terça-feira, 15 de dezembro de 2009

LUGARES DE CONDEIXA-CONDEIXINHA

Num dia de Março de 2006, estava com um amigo em Condeixinha,comentando o anormal trânsito automóvel numa artéria tão estreita.
Inevitavelmente,rememorámos o velho bairro dos anos quarenta e cinquenta do século passado.
Os veículos utilizadores deste trajecto eram maioritariamente carroças,por três razões fundamentais:a oficina de ferrador,"mecânico" da força de tracção das ditas carroças;a tanoaria,onde se mantinham os rodados sempre funcionais e os moleiros,residentes ou não,passantes a caminho do "carreto",a viagem levando a farinha e na volta trazendo o milho para moer nos vários engenhos ali existentes.
Automóveis,raros,a não ser o Austin 8 da Drª Maria José Bacelar ou o Vauxhal do Zé Curto.
Queixava-se o meu amigo,actual proprietário da casa contígua ao Cara de Velha,de não conseguir dormir,por causa do barulho incessante do trânsito.
Lembrei-me então de descrever a velha Condeixinha,tal como a conheci,palpitante na labuta diária e no entanto paradoxalmente modorrenta no ritmo dos compridos dias passados um após outro,sem grandes novidades,tal como aliás no resto da vila.
À noite os moradores sentavam-se,consoante o espaço físico onde moravam,no passeio do Quintas,no balcão do Cara de Velha,junto à Casa dos Arcos ou no rebato do António Braga,lá em baixo,à curva das escadas,em amena cavaqueira,às vezes nem por isso tão amena,quando o puxar de um assunto melindrava alguém presente.Arrufos de vizinhos,depressa esquecidos!
E bailaricos?Ou não fosse Condeixinha morada de muitos dos instrumentistas da Música Nova ou da Música Velha,com esta a ter ali a sua sede!
Rompendo as Festas aos Santos Populares,fogueiras iluminavam todo o bairro e o ar saturava-se com o penetrante odor das sardinhas a crepitar nas brasas.
O "palhinhas"corria de boca em boca,tentando desesperadamente acalmar uma sede nunca saciada!Um naco de brôa e uma sardinha de molho escorrente compunham a ceia,prolongada noite dentro.
Chamo a esta crónica "Estrada de Pedra",em memória de uma Condeixinha para sempre desaparecida,tragada pelo progresso que transformou irremediavelmente aquele característico local!
Ao propor-me retratar Condeixinha,não é minha intenção descrever casa a casa,mas sim referir aquelas que,por alguma razão a minha memória ou a de quem esteja na disposição de a despertar,suscite interesse de narração.
Condeixinha é muito antiga.Augusto dos Santos Conceição,na sua monografia "Condeixa-a-Nova",refere nas páginas 83/84,ter ali existido uma Gafaria,aquando do surto de lepra que assolou a Europa,no século XII.Essa Gafaria estaria instalada num prédio do Mosteiro de S.Marcos,em frente a uma casa que tinha um nicho com a imagem de Nossa Senhora da Assunção,a qual teria dado nome à rua.Esse nicho,mais tarde passou a abrigar a imagem do Senhor dos Passos.
Ora rua da Assunção,só existe uma em Condeixa e, curiosamente,com um nicho do Senhor dos Passos.A ser isto verdade,colocaria Condeixinha pelo menos coeva da possível fundação da povoação,cujo nome em diminutivo acabou por herdar.
Seja como for,a Condeixinha não se pode dar o redutivo nome de rua,pois ela é todo o conjunto de casas com becos,vielas e travessas,a formar um extenso aglomerado populacional composto pela própria rua,mais os Pelomes,Lapa,Fontaínhas,Entre-Moínhos,Várzea e antigamente estendendo-se até ao Travaz.
Só espaço compreendido entre a Praça e o Travaz,tem três nomes diferentes:Rua da Assunção,Rua dos Balcões e Rua Dr. João Bacelar,esta com a antiga designação de Rua Conselheiro Quaresma.
Este serpenteante caminho está hoje transformado numa das mais concorridas estradas da vila,uma "Estrada de Pedra",servindo de escoadouro ao infernal trânsito.O barulho incessante dos pneus das viaturas e o som estridente das buzinas,fazem estremecer as casas,quer de noite,quer de dia,pondo em franjas os nervos dos moradores.
Felizmente (?),Condeixinha já não tem o mesmo número de crianças de antigamente,pois se assim fosse,os pais estariam sempre com o coração nas mãos,temendo os acidentes que a velocidade dos carros decerto provocaria.
Quando a rua não tinha ainda o estatuto de estrada,era apenas um caminho macadamizado(que raio de nome!),com as casas encostadinhas umas às outras,recordando a necessidade medieval de protecção colectiva.No inverno,a água desgovernada corria por aquele caneiro natural,formando sulcos na areia branca do solo batido.Logo a seguir à cortada para a Lapa,onde uma súbita corcova mais acentuava a inclinação,era quase impossível circular.Felizmente naquele tempo os carros tinham rodas altas e as bestas que os puxavam sabiam onde colocar as patas,evitando os buracos do caminho.
Olhada da Praça,a entrada de Condeixinha apresenta-se como uma nesga entre prédio quase a tocarem-se lá no alto(havia quem afirmasse ter visto eles inclinarem-se,durante o abalo sísmico do verão de 1947).
Logo à esquerda,a marcar o cunho operário do bairro,onde as oficinas e os moínhos se sucediam,um ferrador,arte entretanto desaparecida,por falta de bestas que usem ferraduras.
A oficina alojava-se num velho prédio profundo e escuro,com um deconjuntado portão em frente do qual estacionavam carroças e animais,cujos excrementos e urina,misturados com o pó da rua,formava lama que exalava forte e pestilento aroma,atraindo toda a espécie de bicharada.Lá dentro,uma estrutura em madeira,o tronco,onde se amarravam burros,cavalos e bois,para a ferra.Um aprendiz de ferrador accionava o grande fole de madeira e cabedal,a soprar o carvão da forja onde os operários punham o ferro ao rubro para mais facilmente o bater na bigorna,até formar a ferradura.Com ela ainda quente,aplicavam-na na pata do animal.O fumo e o cheiro acre do casco a ser queimado,invadiam o local e transbordavam para a rua.
Uma curiosa maquineta movida a manivela,cortava o espesso pêlo dos animais. Ainda hoje é hábito dizer de alguém que tem o cabelo comprido,precisar de ir ao Raul Curto,o ferrador!
(continua)