IGREJA DE SANTA
CRISTINA
A LENDA
Diz a lenda que Cristina, filha de um oficial do exército da
Toscânia, se recusou a adorar os deuses pagãos e abraçou o
cristianismo.Urbano,seu pai,rude inimigo dos cristãos,mandou que a
chicoteassem.Foi nesse momento que começou o longo martírio de
Cristina.Como não conseguiu demover a filha,Urbano ordenou o seu
lançamento às chamas,que não a queimaram. Decidiu então mandar
atar uma pedra de moinho ao corpo da filha e que a lançassem ao
lago.A pesada mó flutuou e Cristina não pereceu.Mas seu
pai, apoplexo com estes acontecimentos,morreu súbitamente.Dio,seu
substituto,continuou a martirizar Cristina,sempre sem conseguir os
seus intentos e só sendo atingida por inúmeras setas é que
Cristina sucumbiu,tendo assim alcançado a glória eterna. A jovem
virgem toscana morreu no ano 300 d.C.,passando ao Calendário Geral
Romano, Martirológico, como Santa Cristina.
A VILA
Condeixa é terra de muita
água.Embora não possua rios de grande caudal,está implantada nas
faldas de montes de pouca altitude que fazem parte do maciço rochoso onde se situam as Serras de Sicó. Daí,através de linhas
subterrâneas,a água tem ressurgimentos significativos em
Alcabideque, Arrifana e em muitas fontes. A
configuração geográfica da zona,de pequeno desnível,permite a
lenta condução das águas em direcção à foz, criando condições
para a montagem de engenhos hidráulicos de moagem de cereais ou
lagares de azeite,uma industria que,durante vários séculos, se
manteve altamente produtiva.Para se ter ideia,Condeixa chegou a
possuir cerca de 300 moinhos e mais de 30 lagares de
azeite.
Facilmente se depreende que uma das mais activas
profissões era a de moleiro.A escolha de Santa Cristina com a mó
presa por uma corda ao pescoço,para padroeira da terra,é
perfeitamente justificada.
No século XVI, Condeixa era
um pequeno povoado quando D.Manuel I fez a tradicional peregrinação
a Santiago de Compostela.Ao passar no local que alguns historiadores
referem ser “um pequeno casal chamado Outeiro”,mas que já seria
a actual Condeixa,a nova,pois outra existia,mais antiga e,por esse
motivo, chamada Condeixa-a-Velha,alguns notáveis do lugar
mostraram-lhe a igreja(seria talvez apenas uma capela)muito velha e
quase em ruínas,tendo o rei ordenado que novo templo fosse
edificado.Disso encarregou o Mosteiro de Santa Cruz,de Coimbra,senhor
de vastos terrenos nas proximidades.A nova Igreja deve ter sido
acabada de construir só em 1543,já no reinado de D.João III, por
ser de 7 de Julho desse ano a carta em que Frei Braz de Braga dá
ordem para que se faça “o contrato de mudança da Igreja de
Côdeixa,como havia sido determinado”.
A passagem do
Rei por Condeixa teve também o efeito de concessão do foral,lavrado
em 1514.( Na Monografia de Condeixa,do Capitão Augusto dos Santos
Conceição descreve-se assim a criação da Igreja de
Condeixa-a-Nova:
“Três anos
depois da concessão do foral,em 2 de Novembro de 1517
Condeixa-a-Nova é erigida em curato,por escritura lavrada nas notas
de Afonso Mancelos,presbítero e notário apostólico,na qual foi
combinado entre o cónego da Sé de Coimbra,o prior do Sebal,Fernão
Pires e Pero Afonso,procuradores dos habitantes de
Condeixa-a-Nova,mas pertencentes à freguesia do Sebal:
“que os de Condeixa ouvissem missa na Igreja de Santa Cristina e
recebessem nela os sacramentos,com a condição de irem ao Sebal
à missa,três vezes por ano,domingo de Páscoa,dia de S.Pedro e
Fieis de Deus,mas isto sem prejuízo das benesses e o que não
cumprisse estas condições pagaria um arrátel de cera para a
Igreja do Sebal
A IGREJA
Da primitiva Igreja de Santa
Cristina,hoje pouco resta.Muitas foram as razões que motivaram
sucessivos restauros a modificar-lhe a traça original.Uma descrição
muito antiga refere que:”...a Igreja é toda feita em pedra de Ançã
curiosamente lavrada e as paredes interiores forradas com azulejos
dourados.Tem duas sacristias,ambas bem providas de ricos ornamentos e
pelo corpo da Igreja muitas capelas de boa pedra e todas com os seus
retábulos dourados.A capela do Santíssimo Sacramento é
de muito culto e asseio e prata para o seu serviço,tem por ano de
renda 250 mil réis,tendo capelão.A de Nossa Senhora do Rosário tem
capelão com missa todos os domingos e dias santos.Há nesta Igreja
três capelas particulares,sendo a das Almas de D.Lourenço de
Almada,Governador de Angola e Mestre-Sala de D.PedroII;outra de João
de Sá Pereira,fidalgo de S.Magestade e Senhor do Palácio dos
Sás,outra de invocação de Jesus que tem jazigo dos
Morgados Morais Botelho com carneiro bem lavrado com as suas armas e
um padrão gravado na parede da parte da epístola em
que declara que o Dr.Heitor de Morais Teixeira,cidadão de
Coimbra,aplicara certas missas por sua alma”.
