sexta-feira, 6 de julho de 2012



IGREJA DE SANTA CRISTINA



A LENDA 

Diz a lenda que Cristina, filha de um oficial do exército da Toscânia, se recusou a adorar os deuses pagãos e abraçou o cristianismo.Urbano,seu pai,rude inimigo dos cristãos,mandou que a chicoteassem.Foi nesse momento que começou o longo martírio de Cristina.Como não conseguiu demover a filha,Urbano ordenou o seu lançamento às chamas,que não a queimaram. Decidiu então mandar atar uma pedra de moinho ao corpo da filha e que a lançassem ao lago.A pesada mó flutuou e Cristina não pereceu.Mas seu pai, apoplexo com estes acontecimentos,morreu súbitamente.Dio,seu substituto,continuou a martirizar Cristina,sempre sem conseguir os seus intentos e só sendo atingida por inúmeras setas é que Cristina sucumbiu,tendo assim alcançado a glória eterna. A jovem virgem toscana morreu no ano 300 d.C.,passando ao Calendário Geral Romano, Martirológico, como Santa Cristina.



A VILA

Condeixa é terra de muita água.Embora não possua rios de grande caudal,está implantada nas faldas de montes de pouca altitude que fazem parte do maciço rochoso onde se situam as Serras de Sicó. Daí,através de linhas subterrâneas,a água tem ressurgimentos significativos em Alcabideque, Arrifana e em muitas fontes. A configuração geográfica da zona,de pequeno desnível,permite a lenta condução das águas em direcção à foz, criando condições para a montagem de engenhos hidráulicos de moagem de cereais ou lagares de azeite,uma industria que,durante vários séculos, se manteve altamente produtiva.Para se ter ideia,Condeixa chegou a possuir cerca de 300 moinhos e mais de 30 lagares de azeite.
Facilmente se depreende que uma das mais activas profissões era a de moleiro.A escolha de Santa Cristina com a mó presa por uma corda ao pescoço,para padroeira da terra,é perfeitamente justificada. 
No século XVI, Condeixa era um pequeno povoado quando D.Manuel I fez a tradicional peregrinação a Santiago de Compostela.Ao passar no local que alguns historiadores referem ser “um pequeno casal chamado Outeiro”,mas que já seria a actual Condeixa,a nova,pois outra existia,mais antiga e,por esse motivo, chamada Condeixa-a-Velha,alguns notáveis do lugar mostraram-lhe a igreja(seria talvez apenas uma capela)muito velha e quase em ruínas,tendo o rei ordenado que novo templo fosse edificado.Disso encarregou o Mosteiro de Santa Cruz,de Coimbra,senhor de vastos terrenos nas proximidades.A nova Igreja deve ter sido acabada de construir só em 1543,já no reinado de D.João III, por ser de 7 de Julho desse ano a carta em que Frei Braz de Braga dá ordem para que se faça “o contrato de mudança da Igreja de Côdeixa,como havia sido determinado”.

A passagem do Rei por Condeixa teve também o efeito de concessão do foral,lavrado em 1514.( Na Monografia de Condeixa,do Capitão Augusto dos Santos Conceição descreve-se assim a criação da Igreja de Condeixa-a-Nova:
Três anos depois da concessão do foral,em 2 de Novembro de 1517 Condeixa-a-Nova é erigida em curato,por escritura lavrada nas notas de Afonso Mancelos,presbítero e notário apostólico,na qual foi combinado entre o cónego da Sé de Coimbra,o prior do Sebal,Fernão Pires e Pero Afonso,procuradores dos habitantes de Condeixa-a-Nova,mas pertencentes à freguesia do Sebal:

“que os de Condeixa ouvissem missa na Igreja de Santa Cristina e recebessem nela os sacramentos,com a condição de irem ao Sebal à missa,três vezes por ano,domingo de Páscoa,dia de S.Pedro e Fieis de Deus,mas isto sem prejuízo das benesses e o que não cumprisse estas condições pagaria um arrátel de cera para a Igreja do Sebal



