domingo, 29 de novembro de 2009

...E AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS...

Com este titulo, pretendo homenagear cidadãos naturais de Condeixa ou aqui radicados e que a esta terra quiseram dedicar o seu saber e arte.
Começo,referindo uma figura há poucos anos desaparecida do nosso convívio: o Sr. Ramiro de Oliveira.
Pode dizer-se que a história cultural da vila,especialmente no aspecto musical e poético,não seria a mesma se não tivesse existido a familia Oliveira.Desde o início do século XX até ao seu final,qualquer evento cultural de vulto na vila,tinha a marca indelével de um ou mais elementos do clã Oliveira.Filarmónicas,Ranchos Foclóricos,peças de teatro ou revista ,Marchas celebrando os Santos Populares,em tudo se podia constatar essa participação.
Ramiro de Oliveira era filho de um inspirado cultor musical,cujas composições ainda hoje fazem parte do repertório de grupos folclóricos,Mestre António de Oliveira. Era também irmão do Maestro Saul de Oliveira Vaio,dirigente musical e compositor de mérito.
Embora de apurado sentido musical,como seria de esperar,a sua vocação no entanto era a poesia.Desde muito novo começou a escrever para as composições do pai ou do irmão.
Embora um pouco espartilhado pela condição de letrista,obrigado a obedecer a um padrão específico,já liberto dessa amarra,na última fase da sua vida deu largas ao estro e transbordou em poesia admirável.Não quer isto dizer,evidentemente,que tenha sido menos importante a poesia para canções!Aliás,foi por essa forma de exprimir os seus sentimentos que Condeixa pode orgulhar-se de possuir um vastíssimo repertório de lindas melodias.E que paleta de sentimentos!"...Canta Condeixa inteirinha-No cortejo que ora passa-Canta o Outeiro,Condeixinha-A Avenida e a Praça-Canta a Barreira,os Pocinhos-E a restante freguesia-Cantam os ricos...pobrezinhos (a lembrar os passarinhos)-Nesta hora de alegria!"
Esta vila já deu ao País o seu contributo intelectual,através de músicos,pintores,romancistas...mas jamais algum soube mostrar, de forma tão expressiva,o amor pela terra natal:"Esta Condeixa maravilhosa-Não é quimera,é Primavera-É luz radiosa por toda a parte!-Os seus recantos,são lindas telas-São aguarelas.São obras de arte!"
Ramiro de Oliveira, que morreu em 2002, com 94 anos,deixou-nos também vários escritos de memória(e que memória ele tinha!),da Condeixa de outras eras.Foi um desses escritos que encontrei agora num Boletim editado pela Câmara Municipal em 1978.Porque entendo ser bastante interessante para quem quiser conhecer a vila do princípio do século XX, permito-me publicar textualmente o que escreveu,com a certeza que,pela grande amizade que nos unia,decerto teria a sua autorização.Tenho muito orgulho de ser seu conterrâneo!
«Apontamentos para os carolas» por:Ramiro de Oliveira
São hoje apelidados de saudosistas os que,por tudo e por nada,enchem a boca no passado e, em muitos casos,há nesse conceito justificada razão.Mas...nem sempre é assim.Não haverá em cada um de nós,na dúvida do presente em que vegetamos,recordações de um passado argamassado de sacrifícios,aventuras e glórias;a confrontar-se com a incógnita de um futuro envolto em trevas,com perspectivas indefenidas e talvez catastróficas,que apetece lembrar a cada momento? Não haverá um anseio que nos desnorteia,um querer de felicidade que nos escapa das mãos ao mais leve sopro do querer de outros,que por caminhos diversos a procuram também?
Recordar e falar do passado não agrada a alguns,mas em especial aos que por lá deixaram roupa suja,que desejam no esquecimento.A verdade é que a história só pode fazer-se,lembrando e registando factos passados,enquanto houver quem deles tenha directo conhecimento e se disponha a testemunhá-los.Assim,não só não se deturpa a verdade,como se arranjam apontamentos para a história,sem lendas fantasiosas.
É possivel que,por divergência de ideias ou por formação egoísta,haja quem pretenda reivindicar para os círculos da sua simpatia,ou doutrinas que professa,o exclusivo da razão,as virtudes de quanto de bom se tenha criado sobre a terra;os males,os defeitos,o passado indesejável,são sempre obra dos outros.Coerentes com os nossos pricípios de absoluta independência,alheios a interesses pessoais ou políticos,iremos justamente lembrar alguns factos do passado,mas somente para deixar para a história de Condeixa,apontamentos que dentro em pouco seria impossível recolher com verdade porque,de quantos os viveram,poucos restam e todos sem esperança de longa vida.
