quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

continuação
Mesmo em frente,a casa da Ti Maria Barbeira,sardinheira.O filho Octávio(Távio Barbeiro),exercia a profissão de sapateiro no acanhado rés -do-chão.
Recordo dele a figura magra de paciente gástrico.Para combater o mal que havia de o levar precocemente para a cova,costumava colocar grandes quantidades de bicarbonato de sódio na palma da mão,levando-a à boca e ingerindo o pó sem sequer se dar ao trabalho de beber água.
Um dos filhos,o Zé,Chorina de alcunha,foi meu condiscípulo.Das muitas aventuras compartilhadas,recordo um episódio,o mais marcante de todos.
Ao domingo,a malta ia para os campos ao redor caçar passarada,com os "elásticos"(fisgas)e as "costelas",armações de arame e molas de aço.Um dia alguém teve a infeliz ideia de construir uma espingarda artesanal.Era constituida por um tubo de ferro galvanizado,desses das canalizações,tamponado num dos topos e com um corte em V onde era colocada a pólvora do rastilho.Este tubo fixava-se a um pedaço de madeira a imitar coronha e carregava-se com pólvora,buchas de papel e chumbo derretido em bolinhas.Enquanto o atirador fazia pontaria,um companheiro chegava fogo ao rastilho e o tiro saía.Só que com o Zé,saiu o tiro e o tampão do cano que o atingiu numa vista.Foi transportado para Coimbra num carro particular(não havia ambulâncias).O olho salvou-se,apesar de muito maltratado.Este quase drama teve o condão de acabar com a estúpida ideia de construir armas de fogo!
Mesmo ao lado da Ti Maria Barbeira,moravam as Patitas,duas simpáticas velhinhas com mãos de fada para cofeccionar toda a qualidade de bolosDepois,porta a porta,visitavam fregueses certos,transportando os deliciosos pasteis num tabuleirinho de verga,coberto com alvo pano de linho.
Saltavam-me os olhos gulosos ao contemplar aquelas verdadeiras tentações,especialmente as cornucópias,com recheio de creme de ovos!
Eram esta adoráveis criaturas,as pasteleiras da terra,num tempo em que os estabelecimentos do ramo,os cafés,por sinal apenas três,não davam grande importância à especialidade.
Em frente,era a casa da Requetinha Rocha,um bonito prédio que tinha ao centro,resguardado com portadas de madeira,um nicho do Senhor dos Passos(seria o mesmo de que fala Santos Conceição?).Este prédio,a ameaçar ruína,foi demolido e em seu lugar construiram um enorme e inestético edifício onde colocaram um nicho,sem portas de madeira e sim grades de ferro,como a aprisionar uma imagem só presente na semana de Passos.
Depois,o acesso aos Pelomes!(rua Dr.Júlio Rocha)
Pelomes ou Pelames,a etimologia é obscura.Há quem diga terem existido no local pombais,nos quais se aproveitavam os excrementos das pombas para curtir peles.Daí o nome,Pelames,sítio de preparação de peles ,ligeiramente alterado com o tempo.
Verdade ou não,certo é que este era um dos mais caracteristicos locais de Condeixinha.
Logo à entrada,um rio a aparecer como por magia por detrás de um muro e logo a esconder-se,envergonhado da ousadia,sob a casa do Dr.Juiz.
Na apertada curva do estreito caminho,o quintal da Ti Rosalina.Hábil na ciência de tirar dores musculares e endireitar ossos,com azeite e mãos mágicas fazia desaparecer num piscar de olhos,o torcicolo mais persistente.
Do muro pendiam para a rua os ramos de uma figueira "pingo de mel",de figos estaladiços,verdadeira tentação da cachopada,para desespero da legítima dona.