A IGREJA



Da primitiva Igreja de Santa Cristina,hoje pouco resta.Muitas foram as razões que motivaram sucessivos restauros a modificar-lhe a traça original.Uma descrição muito antiga refere que:”...a Igreja é toda feita em pedra de Ançã curiosamente lavrada e as paredes interiores forradas com azulejos dourados.Tem duas sacristias,ambas bem providas de ricos ornamentos e pelo corpo da Igreja muitas capelas de boa pedra e todas com os seus retábulos dourados.A capela do Santíssimo Sacramento é de muito culto e asseio e prata para o seu serviço,tem por ano de renda 250 mil réis,tendo capelão.A de Nossa Senhora do Rosário tem capelão com missa todos os domingos e dias santos.Há nesta Igreja três capelas particulares,sendo a das Almas de D.Lourenço de Almada,Governador de Angola e Mestre-Sala de D.PedroII;outra de João de Sá Pereira,fidalgo de S.Magestade e Senhor do Palácio dos Sás,outra de invocação de Jesus que tem jazigo dos Morgados Morais Botelho com carneiro bem lavrado com as suas armas e um padrão gravado na parede da parte da epístola em que declara que o Dr.Heitor de Morais Teixeira,cidadão de Coimbra,aplicara certas missas por sua alma”. 

“...a Igreja tem onze capelas,a maior dedicada a Santa Cristina.Do lado da Epístola,vêem-se cinco:a primeira,na colateral,dedicada a Nosso Senhor Jesus Cristo,onde se venera uma devota imagem de perfeita escultura.A segunda é dedicada ao Santíssimo Sacramento e de perfeita arquitectura,com meia-laranja abatida ,muito galante,com entrada em que se elevam duas colunas torneadas de galante obra, encontradas ao pé direito e sobre os capiteis descansam umas represas que fazem uma comprida arquitrave.É tudo em pedra de Ançã,como também o retábulo e o sacrário e outras imagens.A terceira é dedicada à Senhora da Piedade e é uma preciosa escultura em pedra,tamanho natural,de manto azul,com valiosa coroa de prata.A quarta é dedicada a Nossa Senhora da Conceição e a quinta a S.Sebastião.Da parte do Evangelho,a primeira é dedicada a Nossa Senhora do Rosário e tem uma imagem de grande devoção(talvez fosse colateral).A segunda é da Ordem Terceira e igual em tudo à do Santíssimo Sacramento.A terceira é das Almas.A quarta é de outra invocação e a quinta é da Pia Baptismal.Do segundo estilo há o arco da capela de S.Francisco,que foi da Ordem Terceira.” 
A descrição refere cinco capelas do lado da Epístola.Contando com a colateral,hoje dedicada a Nossa Senhora da Soledade,existem apenas mais três capelas.Sabe-se que junto à porta lateral sob o púlpito,existia outra capela,que foi entaipada durante obras antigas de restauro.Seria essa que Santos Conceição afirma ser a de Nossa Senhora da Piedade?E que foi feito da “preciosa escultura em pedra,tamanho natural,de manto azul,com valiosa coroa em prata”?Na capela do Palácio dos Lemos,existiu um imagem em pedra polícroma, da Senhora da Piedade.Quando a família Lemos vendeu a propriedade,levou consigo essa imagem, substituida pelos novos donos por uma Pietá em madeira,obra do escultor espanhol José Planes.

Não existe qualquer descrição,mas é possível que tivesse existido também uma imagem em pedra,de Santa Cristina.Na Capela de Póvoa de Pegas,segundo informação do senhor Padre Idalino Simões,pároco de Condeixa,há uma linda imagem de Santa Cristina.



Como já referi,as várias obras sofridas,modificaram bastante a estrutura geral da Igreja.O mais importante motivo relaciona-se com as invasões francesas,quando as tropas de Ney e Massena,em movimento de fuga da batalha das Linhas de Torres,acamparam uma vez mais em Condeixa e,numa política de terra queimada,incendiaram mais de quarenta prédios.A Igreja foi totalmente destruída pelo fogo.

Nas obras de restauro,efectuadas no reinado de D.Maria I ,por manifesta falta de verbas,mas também porque não houve a necessária sensibilidade artística,quase tudo foi alterado.A própria fachada foi modificada e,no frontespício,em baixo relevo foi colocado o escudo e a coroa usados no reinado de D.Maria. Encima a fachada um cruz trevada,ladeada por esculturas de pedra em forma de facho.


Desta restauração,nos fala A.Santos Conceição:
“Apesar dos estragos do incêndio e deste primeiro restauro,apresenta ainda bons espécimes de arquitectura manuelina e renascença italiana,conservando do primeiro estilo a capela-mór,quadrada,de contrafortes angulares no extremo e cobre-se de abóbada manuelina em forma estrelada,com cinco chaves de ornatos renascentistas,vendo-se uma cabeça de velho ao centro.O arco cruzeiro é do tipo coimbrão de meados de quinhentos,e nele os pés direitos e a volta são cortados de perfil em S”. 

