada pelo acréscimo de escada exterior e alpendre,houve no entanto o bom senso de caiar as paredes de branco,com lambrim azul.
Quando no século XIX se efectuaram obras de rebaixamento da rua,as casas já existentes adquiriram patamares para compensar o desnivelamento.Por essa razão,o sítio passou a designar-se "Rua dos Balcões".
A "Vila Celeste" era propriedade de António Florentino,antigo sargento do exército.Possuia uma velha motocicleta barulhenta e daí talvez lhe viesse a alcunha como era conhecido:"Sargento Gasolina".
Mais além,a "Fonte das Bicas"que,apesar do nome,tem uma bica só.Até 1950,data da concretização do abastecimento de água ao domicílio,a única forma de obter o imprescindível liquido,era recorrer às fontes da vila:Bicas;Outeiro;Amores;Caraça;Lapa e da Costa.Mas no inverno,as que ficavam em cota inferior ao caminho,enchiam-se de lama,tornando impossível a sua utilização.Tal acontecia com a Fonte das Bicas.
Esta fonte tinha de facto três saídas e localizava-se um pouco mais acima , do outro lado da rua,numa cova com único acesso através de escada.A pedido dos moradores desse tempo,prejudicados com as precárias condições da fonte,a Câmara reuniu,curiosamente pela última vez em que estiveram presentes os representantes dos três Estados:Clero;Nobreza e Povo,decidindo mandar construir outra fonte.Mais tarde,em 1930 foi restaurada e ficou com o bonito aspecto que ora ostenta.
Nunca este manancial secou,mesmo durante os mais prolongados estios.A sua água era pura e fresca.Hoje continua fresca,mas já não é pura!
Depois,é a Rua de Entre-Moinhos,como o nome indica,local de mais alguns dos muitos engenhos existentes em Condeixinha,alguns de rara beleza,como era o caso do que se encontra ao fundo desta rua,agora completamente adulterado na sua traça original.
Na cortada para a Várzea,num canto formado com a ladeira do Penedo,em terreno cedido pelo Palácio,construiu o Zé Pato uma habitação,quando foi despejado da casa onde vivia,na Senhora das Dores,para nesse local construirem o depósito da água.
O Zé Pato,pedreiro de profissão,tinha muitos filhos,situação comum a muitas famílias daquele tempo.Quando um dia o Dr.Celso Franco,primeiro dentista a ter consultório em Condeixa,lhe chamou a atenção para o número excessivo de filhos,com uma família de tão fracos recursos,respondeu:"Que quer,Sr.Dr.,isto é o arroz doce dos pobres!" Hoje existem outras formas de passar o tempo agradavelmente,como por exemplo,ver televisão...por isso,agora as famílias são mais pequenas!
Voltando à ladeira de Condeixinha,topamos logo com esse terrível obstáculo de pedra,causador de tantas cabeças e dentes partidos a quem descia de bicicleta com velocidade fora do normal.Refiro-me às designadas "escadas do Zé Curto",embora o estabelecimento deste fosse um pouco mais abaixo.
Das muitas lojas da vila,arrisco-me a afirmar ter sido a loja do Zé Curto uma das mais peculiares.
Misto de taberna,adega,mercearia,venda de lenha para queimar no fogão,agência de seguros e"banco particular",comercialmente dominava pelo menos meia Condeixinha.Mas os lucros daí advindos,não seriam significativos.Muitas vezes assisti a pequenas compras de cinco ou dez tostões de açúcar,café ou arroz.Bem sei que"grão a grão,enche a galinha o papo",no entanto creio terem sido os lucros mais abundantees obtidos no empréstimo de dinheiro com altos juros.
O Zé Curto,perdão,os Zés,pois quem geria o estabelecimento eram pai e filho,ambos com o mesmo nome,faziam amiúde alarde da grande fortuna,afirmando medirem o dinheiro que possuiam,em alqueires de moedas!
No entanto eram pessoas muito simpáticas e agradáveis.O Curto pai,costumava brincar comigo,prometendo emprestar-me a"cabeça da víbora",hipotético amuleto infalível para conquistar raparigas.
Um pouco abaixo e do lado contrário,numa casa a vançar para a rua,morava o António Ferreirinha(Renola),motorista de longo curso.O Fernando,seu filho e meu condiscípulo,quando terminou a escolaridade,aprendeu no Tagarela o ofício de barbeiro.Mais tarde radicou-se em Alpiarça.O seu relacionamento com o pai era péssimo.Num pátio que existe ao lado,o pai um dia,como castigo,amarrou-o à estaca que prendia o burro e deixou-o em companhia da alimária toda a noite,como também se tratasse de um animal.
Pegado ao pátio,a mole imensa de um edifício com escada exterior que atenua um pouco a monotonia das linhas arquitectónicas.Pertence à família Bandeira e antigamente tinha um vasto salão de espectáculos com um pequeno palco.Ali se realizaram muitos bailes de agradável memória.Também foi sede da Música Velha,até à extinção desta.O piso érreo era utilizado como garagem,mas também serviu para realização de bailes.
Em frente,morava António Alves(Tónio Amâncio),pintor da construção civil.Um artista!Dava gosto vê-lo pintar com grande precisão os finíssimos traços nos quadros das bicicletas!
Era um homem profudamente espiritual,muito dado a coisas do além.Das muitas "estórias" que me contou,destaco duas.
Dizia a crença popular existir junto à Capela da Lapa um tesouro escondido sob a terra.Ele e um companheiro tentaram descobrir tal maná.Munidos de pás e enxadas,certa noite dirigiram-se ao local e abriram um buraco no solo.Quando já tinham atingido alguma profundidade sem encontrarem o desejado,decidiram sair da toca.Nesse momento,alguém de fora,com voz cavernosa,indagou se precisavam de ajuda.
A noite era negra,o local ermo e a consciência de que estavam a perpetrar algo incorrecto,tudo em conjunto levou-os a pensar tratar-se do diabo que vinha ali castigá-los por ousarem perturbar as suas profundezas.
No dia seguinte,nem sequer se conseguiam lembrar como dali tinham fugido até casa!
Quanto ao tesouro, lá estará,porque após a divulgação deste episódio,ninguém mais teve coragem de desafiar Satanás,legítimo guardião das coisas ocultas.De outra vez,vinha da Eira da Caldeira, localizada em frente à cortada para o Travaz,onde amanhava um terreno ao ano.Já era noite e o lugar nesse tempo não tinha vivalma.Parou para levar um cigarro à boca.Quando procurava os fósforos no bolso,alguém lhe perguntou se queria lume.Olhou para o lado e viu um alta figura toda vestida de negro.Convencido que Lúcifer voltava para o castigar da aventura da Lapa,desatou a correr,completamente aterrado e só parou em casa.Não me disse,mas certamente os fundilhos das calças deviam cheirar mal,após este susto.Admitindo,claro,a sua veracidade!
"Estórias"assim,contadas com a convicção de quem as viveu,ou imaginou e acreditava piamente no transcendental,não davam vontade de rir,antes pelo contrário.Muitas outras lhe ouvi e,confesso, ficava sempre impressionado!
Mais adiante era a casa de Joaquim Duarte Pessoa(Cachareto).Foi o solar do Conselheiro Quaresma e tinha,em tempo que não o meu,grande escada exterior,à semelhança do prédio fronteiro.Quando da reconstrução,a escada foi demolida mas ficou um nicho do Senhor dos Passos no lugar da antiga capela.
Hoje há uma estrada a cortar Condeixinha,mas antigamente o bairro estendia-se até ao Travaz.
Antes da cortada para o solar da família Bacelar,morava um senhor que era carteiro e deslocava-se de bicicleta quando executava a função.Porém,só subia ou descia do veículo quando tinha um ponto para apoiar os pés.Contava-se que um dia,ao regressar da distribuição,ao início da descida de Condeixinha poisou-lhe um moscardo na mão,começando de imediato a sugar-lhe o sangue.A ladeira não tinha qualquer sitio que lhe desse garantias de se apoiar e descer da bicicleta em segurança,por isso decidiu seguir até casa.Ao chegar lá,apeou-se com todo o cuidado e preparou-se para matar o maldito moscardo.Só que este,já saciado,resolveu bater as asas e escapar ao merecido castigo!
Está terminada esta viagem no tempo pela velha Condeixinha.Decerto muitas outras "estórias" ficaram por contar,mais moradores mereciam também ser recordados nestas crónicas.Infelizmente a memória não conseguiu reter outros factos dignos de registo.
Dei-me ao trabalho,agradável, de escrever as minhas recordações de um tempo antigo,porque sei que elas se vão dissipando,não restando em breve quem ainda se lembre como era aquele alegre bairro.
Procurei relatar apenas episódios onde a dignidade dos protagonistas não fosse ofendida.Se num caso ou noutro alguém achar que faltei ao respeito a quem devia,creia que não tive má intenção.
Gostaria que este trabalho pudesse contribuir para um dia ser escrita a real história de um povo simples e trabalhadorEsta é a minha homenagem aos antigos habitantes de Condeixinha.
Condeixa,Julho de 2006 Cândido Pereira