Dessa figueira,ficou para a posteridade uma expressão ainda hoje utilizada:"Vai ao figo!",cuja origem é reveladora dos tempos então vividos.Nessa altura,quando a fome era companheira de muitos lares,a caça de pequenas aves e a fruta furtivamente apanhada pelos quintais,se não satisfaziam as necessidades alimentares,pelo menos tinham a virtude de aplacar no estômago o bichinho inquieto.
Às crianças rogantes de um pedaço de pão,respondiam as mães,resignadas com a miséria:"Vai ao figo da Rosalina!"
Continuando o caminho,num desnível de terreno com altas nogueiras,a Fonte da Costa,curiosa gruta orlada de fetos e avencas,com o fundo de areia branca palpitante de bolhas ansiosas por chegar à superfície.
Os Pelomes tinham ainda uma casa utilizada pelo Professor Mateus como colégio particular.Por graça,chamavam-lhe "Universidade dos Pelomes".E porque não? Dali sairam muitos jovens que mais tarde,já em Coimbra,concluíram com êxito os seus estudos!
Mas os Pelomes têm também a casa do Dr.Juiz! Este belo solar do início do século XIX é hoje uma das poucas casas antigas de Condeixa em perfeito estado de conservação,graças ao actual proprietário,Fortunato Rocha.
O Dr. Juiz António Pires da Rocha,ilustre condeixense,exerceu durante algumas décadas o seu cargo em várias comarcas.Ainda estudante e em plena monarquia,era acérrimo defensor dos ideais republicanos.Em 5 de Outubro de 1910,no regozijo da implantação da República e já licenciado,ocupou o cargo de Administrador do Concelho e em 1914 foi eleito Presidente da Câmara de Condeixa.
De trato afável e integridade a toda a prova,o Dr. Juiz era estimado e considerado por quantos o conheciam.
A sua porta,sempre aberta,recebia algum ilustre visitante ou a mais humilde pessoa em busca de conselho ou auxílio.
O solar fazia lembrar as casas senhoriais descritas por Eça,Camilo ou Aquilino:portas franqueadas,mesa farta,gente sempre a entrar e sair.Quando se subiam os velhos degraus de boa pedra de Condeixa-a-Velha,surgia a pesada porta a dar acesso ao longo corredor.À esquerda,a cozinha.Imensa,com uma lareira sempre acesa.A esposa do Dr.Juiz,D.Floripes,afadigava-se aturando e muitas vezes alimentando os muitos amigos dos filhos.Apesar do exaustivo trabalho das suas obrigações familiares,ainda lhe restava tempo para cuidar do moinho que sobre o rio aproveitava a corrente mais ou menos forte para fazer girar as pesadas mós,triturando o milho e transformando-o em farinha,ao tempo tão preciosa e indispensável em qualquer casa,ainda mais como a sua,com as características de farto consumo.
continua

2 comentários:

  1. Sr Cândido, quero agradecer-lhe pelo facto de contar estas suas histórias. as pessoas que aqui refere conheço-as de histórias que o meu pai sempre conta. é muito gratificante ver o nome delas vivo na internete. quanto à estima que as suas palavras ditam sobre o meu avô António, fico-lhe para todo o sempre agradecida, pelo orgulho que senti quando li as suas palavras. A minha avó Floripes ainda tive o previlégio de conhecer e reconheço a sua capacidade de trabalho e de acolhimento. Bem-haja pelo seu artigo. foi a melhor coisa que me aconteceu hoje. Bem-haja
    Eurídice Rocha

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  2. Sr. Candido não tenho o prazer de o conhecer pessoalmente ,mas sou um confesso admirador das suas Crónicas.Sou João Saraiva,filho da Lurdes "do Jaime" ,e a D.Rosalina a que se refere é a minha bisavó.Se me permite,gostaria de partilhar uma ideia para o seu blogue e que seria os seus" fieis seguidores" enviarem - lhe fotografias antigas da vila;tenho visto bastantes no facebook ou em espólios privados.Um seu amirador .João Saraiva - Coimbra

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