A RESTAURAÇÃO DO INÍCIO DO SÉCULO XX

Em finais do século XIX,chegou a Condeixa um homem que veio dar nova vida ao panorama cultural da vila.Ordenado padre e licenciado em direito,o Dr.João Augusto Antunes veio para esta vila como Conservador do Registo Predial.
Homem culto,reparou que algo na Igreja não estaria conforme os documentos que entretanto lera.Herdeiro de grande fortuna (seus pais eram ricos talhantes em Coimbra e possuidores de vastos terrenos na insua, cerca do local onde hoje está situado o Parque Dr.Manuel Braga)dispôs-se a restaurar a Igreja de Santa Cristina.Para tal,contratou o conhecido escultor de Coimbra, João Machado e,auxiliado nos conhecimentos de história por António Augusto Gonçalves e Isac Pinto,ordenou a restauração de altares e capelas.Ainda citando A.Santos Conceição:”Do segundo estilo há o arco da capela de S.Francisco,que foi da Ordem Terceira e mostra,entre estuques,elemento do velho arco de renascença do século XVI e duas capelas postas a descoberto,por iniciativa do padre Dr.João Antunes,que restaurou à sua custa a capela de S.Teresa e,por subscrição pública,a actual capela do Senhor dos Passos.Esta possui abóbada do século XVI,formada por dois arcos cruzados...”. 

“Fica sob a torre o baptistério,no qual se vê um arco do século XVI-XVII.A pia baptismal é obra manuelina,bem moldurada e com alguns ornatos naturalistas.A capela do Santíssimo teve arco semelhante ao da de S.Francisco,mas encontra-se cheio de estuques,segundo fórmulas clássicas,muito usadas aquando da reconstrução da Igreja.As janelas da capela-mór são do século XVIII,com cabeceiras de recorte mistilínio”.



A IGREJA DE S.CRISTINA,NA ACTUALIDADE



O que até agora referi,baseia-se em documentos registados na obra de António Augusto da Conceição,”Monografia de Condeixa-a-Nova” e nos cadernos “Subsídios para a História de Condeixa”,coordenação de Fernando de Sá Viana Rebelo e Isac Pinto.

No início da segunda metade do século XX,a Igreja apresentava-se bastante maltratada.O tecto,em abóboda e com afrescos,tinha forte infiltração de água da chuva.Nas obras então efectuadas,repararam o telhado e cobriu-se todo o tecto com paineis de madeira.Na parede norte foram abertas duas janelas em arco geminado.A nível das capelas,algumas foram restauradas e descobriu-se uma outra,do lado da epístola,que estava entaipada. Foi também retirada a grade que dividia a nave.
A última restauração,ocorreu já no final do século XX.Profunda remodelação que envolveu a substituição total do telhado,no qual foi colocada uma tela protetora contra infiltrações.Todo o soalho da nave foi retirado, substituido por tijoleiras,renovadas ou acrescentadas as pedras dos rebatos e colocado um lambril em azulejo.

Fazendo uma visita à Igreja de S.Cristina,na actualidade,podemos observar alguns pormenores curiosos que não são descritos na sua história e nem sequer chamam a atenção imediata dos visitantes.

São alguns desses pormenores que passo a descrever,advertindo que se trata apenas meros exercícios de curiosidade e como tal devem ser entendidos.



AS CURIOSIDADES




Na face lateral esquerda do exterior da igreja,há uma porta que dá acesso à capela de S.Francisco. Numa cantaria foi gravado um A,encimado por coroa de visconde. Entrando pela porta lateral do templo,encontra-se à esquerda a pia de água benta,logo seguida do arco da capela do Senhor dos Passos.Penso tratar-se do arco primitivo,restaurado por João Machado.No entanto,é intrigante notar-se à altura da cabeça de um homem,vários buracos na pedra, dando a ideia de terem sido provocados por impactos de projécteis de arma de fogo.Será que,durante a ocupação pelo exército francês, ali foi alguém fuzilado? 
Entre a capela do Senhor dos Passos e a capela de S.Francisco,há uma tribuna,descrita em “Subsídios para a História de Condeixa”desta forma:«Aos 9 dias do mês de Dezembro de 1715,na Igreja de Santa Cristina deste lugar de Condeixa-a-Nova,em mesa com o Juiz e mais oficiais da Irmandade do Santíssimo Sacramento onde todos estavam presentes,chamados pelo Andador ao som da campainha tangida como é antigo costume,pelo senhor João de Sá Pereira,foi mandado apresentar uma petição com visto de Sua Ilustríssima em que lhe concede licença para abrir uma tribuna no corpo da Igreja,consentindo o povo,na parte onde se acha o púlpito ou ficar mais decente para o púlpito ficar com mais decência e sendo necessário recorrer a dita Irmandade lhe desse licença para pôr o dito púlpito da outra parte defronte de onde estava antigamente e como acharam não resulta detrimento à Irmandade,antes dá mais utilidade para o ornato e compostura da Igreja concederam os ditos Irmãos a dita licença que pedia,do que se fez este termo que Juiz e Procurador e mais oficiais assinaram e mandam se lançasse este termo no L.º da Irmandade.Cristovão de Almeida,Juiz;João Dias,Escrivão,e Frutuoso Dias.»
A transcrição diz ainda que a tribuna pertence à casa dos Condes de Anadia.