sábado, 19 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

continuação



Em frente,há uma praceta.O beco do Seiça,depois de ter dado uma curta volta,regressa à"mãe".

Um pouco abaixo e junto ao antigo talho do Micaelo,morava outra das figuras marcantes da minha infância,o Luís Videira.

O pai era alfaiate e sofria da terrível doença da época,a tuberculose.Em sua casa o pão não abundava,como em outros lares da vila(e do país!),o que não era de admirar,com os baixíssimos salários desse tempo.

O Luís,logo que terminou a instrução primária,foi aprender o ofício com um carpinteiro.Comia em casa do mestre,único pagamento do seu trabalho.Um dia, ao jantar,após uma cena do patrão com a mulher,o candeeiro de petróleo tombou e a chaminé partida espalhou os cacos sobre a comida do rapaz.Na impossibilidade de retirar todos os vidros e na contingência de ficar sem jantar,ele optou por comer as batatas,bacalhau e grelos com acompanhamento extra de vidros.Como nada de mal lhe sucedeu,dali para a frente,em troca dos tostões de estúpidas apostas,engolia vidros,pregos e outros estranhos objectos.Estas façanhas valeram-lhe a alcunha de "Faquir".Curiosamente,o apodo em vez de o desgostar,parecia até agradar-lhe.

Depois,a Casa dos Arcos ou das Colunas,uma interessante construção do século XVIII,com três arcos de volta completa(actualmente dois estão entaipados),pequenos terraços sobre os mesmos e águas-furtadas.

Esta moradia está quase em total ruína,não valendo de nada a tentativa feita a alguns anos para evitar a queda das paredes,que podem desmoronar-se a qualquer momento.Uma questão de valores monetários entre os proprietários e a Câmara,tem impedido a concretização da compra,com o consequente prejuízo para o património da vila.

O Dr.Deniz Jacinto,ilustre condeixense,pretendia doar a Condeixa o seu vasto e rico espólio,composto por livros de sua autoria e de outros escritores,diversos trabalhos sobre Gil Vicente,de quem foi emérito estudioso,o fato de "Diabo"envergado nas peças Vicentinas em que participou e se notabilizou e ainda a Comenda da Ordem do Infante D.Henrique com que foi agraciado pelo Presidente da República.

A Casa dos Arcos foi o local escolhido para instalação do Museu.Mas a tal mesquinha questão da compra do imóvel e a falta de interesse da Câmara em procurar outro local,contribuiram para impedir a sua resolução.O espólio acabou por ser doado ao Museu Paulo Quintela,de Coimbra e Condeixa perdeu mais um património de grande valor.

Em frente à Casa dos Arcos,existiu um prédio entretanto demolido para dar acesso ao Quintalão da Misericórdia.

Nessa casa morava Américo Pato(Olho e Meio).Era um homem muito doente,também atingido pela tuberculose,esse terrível mal motivador de tantas mortes,não só em Condeixa,mas em todo o país.

O Américo,impedido de trabalhar pela doença que o minava,não tinha meios de prover a sua subsistência e a da família.Resolveu então adquirir ao Augusto Braga uma bicicleta e realizar um sorteio,para o qual vendeu as respectivas rifas.É claro que o lucro final seria pequeno,mas ele tinha a esperança de ficar com o prémio ou,calhando este a algum benemérito, o deixasse ficar com o velocípede para novo sorteio.Infelizmente isso não aconteceu.O premiado,insensível ao drama,não teve contemplação e exigiu o veículo!

Tristes tempos,quando um trabalhador após passar uma vida de duro trabalho,ganhando salários de miséria,ao deixar de ter serventia,por velhice ou doença,herdava um pau e um saco e juntava-se à horda de pedintes famintos.E não se pense que essa situação se passava em tempos remotos!A parte substancial dos direitos e condições sociais,infelizmente agora em risco,foi apenas alcançada com a Revolução dos Cravos,em 25 de Abril de 1974!

O Américo tinha dois filhos,o António e o Américo,este mais conhecido pela alcunha:Zé Cletra.

O António,quando era criança gostava de ir para a Igreja ajudar no arranjo de andores e altares.Certa vez auxiliava o Alvarito a decorar a capela da Srªda Conceição,em cuja base está a imagem de Santo António.Uma deficiente instalação transportava a energia para iluminação da Virgem.O António tocou inadvertidamente num fio e,desconhecendo o efeito da electricidade,ao sentir o choque gritou:"fuja sr.Alvarito,que o Santo Antoninho está zangado!"