Por hoje,vamos alongar-nos relatando factos relacionados com a demolição do Palácio dos Sás e com a abertura das ruas efectuada na masma altura, na extensão total de 650 metros.Estávamos em 1926 e devido a metódica orietação imposta pelo Presidete da Câmara Municipal à administração dos dinheiros públicos,(ocupava então esse cargo o saudoso benemérito Dr.Fortunato de Carvalho Bandeira) o saldo disponível era substancial para a época.Foi nessa altura que a nova vereação presidida pelo Tenente José Pires Beato e resultante das alterações políticas verificadas no país,entrou cheia de ambições e de certo modo afortunada nas suas iniciativas,desde logo facilitadas pelo desafogo do erário público e pela generosa colaboração que a Casa Alverca e a Quinta de S.Tomé lhe dispensaram.A sua acção teve início com a aquisição da chamada Terra da Galega,100 metros a nascente da Escola Conde de Ferreira(nota:compreende as ruas: Dr.Pires de Miranda,Combatentes da Grande Guerra,final da Avenida e António de Oliveira).
Terreno saibrento,pobre para culturas,oferecia óptimas condições para urbanizar e foi para ali que convergiram as primeiras atenções do Município.Abriram-se esgotos,construiram-se os passeios e surgiu a primeira rua numa extensão de 1oo metros.Retirado o terreno para a Escola feminina,a construir alguns anos depois,os terrenos laterais foram vendidos em talhões,com a condição de serem edificados no prazo máximo de três anos,sob pena de voltarem à posse da Câmara,mas...ainda hoje continua a ser uma rua de muros! Até há pouco a rua terminava junto à Escola e só agora lhe foi dada saída para a rua da Serrada.
Entretanto as propostas feitas à Casa Alverca foram concretizadas e a Câmara comprou as ruínas do velho Palácio para alargar a Praça da República,então resumida a metade do que é actualmente e a Casa Alverca cedia gratuitamente os terrenos para abrir uma avenida e construir o Mercado Municipal(nota:no local do actual Quartel dos Bombeiros),mas condicionava essa oferta:a abertura tinha de ser rigorosamente feita ao centro do terreno para que a dadora pudesse lotear e vender os terrenos laterais para construções.Assim, a orientação dessa nova artéria com cerca de 250 metros então,ficou logo traçada.Mas o desejo da Câmara era ligá-la à primeira rua aberta,a rua dos Combatentes da Grande Guerra, (nota:até à Policlínica de Condeixa,na Serrada )e nesse sentido já entrara em contacto com o Visconde da Quinta de S.Tomé,proprietário dos terrenos confinantes Era desejo geral,então,que a avenida seguisse em linha recta,o que se tornava impossível devido à Levada da Serrada,que alimentava um moínho e o lagar de azeite,à data o melhor do concelho.A cedência do terreno necessário para o prolongamento da avenida seria igualmente gratuita,mas...só passando em frente ao lagar!
Não havia outra opção e a Câmara teve de aceitar.Eram mais 120 metros de extensão de terreno que recebia gratuitamente,embora o proprietário beneficiasse da valorização do restante,mas assim a avenida encontrava o seu ponto de saída,embora maculada por um cotovelo que não foi possível evitar-se.(nota:a Avenida derivou, desde o Mercado (Bombeiros),até terminar na junção com a rua dos Combatentes,junto à sede da Casa do Benfica).
Consumadas as negociações, em ritmo acelerado construiram-se passeios e o esgoto para as águas pluviais,plantaram-se árvores,pavimentou-se a faixa de rodagem e, em curto espaço de tempo,as construções sucediam-se a ritmo acelerado e esta transformou-se desde logo,na principal artéria da vila.
Mal as obras haviam sido concluídas,já nova rua se abria na direcção da rua da Palmeira(nota:actual rua Dr.João Antunes) e numa extensão de mais de 200 metros,mas para pôr ponto final durante 40 anos,ao crescimento de Condeixa.
Com estes apontamentos,só vivos na memória de poucos,aqui deixamos o nosso depoimento,para que não vão para a vala do esquecimento factos que no futuro possam ter interesse para a história da Vila.