“...a
Igreja tem onze capelas,a maior dedicada a Santa Cristina.Do lado da
Epístola,vêem-se cinco:a primeira,na colateral,dedicada a Nosso
Senhor Jesus Cristo,onde se venera uma devota imagem de perfeita
escultura.A segunda é dedicada ao Santíssimo Sacramento e de
perfeita arquitectura,com meia-laranja abatida ,muito galante,com
entrada em que se elevam duas colunas torneadas de galante obra,
encontradas ao pé direito e sobre os capiteis descansam umas
represas que fazem uma comprida arquitrave.É tudo em pedra de
Ançã,como também o retábulo e o sacrário e outras imagens.A
terceira é dedicada à Senhora da Piedade e é uma preciosa
escultura em pedra,tamanho natural,de manto azul,com valiosa coroa de
prata.A quarta é dedicada a Nossa Senhora da Conceição e a quinta
a S.Sebastião.Da parte do Evangelho,a primeira é dedicada a Nossa
Senhora do Rosário e tem uma imagem de grande devoção(talvez fosse
colateral).A segunda é da Ordem Terceira e igual em tudo à do
Santíssimo Sacramento.A terceira é das Almas.A quarta é de outra
invocação e a quinta é da Pia Baptismal.Do segundo estilo há o
arco da capela de S.Francisco,que foi da Ordem Terceira.”
A
descrição refere cinco capelas do lado da Epístola.Contando com a
colateral,hoje dedicada a Nossa Senhora da Soledade,existem apenas
mais três capelas.Sabe-se que junto à porta lateral sob o
púlpito,existia outra capela,que foi entaipada durante obras antigas de
restauro.Seria essa que Santos Conceição afirma ser a de Nossa
Senhora da Piedade?E que foi feito da “preciosa escultura em
pedra,tamanho natural,de manto azul,com valiosa coroa em prata”?Na
capela do Palácio dos Lemos,existiu um imagem em pedra polícroma,
da Senhora da Piedade.Quando a família Lemos vendeu a
propriedade,levou consigo essa imagem, substituida pelos novos donos
por uma Pietá em madeira,obra do escultor espanhol José Planes.
Não
existe qualquer descrição,mas é possível que tivesse existido
também uma imagem em pedra,de Santa Cristina.Na Capela de Póvoa de
Pegas,segundo informação do senhor Padre Idalino Simões,pároco de
Condeixa,há uma linda imagem de Santa Cristina.
Como já
referi,as várias obras sofridas,modificaram bastante a estrutura
geral da Igreja.O mais importante motivo relaciona-se com as invasões
francesas,quando as tropas de Ney e Massena,em movimento de fuga da
batalha das Linhas de Torres,acamparam uma vez mais em Condeixa
e,numa política de terra queimada,incendiaram mais de quarenta
prédios.A Igreja foi totalmente destruída pelo fogo.
Nas obras de
restauro,efectuadas no reinado de D.Maria I ,por manifesta falta de
verbas,mas também porque não houve a necessária sensibilidade
artística,quase tudo foi alterado.A própria fachada foi modificada e,no frontespício,em baixo relevo foi colocado o escudo e a coroa
usados no reinado de D.Maria. Encima a fachada um cruz
trevada,ladeada por esculturas de pedra em forma de facho.
Desta
restauração,nos fala A.Santos Conceição:
“Apesar dos
estragos do incêndio e deste primeiro restauro,apresenta ainda bons
espécimes de arquitectura manuelina e renascença
italiana,conservando do primeiro estilo a capela-mór,quadrada,de
contrafortes angulares no extremo e cobre-se de abóbada manuelina em
forma estrelada,com cinco chaves de ornatos renascentistas,vendo-se
uma cabeça de velho ao centro.O arco cruzeiro é do tipo coimbrão
de meados de quinhentos,e nele os pés direitos e a volta são
cortados de perfil em S”.