A rua de Condeixinha tem três espaços distintos.Desde o seu início até à cortada para a Lapa,é densamente habitada,com as casas a sucederem-se numa linha contínua.Depois,até Entre-Moinhos,apenas algumas casas dispersas e a partir dali,novo aglomerado populacional a terminar,agora,quando é interrompido pela Estrada Nacional.
Ao virar para a Lapa, a casa antigamente acastelada da Quinta da Lapinha,antigo Solar dos Cunhas.Possui um linda gruta de tufo calcário,juncada de densa vegetação,com a água a formar pequena cascata.Nos anos quarenta do século XX,quando era propriedade da famíla Oliveira Batista,chegou a ser atracção turistica de Condeixa.Que pena não continuar a figurar no roteiro da vila!
Em frente,a Quinta da Lapa,cujo solar foi residência do Padre Dr.João Antunes.Este grande vulto intelectual,impulsionador cultural de Condeixa,criou um Orfeão que tinha a característica de ser históricamente o primeiro agrupamento coral popular do país.Mas,para além disso e com a colaboração de reputados mestres,António Gonçalves,Abel Manta,Pedro Olaio,fundou também uma Escola de Artes e Ofícios,destinada a desenvolver nos inúmeros artistas da vila com conhecimentos apenas empíricos,técnicas de desenho industrial.Da importância dessa Escola nos deu conta o romancista de Condeixa e do mundo,Fernando Namora,ele que também lá aprendeu artes plásticas:"...entretanto a vila multiplicava-se em pintores de domingo,marceneiros-artistas,ferreiros,compositores populares...".
Tanto os ensaios do Orfeão como a Escola,tinham lugar no grande solar.
O prestígio do Dr.Antunes grangeou-lhe a amizade de destacados vultos do meio intelectual de então.O poeta Afonso Lopes Vieira,o pianista Rey-Colaço ou o músico Ruy Coelho,eram visitas assíduas da Quinta.Este último,encantado com a paisagem desfrutada das janelas da casa,compôs ali uma bela melodia intitulada"Pôr do Sol em Condeixa".
Após a morte do Dr.Antunes,a quinta passou a ser propriedade de Lino Pedro Augusto.O Alvarito,seu filho,era um homem de rara sensibilidade artística.Ao longo da vida reuniu um valioso acervo constituido por alfaias agrícolas,artesanato vário,colecção de moedas antigas,pinturas,documentos,etc.Este espólio pertence hoje a sua filha.No entanto,seria recomendável que a Câmara tentasse adquiri-lo,para preservação da memória de Condeixa.
A rua da Lapa era antigamente a estrada de ligação entre Condeixa e Montemor-o-Velho.
Quando rebaixaram a rua de Condeixinha,esse trajecto passou a fazer-se pelo novo traçado.A Lapa,por ser um caminho muito estreito e damasiado íngreme,deixou de ter serventia para veículos.Mais tarde acabaram por construir uma escada no troço de maior inclinação.A meio,está a Capelinha da Senhora da Lapa,um templo muito antigo.Segundo a lenda,a imagem da santa foi achada na gruta da Lapinha,em 1400.Nesse mesmo ano construiram a ermida com esmolas do povo e um donativo de António de Almeida.Ao longo do tempo,foi sofrendo alterações.Sempre foi reclamada como propriedade da família Bacelar,do Travaz.No final do século XX estava em grande estado de degradação,ameaçando ruína.Passou então para a posse da Igreja Matriz e foi devidamente reconstruída.
continua

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

continuação
Entre os Pelomes e o antigo Beco do Seiça(Travessa Nunes Vidal),era o estabelecimento de Constantino Martins Quintas,natural de Santo Tirso e que para lá voltou com a família,após vender todos os seus bens em Condeixa.O espaço onde hoje a Santa Casa da Misericórdia possui serviços de apoio,ao cimo da Palmeira ,era de sua propriedade.
No largo em frente à loja,tinham lugar os maiores festejos dos Santos Populares no bairro.Uma grande fogueira alimentada por todos os trastes sem serventia dos vizinhos,dava o pretexto para os rapazes mostrarem às raparigas a sua valentia,saltando arrojadamente o alto fogaréu.No Beco do Seiça,logo depois do cotovelo da estreita viela e pegada à cavalariça do Dr.Juiz,onde mais tarde os seus filhos e alguns colegas formaram um arremedo de república estudantil,a República das Catacumbas,morava a Ti Cecília,parteira sem diploma,mas muito sabedora na prática de trazer ao mundo uma nova vida.Se calhar,todas as crianças de Condeixinha,pelo menos as nascidas nesse tempo,foram por si aparadas.
No largo,em frente ao beco,morava uma das figuras chave da minha infância,o Luís Pocinho que,já adulto, partiu com a família para o Brasil e lá se radicou.
Dotado de forte personalidade,tinha os requisitos para ser um líder.De certa forma,até o era,pelo menos para a garotada desse tempo.Muitas vezes rude,mas sempre franco e leal,conseguia impor a sua vontade com determinação.
Convivi muito de perto com ele,não só porque éramos condiscípulos e companheiros de jogos de futebol na Praça e de outras aventuras mais ou menos contáveis,mas também porque quando terminou a instrução primária,ingressou como aprendiz do meu pai,na altura electricista do Palácio Sotto Mayor,com a oficina dentro dessa propriedade.
Abro aqui um parêntesis para poder dar uma perspectiva do que era o Palácio naquele fim da primeira e princípio da segunda metade do século XX.
Quando Condeixa teve direito a usufruir dos benefícios da electricidade,em 1932,já o Palácio gozava desse privilégio há muito,mercê de uma central de produção de energia eléctrica,a partir de um motor de combustão.Mais tarde,com a electricidade a ser recebida por linhas exclusivas exteriores,essa central passou a servir apenas de apoio ao consumo da casa quando este era excessivo ou se verificava alguma falha no abastecimento.A central passou então a ser a oficina onde o meu pai exercia a profissão,quer reparando aparelhos da entidade empregadora,quer fazendo trabalhos por sua conta,bobinagem de motores ou construção de baterias para automóveis e reparações destes.
Foi nessa altura que o Luís ingressou num grupo onde eu e os meus irmãos já pontuávamos.
A Quinta do Palácio,linda com os seus jardins de rendilhadas sebes de buxo,coleantes lagos artificiais,terraços,palmeiras,a enorme quinta de arruamentos traçados a régua e esquadro,muitas árvores de fruto e tanques de água,com a particularidade de um deles ter uma casa no meio,um bonito e exótico pavilhão de caça,funcionava,quando os seus proprietários se encontravam em Lisboa,o que era frequente,como nosso lugar privilegiado especialmente aos domingos,para aventuras e caçadas às espécies aladas relativamente abundantes e para passeios de bicicleta.É claro,nas bicicletas das "meninas do Palácio",filhas dos proprietários da quinta.
E é a propósito de bicicletas que conto um episódio protagonizado pelo Luís.
Durante as férias grandes, as "meninas"passavam os dias em corridas pela quinta.Sempre que as máquinas precisavam de qualquer pequena reparação ou de ar nos pneus,dirigiam-se à central buscando o nosso auxílio.E tinham especial preferência pelos serviços do Luís.
Como elas tinham altura física desigual e as bicicletas não chegavam para todas,constantemente estavam a pedir para subir ou baixar os selins.Até que o Luís,farto de as aturar,disse para o meu irmão:"Sr.Zeca,agora vou mudar de nome,passo a chamar-me "Luís Selim,Upa-Upa"!
São tantas as aventuras que vivemos em comum,suficientes para encher muitas páginas.Um dia,quem sabe,talvez o farei.Apenas porque esse nosso glorioso tempo retrata uma época da vida condeixense.
A seguir à casa do Luís e a querer avançar para a rua,era o talho do Fontes.No andar de cima,estava instalado o Cartório Notarial dirigido pelo Dr. José Pedro,cujo fino humor não deixava escapar a mais pequena oportunidade de empregar a veia poética para,com ironia cáustica,ridicularizar quem merecia.
Na porta ao lado da íngreme escada do Cartório,a taberna do Joaquim Loio onde íamos vender ferro-velho.Tinha duas filhas,sendo a mais velha uma das mais bonitas jovens de Condeixa.
Na sequência das estreitas moradias,destacavam-se três casas,pelos seus portões:o talho do Fontes,a taberna do Lóio e a cocheira do velho António Fontes,por esta ordem. Este tinha uma caterva de filhos e era um homem agreste.Talvez não fosse estranho a isto,o facto de ser negociante de gado.Diziam ter pisado um arco de pipa que lhe provocou grave ferimento na canela de uma das pernas.Em vez de ir ao médico,resolveu fazer ele próprio o curativo com os remédios usados nas mazelas dos animais.O resultado foi uma grave infecção seguida de gangrena,sendo necessário fazer a amputação daquele membro inferior.
O mau feitio acentuou-se depois deste desaire.Recordo-me de o ver à porta,sentado num banco e tratando mal quase toda a gente.
A seguir,era a casa da Ti Lina Rasteira(Resmunga).Um dos filhos,o António,era deficiente das pernas.Locomovia-se com grande dificuldade,mas mesmo assim acompanhou um dia o Zé Chorina até ao Paço.Foi no inverno e o tanque do Galaitas estava cheio.Assim transbordante,as rãs repousavam na borda e o António tentou apanhar uma.Infelizmente desequilibrou-se e caiu à água.O Zé ainda tentou socorrê-lo mas não conseguindo,correu à quinta do Paço(hoje Pousada de Santa Cristina),a buscar auxílio.Quando a ajuda chegou,já o infeliz tinha sucumbido.Este foi o único acidente grave registado naquele tanque,tantos anos servindo de piscina da vila.
Na casa ao lado,morava a Ti Adelaide Cavaca,mãe da Soledade e da Conceição.
Creio não errar se disser que as Cavacas eram das mais características moradoras de Condeixinha.E se o bairro tinha gente que se distinguia dos demais habitantes da vila!
A Soledade foi uma das figuras típicas de Condeixa.Com um feitio algo rude e por vezes demasiado extrovertido,tão depressa se zangava,como no momento seguinte já não era nada com ela.Com os seus oitenta e tal anos,era uma memória viva destas últimas quatro dezenas de anos.Também graças a si consegui recordar alguns factos para estas crónicas.
Pouco tempo antes de morrer súbitamente,contou-me uma "estória" que retrata a sociedade provinciana e bacoca da velha Condeixa.
A casa onde actualmente está o Restaurante Madeira,na Praça,foi em tempos uma loja de fazendas.Já depois de ser encerrada,um grupo de jovens pediu o local ao proprietário,Justiniano Geraldes,para ali realizar um baile ,ao qual só teria acesso quem tivesse convite.E estes eram apenas para as "meninas de meia-tigela"(nas palavras da Soledade),ou seja,as burguesinhas da terra.É claro que raparigas como ela,"criadas de servir",não tinham lugar na festa.
Mas José Rasteiro Relvão(Zé Moca),maroto como sempre e com o secreto desejo de ridicularizar os promotores do evento,ofereceu-lhe uma entrada.À noite, foi com a mãe ao baile.Como tinha convite,o porteiro deixou-as entrar.Porém lá dentro,os elementos promotores ficaram escandalizados com a situação e um deles dirigiu-se à Soledade pedindo-lhe para mostrar o convite.Na impossibilidade de expulsar quem estava devidamente documentada e temendo o escândalo,tiveram de aceitar a situação,para desagrado das "meninas" presentes.Entretanto a Soledade,apercebendo-se do que se estava a passar,dançou uma última valsa,como só ela sabia e abandonou o local onde não era desejada,mostrando que os humildes também têm orgulho e não se submetem a subserviências gratuitas.
Ao lado da Ti Adelaide,morou o Zé Caleiras,marceneiro e construtor de móveis modestos.Nunca recusava os pedidos da garotada para fazer rodas de carretas ou construir carros com as caixas de sardinha,dadas ou rapinadas à Ti Maria Barbeira.Nesses carros desciam depois os miúdos ladeira abaixo em corridas só travadas por trambolhões a provocar esfoladelas e cabeças partidas.
A irmã do Zé Caleiras era especialista a "tirar o quebranto",uma prática que consiste na utilização de um prato com água onde se vão vertendo gotas de azeite,acompanhando o acto com rezas, para exorcizar pragas e maus-olhados.
Contava-se que o Caleiras,indo um dia de bicicleta,atropelou uma mulher.Em vez de socorrer a pobre estatelada no chão,disse:"Ó Maria,calha bem porque queria falar contigo!"
continua