A grade de ferro que protege a tribuna,tem um reposteiro preto em cujo centro se acha bordado um escudo de armas curioso.Muito semelhante ao emblema do Boavista Futebol Clube,apenas difere deste porque tem uma coluna no meio do quadriculado e nele não existirem as letras BFC (Boavista Futebol Clube)sob a coroa de marquês. Do mesmo lado da igreja,e logo a seguir,é a capela de S.Francisco.Esta, a encimar o arco já anteriormente descrito,tem uma pedra de armas e a coroa de conde em relevo. 




Três símbolos heráldicos diferentes numa propriedade que a Casa dos Sás,viscondes de Alverca,reivindica como sua!


No lado da Epístola, há a capela de de Santa Teresa (actualmente é dedicada a Rainha Santa Isabel),a mesma que foi mandada restaurar pelo padre Dr.João Antunes,como de resto se pode comprovar numa pedra colocada do lado de dentro. O lindo arco,executado por João Machado,tem alguns motivos lavrados.O mais interessante será uma cara em baixo relevo que parece ser a do próprio Dr.João Antunes. 

A TORRE SINEIRA

A torre tem quatro arcos sineiros,cada um com o respectivos sino, virados aos pontos cardeais.O sino de poente é o maior,datando de 1807.Vulgarmente,é conhecido como “panela de cozer batatas”porque é tangido durante a Procissão do Senhor dos Passos.O seu som grave tocado ritmicamente,dá solenidade ao acto que se recorda nessa época da Quaresma.Para dobrar o sino,é necessário mais que uma pessoa.Antigamente,levava-se o sino à posição vertical invertida(cozer batatas)e só depois se deixava tombar,numa sequência de volta completa.O sino pequeno,do lado nascente, é simultâneamente o mais antigo e data de 1778.Do lado norte,o sino é de 1879 e do lado sul,de 1825.
Tem ainda a torre um relógio mecânico/eléctrico de dois mostradores,com frentes para norte e poente.Este relógio esteve longos anos parado.Possuía um sistema eléctrico que martelava nos sinos os quartos de hora e as horas.Na impossibilidade de recuperar esse sistema e porque entretanto já tinha sido adquirido um relógio com aparelhagem electrónica reprodutora de vários sons,apenas se procedeu à reparação do maquinismo electro-mecânico do relógio.Desconheço a razão porque actualmente se encontra desactivado.A encimar a torre,um cata-vento em ferro simbolizando uma bandeira, sobreposto por cruz de ferro trevada.

Um final poético, do Cancineiro de João de Lemos:


Tange,tange,augusto bronze
Teu som alegre e festivo
Despertando ecos do peito
Faz-me ficar pensativo

Era assim que tu cantavas
Quando nasceu minha mãe
Quando a viste ser esposa
E após ter filhos também.

Choraste quando ao sepulcro...
Longe ideia tão funesta!...
Era assim que te alegravas
Todos os dias de festa.

Era assim que te folgavas
Quando fui,débil menino
Mergulhar nas santas águas
O meu corpo pequenino.

Era assim que ao Céu dizias
Acompanhando orações
-Mais um roubo a satanás
Para Deus,mais um cristão.

Vou partir...talvez não volte
Mas levem-me ecos da serra
Estes sons hei-de amar sempre
O sino da minha terra!

Se inda aqui vier morrer
Chora no meu funeral
E se for em terra alheia
Repete o alheio sinal.

Tange,tange,augusto bronze
Teu som,casado comigo
Inda na morte me agrada


Inda ali sou teu amigo!





Esta descrição da Igreja de Santa Cristina,Matriz de Condeixa,não deve ser entendida como trabalho histórico.Tem apenas o valor de tema para blogue.


NOTA: As fotografias que ilustram o texto foram gentilmente oferecidas pelo Sr.º Rui Figueiredo Saraiva. Para ele, os meus agradecimentos.
Cândido Pereira
Condeixa, Julho de 2012.