A RESTAURAÇÃO
DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Em finais do século XIX,chegou a
Condeixa um homem que veio dar nova vida ao panorama cultural da
vila.Ordenado padre e licenciado em direito,o Dr.João Augusto
Antunes veio para esta vila como Conservador do Registo
Predial.
Homem culto,reparou que algo na Igreja não estaria
conforme os documentos que entretanto lera.Herdeiro de grande fortuna
(seus pais eram ricos talhantes em Coimbra e possuidores de vastos
terrenos na insua, cerca do local onde hoje está situado o Parque
Dr.Manuel Braga)dispôs-se a restaurar a Igreja de Santa
Cristina.Para tal,contratou o conhecido escultor de Coimbra, João
Machado e,auxiliado nos conhecimentos de história por António
Augusto Gonçalves e Isac Pinto,ordenou a restauração de altares e
capelas.Ainda citando A.Santos Conceição:”Do segundo estilo há o
arco da capela de S.Francisco,que foi da Ordem Terceira e
mostra,entre estuques,elemento do velho arco de renascença do século
XVI e duas capelas postas a descoberto,por iniciativa do padre
Dr.João Antunes,que restaurou à
sua custa a capela de S.Teresa e,por subscrição pública,a actual
capela do Senhor dos Passos.Esta possui abóbada do século
XVI,formada por dois arcos cruzados...”.
“Fica
sob a torre o baptistério,no qual se vê um arco do século
XVI-XVII.A pia baptismal é obra manuelina,bem moldurada e com alguns
ornatos naturalistas.A capela do Santíssimo teve arco semelhante ao
da de S.Francisco,mas encontra-se cheio de estuques,segundo fórmulas
clássicas,muito usadas aquando da reconstrução da Igreja.As
janelas da capela-mór são do século XVIII,com cabeceiras de
recorte mistilínio”.
A IGREJA DE
S.CRISTINA,NA ACTUALIDADE
O que até agora referi,baseia-se em
documentos registados na obra de António Augusto da
Conceição,”Monografia de Condeixa-a-Nova” e nos cadernos
“Subsídios para a História de Condeixa”,coordenação de
Fernando de Sá Viana Rebelo e Isac Pinto.
No início da segunda
metade do século XX,a Igreja apresentava-se bastante maltratada.O
tecto,em abóboda e com afrescos,tinha forte infiltração de água
da chuva.Nas obras então efectuadas,repararam o telhado e cobriu-se
todo o tecto com paineis de madeira.Na parede norte foram abertas
duas janelas em arco geminado.A nível das capelas,algumas foram
restauradas e descobriu-se uma outra,do lado da epístola,que estava
entaipada. Foi também retirada a grade que dividia a nave.
A
última restauração,ocorreu já no final do século XX.Profunda
remodelação que envolveu a substituição total do telhado,no qual
foi colocada uma tela protetora contra infiltrações.Todo o soalho
da nave foi retirado, substituido por tijoleiras,renovadas ou
acrescentadas as pedras dos rebatos e colocado um lambril em azulejo.
Fazendo uma
visita à Igreja de S.Cristina,na actualidade,podemos observar alguns
pormenores curiosos que não são descritos na sua história e nem
sequer chamam a atenção imediata dos visitantes.
São alguns
desses pormenores que passo a descrever,advertindo que se trata
apenas meros exercícios de curiosidade e como tal devem ser
entendidos.
AS
CURIOSIDADES
Entre a capela do Senhor dos Passos e a
capela de S.Francisco,há uma tribuna,descrita em “Subsídios para
a História de Condeixa”desta forma:«Aos 9 dias do mês de
Dezembro de 1715,na Igreja de Santa Cristina deste lugar de
Condeixa-a-Nova,em mesa com o Juiz e mais oficiais da Irmandade do
Santíssimo Sacramento onde todos estavam presentes,chamados pelo
Andador ao som da campainha tangida como é antigo costume,pelo
senhor João de Sá Pereira,foi mandado apresentar uma petição com
visto de Sua Ilustríssima em que lhe concede licença para abrir
uma tribuna no corpo da Igreja,consentindo o povo,na parte onde se
acha o púlpito ou ficar mais decente para o púlpito ficar com mais
decência e sendo necessário recorrer a dita Irmandade lhe desse
licença para pôr o dito púlpito da outra parte defronte de onde
estava antigamente e como acharam não resulta detrimento à
Irmandade,antes dá mais utilidade para o ornato e compostura da
Igreja concederam os ditos Irmãos a dita licença que pedia,do que
se fez este termo que Juiz e Procurador e mais oficiais assinaram e
mandam se lançasse este termo no L.º da Irmandade.Cristovão de
Almeida,Juiz;João Dias,Escrivão,e Frutuoso Dias.»