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

continuação
Mesmo em frente,a casa da Ti Maria Barbeira,sardinheira.O filho Octávio(Távio Barbeiro),exercia a profissão de sapateiro no acanhado rés -do-chão.
Recordo dele a figura magra de paciente gástrico.Para combater o mal que havia de o levar precocemente para a cova,costumava colocar grandes quantidades de bicarbonato de sódio na palma da mão,levando-a à boca e ingerindo o pó sem sequer se dar ao trabalho de beber água.
Um dos filhos,o Zé,Chorina de alcunha,foi meu condiscípulo.Das muitas aventuras compartilhadas,recordo um episódio,o mais marcante de todos.
Ao domingo,a malta ia para os campos ao redor caçar passarada,com os "elásticos"(fisgas)e as "costelas",armações de arame e molas de aço.Um dia alguém teve a infeliz ideia de construir uma espingarda artesanal.Era constituida por um tubo de ferro galvanizado,desses das canalizações,tamponado num dos topos e com um corte em V onde era colocada a pólvora do rastilho.Este tubo fixava-se a um pedaço de madeira a imitar coronha e carregava-se com pólvora,buchas de papel e chumbo derretido em bolinhas.Enquanto o atirador fazia pontaria,um companheiro chegava fogo ao rastilho e o tiro saía.Só que com o Zé,saiu o tiro e o tampão do cano que o atingiu numa vista.Foi transportado para Coimbra num carro particular(não havia ambulâncias).O olho salvou-se,apesar de muito maltratado.Este quase drama teve o condão de acabar com a estúpida ideia de construir armas de fogo!
Mesmo ao lado da Ti Maria Barbeira,moravam as Patitas,duas simpáticas velhinhas com mãos de fada para cofeccionar toda a qualidade de bolosDepois,porta a porta,visitavam fregueses certos,transportando os deliciosos pasteis num tabuleirinho de verga,coberto com alvo pano de linho.
Saltavam-me os olhos gulosos ao contemplar aquelas verdadeiras tentações,especialmente as cornucópias,com recheio de creme de ovos!
Eram esta adoráveis criaturas,as pasteleiras da terra,num tempo em que os estabelecimentos do ramo,os cafés,por sinal apenas três,não davam grande importância à especialidade.
Em frente,era a casa da Requetinha Rocha,um bonito prédio que tinha ao centro,resguardado com portadas de madeira,um nicho do Senhor dos Passos(seria o mesmo de que fala Santos Conceição?).Este prédio,a ameaçar ruína,foi demolido e em seu lugar construiram um enorme e inestético edifício onde colocaram um nicho,sem portas de madeira e sim grades de ferro,como a aprisionar uma imagem só presente na semana de Passos.
Depois,o acesso aos Pelomes!(rua Dr.Júlio Rocha)
Pelomes ou Pelames,a etimologia é obscura.Há quem diga terem existido no local pombais,nos quais se aproveitavam os excrementos das pombas para curtir peles.Daí o nome,Pelames,sítio de preparação de peles ,ligeiramente alterado com o tempo.
Verdade ou não,certo é que este era um dos mais caracteristicos locais de Condeixinha.
Logo à entrada,um rio a aparecer como por magia por detrás de um muro e logo a esconder-se,envergonhado da ousadia,sob a casa do Dr.Juiz.
Na apertada curva do estreito caminho,o quintal da Ti Rosalina.Hábil na ciência de tirar dores musculares e endireitar ossos,com azeite e mãos mágicas fazia desaparecer num piscar de olhos,o torcicolo mais persistente.
Do muro pendiam para a rua os ramos de uma figueira "pingo de mel",de figos estaladiços,verdadeira tentação da cachopada,para desespero da legítima dona.
Dessa figueira,ficou para a posteridade uma expressão ainda hoje utilizada:"Vai ao figo!",cuja origem é reveladora dos tempos então vividos.Nessa altura,quando a fome era companheira de muitos lares,a caça de pequenas aves e a fruta furtivamente apanhada pelos quintais,se não satisfaziam as necessidades alimentares,pelo menos tinham a virtude de aplacar no estômago o bichinho inquieto.
Às crianças rogantes de um pedaço de pão,respondiam as mães,resignadas com a miséria:"Vai ao figo da Rosalina!"
Continuando o caminho,num desnível de terreno com altas nogueiras,a Fonte da Costa,curiosa gruta orlada de fetos e avencas,com o fundo de areia branca palpitante de bolhas ansiosas por chegar à superfície.
Os Pelomes tinham ainda uma casa utilizada pelo Professor Mateus como colégio particular.Por graça,chamavam-lhe "Universidade dos Pelomes".E porque não? Dali sairam muitos jovens que mais tarde,já em Coimbra,concluíram com êxito os seus estudos!
Mas os Pelomes têm também a casa do Dr.Juiz! Este belo solar do início do século XIX é hoje uma das poucas casas antigas de Condeixa em perfeito estado de conservação,graças ao actual proprietário,Fortunato Rocha.
O Dr. Juiz António Pires da Rocha,ilustre condeixense,exerceu durante algumas décadas o seu cargo em várias comarcas.Ainda estudante e em plena monarquia,era acérrimo defensor dos ideais republicanos.Em 5 de Outubro de 1910,no regozijo da implantação da República e já licenciado,ocupou o cargo de Administrador do Concelho e em 1914 foi eleito Presidente da Câmara de Condeixa.
De trato afável e integridade a toda a prova,o Dr. Juiz era estimado e considerado por quantos o conheciam.
A sua porta,sempre aberta,recebia algum ilustre visitante ou a mais humilde pessoa em busca de conselho ou auxílio.
O solar fazia lembrar as casas senhoriais descritas por Eça,Camilo ou Aquilino:portas franqueadas,mesa farta,gente sempre a entrar e sair.Quando se subiam os velhos degraus de boa pedra de Condeixa-a-Velha,surgia a pesada porta a dar acesso ao longo corredor.À esquerda,a cozinha.Imensa,com uma lareira sempre acesa.A esposa do Dr.Juiz,D.Floripes,afadigava-se aturando e muitas vezes alimentando os muitos amigos dos filhos.Apesar do exaustivo trabalho das suas obrigações familiares,ainda lhe restava tempo para cuidar do moinho que sobre o rio aproveitava a corrente mais ou menos forte para fazer girar as pesadas mós,triturando o milho e transformando-o em farinha,ao tempo tão preciosa e indispensável em qualquer casa,ainda mais como a sua,com as características de farto consumo.
continua

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

Num dia de Março de 2006, estava com um amigo em Condeixinha,comentando o anormal trânsito automóvel numa artéria tão estreita.
Inevitavelmente,rememorámos o velho bairro dos anos quarenta e cinquenta do século passado.
Os veículos utilizadores deste trajecto eram maioritariamente carroças,por três razões fundamentais:a oficina de ferrador,"mecânico" da força de tracção das ditas carroças;a tanoaria,onde se mantinham os rodados sempre funcionais e os moleiros,residentes ou não,passantes a caminho do "carreto",a viagem levando a farinha e na volta trazendo o milho para moer nos vários engenhos ali existentes.
Automóveis,raros,a não ser o Austin 8 da Drª Maria José Bacelar ou o Vauxhal do Zé Curto.
Queixava-se o meu amigo,actual proprietário da casa contígua ao Cara de Velha,de não conseguir dormir,por causa do barulho incessante do trânsito.
Lembrei-me então de descrever a velha Condeixinha,tal como a conheci,palpitante na labuta diária e no entanto paradoxalmente modorrenta no ritmo dos compridos dias passados um após outro,sem grandes novidades,tal como aliás no resto da vila.
À noite os moradores sentavam-se,consoante o espaço físico onde moravam,no passeio do Quintas,no balcão do Cara de Velha,junto à Casa dos Arcos ou no rebato do António Braga,lá em baixo,à curva das escadas,em amena cavaqueira,às vezes nem por isso tão amena,quando o puxar de um assunto melindrava alguém presente.Arrufos de vizinhos,depressa esquecidos!
E bailaricos?Ou não fosse Condeixinha morada de muitos dos instrumentistas da Música Nova ou da Música Velha,com esta a ter ali a sua sede!
Rompendo as Festas aos Santos Populares,fogueiras iluminavam todo o bairro e o ar saturava-se com o penetrante odor das sardinhas a crepitar nas brasas.
O "palhinhas"corria de boca em boca,tentando desesperadamente acalmar uma sede nunca saciada!Um naco de brôa e uma sardinha de molho escorrente compunham a ceia,prolongada noite dentro.
Chamo a esta crónica "Estrada de Pedra",em memória de uma Condeixinha para sempre desaparecida,tragada pelo progresso que transformou irremediavelmente aquele característico local!
Ao propor-me retratar Condeixinha,não é minha intenção descrever casa a casa,mas sim referir aquelas que,por alguma razão a minha memória ou a de quem esteja na disposição de a despertar,suscite interesse de narração.
Condeixinha é muito antiga.Augusto dos Santos Conceição,na sua monografia "Condeixa-a-Nova",refere nas páginas 83/84,ter ali existido uma Gafaria,aquando do surto de lepra que assolou a Europa,no século XII.Essa Gafaria estaria instalada num prédio do Mosteiro de S.Marcos,em frente a uma casa que tinha um nicho com a imagem de Nossa Senhora da Assunção,a qual teria dado nome à rua.Esse nicho,mais tarde passou a abrigar a imagem do Senhor dos Passos.
Ora rua da Assunção,só existe uma em Condeixa e, curiosamente,com um nicho do Senhor dos Passos.A ser isto verdade,colocaria Condeixinha pelo menos coeva da possível fundação da povoação,cujo nome em diminutivo acabou por herdar.
Seja como for,a Condeixinha não se pode dar o redutivo nome de rua,pois ela é todo o conjunto de casas com becos,vielas e travessas,a formar um extenso aglomerado populacional composto pela própria rua,mais os Pelomes,Lapa,Fontaínhas,Entre-Moínhos,Várzea e antigamente estendendo-se até ao Travaz.
Só espaço compreendido entre a Praça e o Travaz,tem três nomes diferentes:Rua da Assunção,Rua dos Balcões e Rua Dr. João Bacelar,esta com a antiga designação de Rua Conselheiro Quaresma.
Este serpenteante caminho está hoje transformado numa das mais concorridas estradas da vila,uma "Estrada de Pedra",servindo de escoadouro ao infernal trânsito.O barulho incessante dos pneus das viaturas e o som estridente das buzinas,fazem estremecer as casas,quer de noite,quer de dia,pondo em franjas os nervos dos moradores.
Felizmente (?),Condeixinha já não tem o mesmo número de crianças de antigamente,pois se assim fosse,os pais estariam sempre com o coração nas mãos,temendo os acidentes que a velocidade dos carros decerto provocaria.
Quando a rua não tinha ainda o estatuto de estrada,era apenas um caminho macadamizado(que raio de nome!),com as casas encostadinhas umas às outras,recordando a necessidade medieval de protecção colectiva.No inverno,a água desgovernada corria por aquele caneiro natural,formando sulcos na areia branca do solo batido.Logo a seguir à cortada para a Lapa,onde uma súbita corcova mais acentuava a inclinação,era quase impossível circular.Felizmente naquele tempo os carros tinham rodas altas e as bestas que os puxavam sabiam onde colocar as patas,evitando os buracos do caminho.
Olhada da Praça,a entrada de Condeixinha apresenta-se como uma nesga entre prédio quase a tocarem-se lá no alto(havia quem afirmasse ter visto eles inclinarem-se,durante o abalo sísmico do verão de 1947).
Logo à esquerda,a marcar o cunho operário do bairro,onde as oficinas e os moínhos se sucediam,um ferrador,arte entretanto desaparecida,por falta de bestas que usem ferraduras.
A oficina alojava-se num velho prédio profundo e escuro,com um deconjuntado portão em frente do qual estacionavam carroças e animais,cujos excrementos e urina,misturados com o pó da rua,formava lama que exalava forte e pestilento aroma,atraindo toda a espécie de bicharada.Lá dentro,uma estrutura em madeira,o tronco,onde se amarravam burros,cavalos e bois,para a ferra.Um aprendiz de ferrador accionava o grande fole de madeira e cabedal,a soprar o carvão da forja onde os operários punham o ferro ao rubro para mais facilmente o bater na bigorna,até formar a ferradura.Com ela ainda quente,aplicavam-na na pata do animal.O fumo e o cheiro acre do casco a ser queimado,invadiam o local e transbordavam para a rua.
Uma curiosa maquineta movida a manivela,cortava o espesso pêlo dos animais. Ainda hoje é hábito dizer de alguém que tem o cabelo comprido,precisar de ir ao Raul Curto,o ferrador!
(continua)