A transcrição
diz ainda que a tribuna pertence à casa dos Condes de Anadia.
A
grade de ferro que protege a tribuna,tem um reposteiro preto em cujo
centro se acha bordado um escudo de armas curioso.Muito semelhante ao
emblema do Boavista Futebol Clube,apenas difere deste porque tem uma
coluna no meio do quadriculado e nele não existirem as letras BFC
(Boavista Futebol Clube)sob a coroa de marquês. Do
mesmo lado da igreja,e logo a seguir,é a capela de S.Francisco.Esta,
a encimar o arco já anteriormente descrito,tem uma pedra de armas e
a coroa de conde em relevo.
Três símbolos heráldicos diferentes numa propriedade que a Casa dos Sás,viscondes de
Alverca,reivindica como sua!
No lado da Epístola, há
a capela de de Santa Teresa (actualmente é dedicada a
Rainha Santa Isabel),a mesma que foi mandada restaurar pelo padre
Dr.João Antunes,como de resto se pode comprovar numa pedra colocada
do lado de dentro. O lindo arco,executado por João
Machado,tem alguns motivos lavrados.O mais interessante será uma
cara em baixo relevo que parece ser a do próprio Dr.João
Antunes.
A TORRE SINEIRA
A torre tem quatro arcos sineiros,cada um com o
respectivos sino, virados aos pontos cardeais.O sino de poente é
o maior,datando de 1807.Vulgarmente,é conhecido como “panela de
cozer batatas”porque é tangido durante a Procissão do Senhor dos
Passos.O seu som grave tocado ritmicamente,dá solenidade ao acto
que se recorda nessa época da Quaresma.Para dobrar o sino,é
necessário mais que uma pessoa.Antigamente,levava-se o sino à
posição vertical invertida(cozer batatas)e só depois se deixava
tombar,numa sequência de volta completa.O sino pequeno,do lado
nascente, é simultâneamente o mais antigo e data de 1778.Do lado
norte,o sino é de 1879 e do lado sul,de 1825.
Tem ainda a torre
um relógio mecânico/eléctrico de dois mostradores,com frentes para
norte e poente.Este relógio esteve longos anos parado.Possuía um
sistema eléctrico que martelava nos sinos os quartos de hora e as
horas.Na impossibilidade de recuperar esse sistema e porque
entretanto já tinha sido adquirido um relógio com aparelhagem
electrónica reprodutora de vários sons,apenas se procedeu à
reparação do maquinismo electro-mecânico do relógio.Desconheço a
razão porque actualmente se encontra desactivado.A encimar a
torre,um cata-vento em ferro simbolizando uma bandeira, sobreposto
por cruz de ferro trevada.
Um final poético, do Cancineiro de
João de Lemos:
Tange,tange,augusto bronze
Teu som
alegre e festivo
Despertando ecos do peito
Faz-me ficar
pensativo
Era assim que tu cantavas
Quando nasceu minha
mãe
Quando a viste ser esposa
E após ter filhos
também.
Choraste quando ao sepulcro...
Longe ideia tão
funesta!...
Era assim que te alegravas
Todos os dias de
festa.
Era assim que te folgavas
Quando fui,débil
menino
Mergulhar nas santas águas
O meu corpo pequenino.
Era
assim que ao Céu dizias
Acompanhando orações
-Mais um roubo
a satanás
Para Deus,mais um cristão.
Vou partir...talvez
não volte
Mas levem-me ecos da serra
Estes sons hei-de amar
sempre
O sino da minha terra!
Se inda aqui vier
morrer
Chora no meu funeral
E se for em terra alheia
Repete
o alheio sinal.
Tange,tange,augusto bronze
Teu som,casado
comigo
Inda na morte me agrada
Inda ali sou
teu amigo!
Esta descrição da Igreja de Santa Cristina,Matriz de Condeixa,não deve ser entendida como trabalho histórico.Tem apenas o valor de tema para blogue.
Esta descrição da Igreja de Santa Cristina,Matriz de Condeixa,não deve ser entendida como trabalho histórico.Tem apenas o valor de tema para blogue.
NOTA: As fotografias que ilustram o texto foram gentilmente oferecidas pelo Sr.º Rui Figueiredo Saraiva. Para ele, os meus agradecimentos.
Cândido
Pereira
Condeixa, Julho de 2012.
Condeixa, Julho de 2012.