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-A QUINTA DE SÃO TOMÉ


A Praça da República,sendo o centro cívico da vila,não era contudo o único local de diversão para a rapaziada do meu tempo,como se calcula.

Principalmente durante o dia utilizávamos outros locais. O Paço,com o respectivo Tanque do Galaitas, a Quinta de São Tomé e às vezes até nos aventurávamos a ir às Ruínas de Conímbriga,na altura sem alguém que impedisse a livre entrada e onde achávamos nos canais subterrâneos moedas que depois vendiamos a um comerciante da terra,por meia-dúzia de tostões.
A Quinta de São Tomé era um sítio lindo,apesar de o edifício já nessa altura se encontrar bastante degradado. Para a recordar,fui um destes dias até lá.

Monstros amarelos afadigavam-se a esventrar as úberes terras daquela que foi a mais antiga e caracteristica exploração agrícola de Condeixa! Não lamento! Quem vê o estado de absoluta ruína a que chegou o vetusto edifício,acaba por concordar ser bem melhor derrubar de vez as paredes centenárias e em seu lugar erguer caixotes de cimento e pejá-los de gente,de preferência moradores que não tenham conhecido a mística daquele maravilhoso lugar!

No breve caminho agora interrompido,as silvas tomaram o lugar das sebes de buxo que o ladeavam.Mas também aquelas plantas silvestres têm um particular encanto,porque dão uns frutos pequeninos,tão minusculos que quase se não notam,tal a sua humildade. Distraidamente colhi um deles e levei-o à boca. É curioso como os sabores se mantêm na memória através do tempo! Ao sentir o gosto agridoce da pequena amora,recuei cinquenta anos na idade e ergueu-se diante de mim a velha propriedade. Era guardada pela familia Pinto e os três imponentes portões de ferro eram abertos de manhã,às Trindades e fechados à noite,pelas Trindades do fim do dia solar.Dentro,apenas ficavam os moradores, a referida familia Pinto,que cuidava como podia da manutenção da casa e a familia Ameixoeiro,que porfiava para que o velho moinho se mantivesse operacional.

Todo o espaço envolvente da Quinta se multiplicava em sítios agradáveis e misteriosos.

A causa de toda essa beleza era o rio que,vindo de Alcabideque,bordejava a Quinta pelo lado nascente e seguia o seu curso rumo a Condeixa,passando ainda por Alfarelos,até se casar com o Mondego.

Este rio,belo em toda a sua extensão,tinha para nós particular encanto,mormente a partir de um local,logo após a Atadoa,o Marachão.Nesse ponto,alargava-se,permitindo espaço para nadar.Uma árvore,salgueiro,suponho,estendia os seus ramos quase a rasar a água,formando trampolim baloiçante para mergulhos.

Mais junto à Quinta,do seu lado sul. o rio dividia-se por necessidade de formação de um nutrido canal que atravessava a propriedade a fim de pôr em funcionamento o moinho.Esta divisão do curso de água motivou um espaço de terreno de forma triangular,rodeado de água por todos os lados,embora na parte mais larga do triângulo o elemento divisor não passar de insignificante riacho.

A este lugar,chamávamos "A Ilha"! Junto a esta,um súbito alargamento e aprofundamento do rio originou a Baixeira-(Bajeira,na gíria popular), outro óptimo local para nadar e onde ainda vi fazer represas para apanhar ruivacos e barbos,ao calcão,quando o peixe abundava! Depois,na passagem contornando a Quinta,caramanchões de figueiras bravas e loureiros,quase encobriam o rio. Não tanto que nos impedisse de nadar,junto ao Olho.

Com tanta água por todo o lado,quem sentia sede? "Água corrente não mata gente,nem de noite nem de dia,nem à hora do meio-dia,Padre-Nosso,Avé-Maria". Afastavam-se as ervas,fazia-se o sinal da cruz e bebia-se na concha da mão!

Quando vinhamos de nadar,da Baixeira ou do Marachão,sentávamo-nos à sombra dos grandes eucaliptos da Ilha,a fumar cigarros de barba de milho embrulhada em papel pardo.Confesso não me recordar do gosto desses improvisados cigarros.Devia ser horrível,misto de palha e papel queimado.No entanto,dava-nos uma agradável sensação de adultos,a deitar fumo pela boca. O nariz não entrava nessas funções,pois fazia chegar as lágrimas aos olhos!

Depois,íamos brincar no pequeno jardim abandonado,na "árvore dos macacos" cujos ramos,(ou raizes?),formavam um interessante entrelaçado,permitindo-nos saltitar,imitando peripécias do Tarzan. Esta árvore,espécie vegetal parece que única no país,foi abatida e vendida como madeira,perante a indifereça e irresponsabilidade de quem devia ter autoridade para o impedir.

Como já referi, a Quinta de São Tomé está hoje totalmente arruinada. A bela Capela,parte integrante do edifício,já não possui os antigos e valiosos azulejos e o telhado ruiu.Porém no seu solo estão ainda os túmulos de alguns dos seus antigos senhores,pessoas que fizeram parte da história desta vila.

Com grande desgosto,tenho vindo a assistir ao progressivo degradar daquela bela construção. Será com maior desgosto que brevemente verei as grandes máquinas do progresso irracional destruírem de vez as centenárias paredes,derrubando inclusivamente a Capela,sem respeito por quem ali repousa!

Por tudo quanto acabo de escrever, a Quinta de São Tomé faz parte do meu imaginário! E querem que lhes diga? Lamento,claro que lamento a sua destruição!


(este texto foi escrito e editado em livro,em 1999.Daí para cá,todo o local descrito foi completamente transformado.Nada hoje faz lembrar o que acabei de descrever. O prédio está irremediávelmente perdido.É pena! Assim desaparece um dos mais importantes monumentos da nossa terra!)
(imagem representada - reprodução de um quadro pintado por Minita, em 2008).

domingo, 29 de novembro de 2009

...E AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS...

Com este titulo, pretendo homenagear cidadãos naturais de Condeixa ou aqui radicados e que a esta terra quiseram dedicar o seu saber e arte.
Começo,referindo uma figura há poucos anos desaparecida do nosso convívio: o Sr. Ramiro de Oliveira.
Pode dizer-se que a história cultural da vila,especialmente no aspecto musical e poético,não seria a mesma se não tivesse existido a familia Oliveira.Desde o início do século XX até ao seu final,qualquer evento cultural de vulto na vila,tinha a marca indelével de um ou mais elementos do clã Oliveira.Filarmónicas,Ranchos Foclóricos,peças de teatro ou revista ,Marchas celebrando os Santos Populares,em tudo se podia constatar essa participação.
Ramiro de Oliveira era filho de um inspirado cultor musical,cujas composições ainda hoje fazem parte do repertório de grupos folclóricos,Mestre António de Oliveira. Era também irmão do Maestro Saul de Oliveira Vaio,dirigente musical e compositor de mérito.
Embora de apurado sentido musical,como seria de esperar,a sua vocação no entanto era a poesia.Desde muito novo começou a escrever para as composições do pai ou do irmão.
Embora um pouco espartilhado pela condição de letrista,obrigado a obedecer a um padrão específico,já liberto dessa amarra,na última fase da sua vida deu largas ao estro e transbordou em poesia admirável.Não quer isto dizer,evidentemente,que tenha sido menos importante a poesia para canções!Aliás,foi por essa forma de exprimir os seus sentimentos que Condeixa pode orgulhar-se de possuir um vastíssimo repertório de lindas melodias.E que paleta de sentimentos!"...Canta Condeixa inteirinha-No cortejo que ora passa-Canta o Outeiro,Condeixinha-A Avenida e a Praça-Canta a Barreira,os Pocinhos-E a restante freguesia-Cantam os ricos...pobrezinhos (a lembrar os passarinhos)-Nesta hora de alegria!"
Esta vila já deu ao País o seu contributo intelectual,através de músicos,pintores,romancistas...mas jamais algum soube mostrar, de forma tão expressiva,o amor pela terra natal:"Esta Condeixa maravilhosa-Não é quimera,é Primavera-É luz radiosa por toda a parte!-Os seus recantos,são lindas telas-São aguarelas.São obras de arte!"
Ramiro de Oliveira, que morreu em 2002, com 94 anos,deixou-nos também vários escritos de memória(e que memória ele tinha!),da Condeixa de outras eras.Foi um desses escritos que encontrei agora num Boletim editado pela Câmara Municipal em 1978.Porque entendo ser bastante interessante para quem quiser conhecer a vila do princípio do século XX, permito-me publicar textualmente o que escreveu,com a certeza que,pela grande amizade que nos unia,decerto teria a sua autorização.Tenho muito orgulho de ser seu conterrâneo!
«Apontamentos para os carolas» por:Ramiro de Oliveira
São hoje apelidados de saudosistas os que,por tudo e por nada,enchem a boca no passado e, em muitos casos,há nesse conceito justificada razão.Mas...nem sempre é assim.Não haverá em cada um de nós,na dúvida do presente em que vegetamos,recordações de um passado argamassado de sacrifícios,aventuras e glórias;a confrontar-se com a incógnita de um futuro envolto em trevas,com perspectivas indefenidas e talvez catastróficas,que apetece lembrar a cada momento? Não haverá um anseio que nos desnorteia,um querer de felicidade que nos escapa das mãos ao mais leve sopro do querer de outros,que por caminhos diversos a procuram também?
Recordar e falar do passado não agrada a alguns,mas em especial aos que por lá deixaram roupa suja,que desejam no esquecimento.A verdade é que a história só pode fazer-se,lembrando e registando factos passados,enquanto houver quem deles tenha directo conhecimento e se disponha a testemunhá-los.Assim,não só não se deturpa a verdade,como se arranjam apontamentos para a história,sem lendas fantasiosas.
É possivel que,por divergência de ideias ou por formação egoísta,haja quem pretenda reivindicar para os círculos da sua simpatia,ou doutrinas que professa,o exclusivo da razão,as virtudes de quanto de bom se tenha criado sobre a terra;os males,os defeitos,o passado indesejável,são sempre obra dos outros.Coerentes com os nossos pricípios de absoluta independência,alheios a interesses pessoais ou políticos,iremos justamente lembrar alguns factos do passado,mas somente para deixar para a história de Condeixa,apontamentos que dentro em pouco seria impossível recolher com verdade porque,de quantos os viveram,poucos restam e todos sem esperança de longa vida.
Por hoje,vamos alongar-nos relatando factos relacionados com a demolição do Palácio dos Sás e com a abertura das ruas efectuada na masma altura, na extensão total de 650 metros.Estávamos em 1926 e devido a metódica orietação imposta pelo Presidete da Câmara Municipal à administração dos dinheiros públicos,(ocupava então esse cargo o saudoso benemérito Dr.Fortunato de Carvalho Bandeira) o saldo disponível era substancial para a época.Foi nessa altura que a nova vereação presidida pelo Tenente José Pires Beato e resultante das alterações políticas verificadas no país,entrou cheia de ambições e de certo modo afortunada nas suas iniciativas,desde logo facilitadas pelo desafogo do erário público e pela generosa colaboração que a Casa Alverca e a Quinta de S.Tomé lhe dispensaram.A sua acção teve início com a aquisição da chamada Terra da Galega,100 metros a nascente da Escola Conde de Ferreira(nota:compreende as ruas: Dr.Pires de Miranda,Combatentes da Grande Guerra,final da Avenida e António de Oliveira).
Terreno saibrento,pobre para culturas,oferecia óptimas condições para urbanizar e foi para ali que convergiram as primeiras atenções do Município.Abriram-se esgotos,construiram-se os passeios e surgiu a primeira rua numa extensão de 1oo metros.Retirado o terreno para a Escola feminina,a construir alguns anos depois,os terrenos laterais foram vendidos em talhões,com a condição de serem edificados no prazo máximo de três anos,sob pena de voltarem à posse da Câmara,mas...ainda hoje continua a ser uma rua de muros! Até há pouco a rua terminava junto à Escola e só agora lhe foi dada saída para a rua da Serrada.
Entretanto as propostas feitas à Casa Alverca foram concretizadas e a Câmara comprou as ruínas do velho Palácio para alargar a Praça da República,então resumida a metade do que é actualmente e a Casa Alverca cedia gratuitamente os terrenos para abrir uma avenida e construir o Mercado Municipal(nota:no local do actual Quartel dos Bombeiros),mas condicionava essa oferta:a abertura tinha de ser rigorosamente feita ao centro do terreno para que a dadora pudesse lotear e vender os terrenos laterais para construções.Assim, a orientação dessa nova artéria com cerca de 250 metros então,ficou logo traçada.Mas o desejo da Câmara era ligá-la à primeira rua aberta,a rua dos Combatentes da Grande Guerra, (nota:até à Policlínica de Condeixa,na Serrada )e nesse sentido já entrara em contacto com o Visconde da Quinta de S.Tomé,proprietário dos terrenos confinantes Era desejo geral,então,que a avenida seguisse em linha recta,o que se tornava impossível devido à Levada da Serrada,que alimentava um moínho e o lagar de azeite,à data o melhor do concelho.A cedência do terreno necessário para o prolongamento da avenida seria igualmente gratuita,mas...só passando em frente ao lagar!
Não havia outra opção e a Câmara teve de aceitar.Eram mais 120 metros de extensão de terreno que recebia gratuitamente,embora o proprietário beneficiasse da valorização do restante,mas assim a avenida encontrava o seu ponto de saída,embora maculada por um cotovelo que não foi possível evitar-se.(nota:a Avenida derivou, desde o Mercado (Bombeiros),até terminar na junção com a rua dos Combatentes,junto à sede da Casa do Benfica).
Consumadas as negociações, em ritmo acelerado construiram-se passeios e o esgoto para as águas pluviais,plantaram-se árvores,pavimentou-se a faixa de rodagem e, em curto espaço de tempo,as construções sucediam-se a ritmo acelerado e esta transformou-se desde logo,na principal artéria da vila.
Mal as obras haviam sido concluídas,já nova rua se abria na direcção da rua da Palmeira(nota:actual rua Dr.João Antunes) e numa extensão de mais de 200 metros,mas para pôr ponto final durante 40 anos,ao crescimento de Condeixa.
Com estes apontamentos,só vivos na memória de poucos,aqui deixamos o nosso depoimento,para que não vão para a vala do esquecimento factos que no futuro possam ter interesse para a história da Vila.

sábado, 28 de novembro de 2009

CONDEIXA E AS INVASÕES FRANCESAS

Continuação



"E depois de de narrar os factos sucedidos em Baiona entre a deputação portuguesa e Napoleão,o mesmo historiador acrescenta:

«Estes factos foram depois adulterados com injustiça para a deputação,introduzindo-se na história deles,as atoardas espalhadas por Junot e pelos agentes franceses».

"Chegou,de facto, a dizer-se que os portugueses que haviam ido a Baiona,teriam pedido um rei a Napoleão,traíndo assim a fidelidade devida à dinastia de Bragança.Ora, como com eles estava o Bispo de Coimbra,D.Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho,2º tio de Francisco de Lemos,o 1º Presidente da Câmara Municipal de Condeixa,d'aí nasceria,talvez,a afirmação correntia de que os Lemos eram afectos aos franceses.

Também Alfredo Pimenta nos seus "Elementos da História de Portugal",se refere a que,em Abril de 1808,«Junot induziu miseravelmente algumas figuras representativas do Clero e da Nobreza a irem a Baiona formular determinados pedidos a Napoleão,relativos ao bem estar dos portugueses.O que ele queria,era afastá-los de Portugal e retê-los presos em França,como aconteceu.»

Tais figuras,eram os Bispos de Coimbra e Algarve,os Marqueses de Marialva,Penalva,Valença e Abrantes,o Conde do Sabugal,o Visconde de Barbacena,D.Lourenço de Lima,D.Nuno Álvares Pereira de Melo e 2 representantes do Senado da Câmara,Joaquim Alberto Jorge e Tomaz da Silva Leitão.

Para destruir os boatos que corriam a seu respeito,o citado Bispo de Coimbra,D.Francisco de Lemos,fez uma exposição pormenorizada do que se passara em Baiona,ao Principe Regente(futuro D.João VI),principiando pela intimação de Junot,ordenando-lhe que fizesse parte da tal deputação e se preparasse para partir e relatando em seguida,com documentos comprovativos,a viagem através da Espanha,os factos ocorridos em Baiona e Bordeus e,finalmente,o seu regresso a Portugal.Pensou,escreveu ele,declinar o encargo,alegando a sua avançada idade e inevitáveis incómodos da jornada,mas resolveu partir porque lhe pareceu que «podia ter ocasião de fazer algum serviço a V.A.Real».

Havendo-se juntado em Baiona-continua-os membros da deputação,presidida por D.Lourenço de Lima,concordaram nos pontos que queriam tentar expor a Napoleão,além daqueles que Junot alegara.

"O primeiro objectivo não foi pedir ao Imperador que fosse o Rei de Portugal,como tem dito algumas pessoas mal informadas;mas sim de tratar perante ele da conservação da inteireza do Reino,da reintegração da amizade e harmonia entre o Imperador e o Principe Regente N.Snr.,da vinda do mesmo Senhor e da sua Real Familia para Portugal e,não podendo isto verificar-se,da vinda do Principe das Beiras,seu filho e do seu casamento com uma Princesa da Familia Imperial.Tais foram os pricipais objectos da negociação que tratou perante o Imperador».

Este nem o ouviu,atalhando logo as diligências e mandando-os internar em Bordeus,de onde sairam feita a Paz.

É interessante notar o que,já em 1827,referia Walter Scott:

«Não tardou que Napoleão prescindisse dessa assembleia de homens notáveis de Portugal e os deputados foram mandados para Bordeus,onde permaneceram no esquecimento e na indigência,até ao momento da paz geral que lhes permitiu voltarem para suas casas».

"João do Ameal,na sua História de Portugal,relata a propósito dessa passagem da Guerra Peninsular:
«Organiza o Duque de Abrantes a famosa deputação a Baiona,sob o pretexto de solicitar de Napoleão um abatimento na contribuição de guerra e a liberdade dos nossos prisioneiros.O que todavia se procura é privar-nos de certo número de figuras proeminentes,que ficarão como reféns».
A titulo de curiosidade,referiremos que a contribuição aludida era de "desoito contos de reis",na verdade muito pesada para o depauperado tesouro nacional,constantemente alvo de arremetidas por parte dos invasores e daqueles que da situação se aproveitavam para fazerem fortuna.
D.Francisco de Lemos,escreve ainda ter chegado a Baiona em Abril de 1808,ter partido de Bordeus em 15 de Setembro de 1810 e em pricípios de Novembro desse ano atravessado a fronteira portuguesa,vendo no seu regresso inesperado,pois voltara antes dos outros expatriados,"um maravilhoso efeito da Providência Divina, que quis atender aos seus votos contínuos para restituir-se a este Reino,facilitando-lhe o meio mais oportuno quando tudo parecia conspirar e desvia-lo dele e rete-lo na França,pela sua constante adesão a Vossa Alteza Real».
Cremos explicada,pelo exposto, a razão da ideia de que os Lemos de Condeixa mantinham boas relações com os franceses;tão boas eram que,no entanto,foram seladas a balas no "salão queimado" do Palácio de Condeixa,em 1811,quatro meses depois do regresso do Bispo de Coimbra a Portugal!"