domingo, 17 de janeiro de 2010

O TEATRO EM CONDEIXA

O teatro português,pensa-se,nasceu em 1502 pela mão de Gil Vicente,quando representou perante a corte de D.Manuel I o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação,festejando assim o nascimento daquele que viria a ser o rei D.João III.
A Europa saía da longa noite da Idade Média e entrava decididamente na era renascentista.
Em Portugal,após o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e o "achamento" do Brasil,operaram-se fundas transformações,tanto a nível cultural como arquitectónico.
O jovem príncipe que Gil Vicente homenageou,depois de coroado rei,fixou definitivamente a Universidade na cidade de Coimbra,em 1537.E essa radicação muito veio influenciar a cultura da região.
Condeixa,que em tempos não passava de simples freguesia de Coimbra,desde longa data recebeu benéfica influência,no plano arquitectónico,com o aparecimento de belos palácios e solares.
Culturalmente,data do século XIX a fundação de um agrupamento de teatro amador.
Em 1814,mais de trinta anos antes de a vila ser elevada à categoria de sede de Concelho,por carta régia de D.Maria II,um pequeno grupo de pessoas decidiu iniciar uma actividade que lhe permitia ocupar os tempos livres,recreando o espírito.
Na Rua de S.João(actual R.Francisco de Lemos),possívelmente num prédio que existia entre a Capela da Senhora da Piedade(Capela do Palácio) e a casa da família do Dr.João Ribeiro(outra hipótese é uma casa em frente ao portão de serviço do palácio,um velho prédio actualmente desabitado),na residência de Salvador Pena,este líder do grupo de amadores teatrais criou o 1º Agrupamento de Teatro Amador de Condeixa. O local era exíguo e,para além do palco,pouco mais restava para acomodar o público.Mesmo assim,o pequeno teatro esteve em funcionamento até 1828,terminando a actividade devido à luta fratricida entre liberais e absolutistas, que dividiu o País e teve também graves repercussões em Condeixa.
Cerca de vinte anos mais tarde,já saradas as feridas de guerra,um novo grupo de entusiastas conseguiu de Fortunato Maria dos Santos Bandeira a cedência do sobrado de uma casa na Rua Nova(R.Venceslau Martins de Carvalho.O prédio do teatro,é hoje um velho barracão situado em frente ao edifício da Santa Casa da Misericórdia).Este pequeno teatro,de condições precárias,foi inaugurado com a comédia "Barba Roxa" e manteve-se em actividade até 1865,data em que Fortunato Bandeira cedeu os restantes compartimentos da casa.Logo se iniciaram obras que tiveram como efeito o aparecimento de uma casa de espectáculos bastante aceitável para a época.A sala comportava cerca de 200 espectadores e à sua volta foi construída uma galeria à altura de dois metros,no centro da qual,ao fundo, se fez um camarote para o dono do prédio e sua família,única exigência de quem,durante muitos anos, não foi dono da sua própria casa.
Para a inauguração deste teatro,foi escolhida a obra de Almeida Garrett,"O Camões do Rossio",peça dirigida pelo Dr.António Simões dos Reis.Posteriormente outros encenadores assinaram mais grandes êxitos.Entre eles,destacam-se os nomes de António José Pena e António Ferreira Pena,sendo o último considerado o mais competente ensaiador que Condeixa teve.
Entretanto,alguns dissidentes criaram a sua própria casa de espectáculos,curiosamente na mesma rua,o que motivou o aparecimento de uma placa denominando aquela artéria como"Rua dos Teatros".
Evidentemente,a existência de dois agrupamentos teatrais numa pequena vila,gerou grande rivalidade,com a terra dividida nas preferências.A balança pendia para o lado do Teatro do Bandeira,em detrimento do Teatro do Simões, nomes como eram conhecidos os grupos.Apesar da preferência do público, o Teatro do Simões obteve muitos êxitos,tendo inclusivamente tido o mérito de atrair para o elenco a presença de elementos femininos,coisa quase inconcebível para a época.Mas só assim foi possível representar "O Nascimento de Cristo",peça de grande impacto,como se imagina.
Por incrível que pareça, o fim do Teatro do Simões ficou a dever-se a um cortejo carnavalesco.
Um dos maiores êxitos do grupo foi a récita "O Enterro do Catimbau".Esta comédia exigia a presença de um cavalo,mas dada a reduzida dimensão do palco,o ensaiador optou por substituir o equídeo por um asno.Só a passagem do jerico para os ensaios constituía óptima propaganda.
No Domingo Gordo de 1870,um grupo de brincalhões teve a ideia de parodiar a peça.O cortejo começou na Faia e atravessou a vila em direcção ao Paço.Todos os intervenientes da comédia eram troçados o que,como se calcula,acabou por ferir a susceptibilidade de alguns ,que resolveram acabar com a brincadeira.À força,claro,com cabeças partidas e prisão para os desordeiros.Embora na altura se apontasse o dedo aos elementos do Teatro do Bandeira,parece que isso não correspondia à verdade.Seja como for,certa foi a dissolução do elenco e encerramento do teatro.
Agora o Teatro do Bandeira,sem outro a fazer-lhe sombra,prosseguia calmamente o caminho,sempre semeado de êxitos,mas também de episódios deveras curiosos.Um dia,representava-se o drama"Santo António",com a sala cheia.A meio do espectáculo gerou-se um conflito na assistência,tendo alguns espectadores timoratos abandonado a sala e os actores obrigados a interromper a função.Então,Santo António com o seu hábito de franciscano e o Diabo,vestido de vermelho,foram para o meio do público.Lúcifer,de mãos postas,pedia por amor de Deus que acabasse a desordem e Santo António,que fora de cena era o empresário do teatro,gritava palavrões e distribuia generosamente alguns tabefes.Quando o público se apercebeu do ridículo da situação,desatou às gargalhadas e o espectáculo prosseguiu em boa ordem.
De outra vez,António José Pena ensaiou um dramalhão de faca e alguidar,tipo de peça muito ao gosto desse tempo.No dia da estreia a sala estava apinhada.Porém,logo que começou o espectáculo,o público,em vez de se comover com as cenas dramáticas representadas,ria desalmadamente,para desespero do ensaiador.Só ao intervalo é que alguém explicou o mistério.O ponto,um velhote muito alegre e simpático,reagia ao desenrolar da peça como se estivesse a representar.Ria,chorava,fazia esgares e gestos e até indicava as entradas e saídas de cena.Tudo isto passaria despercebido se não fosse a existência de um grande espelho colocado no fundo do palco e que reflectia a actividade do ponto no seu buraco!É claro que os espectadores divertiam-se mais com essas cenas do que com o dramalhão.
O Teatro do Bandeira,apesar do êxito das representações,teve o seu fim 1905.Vale a pena contar as razões que motivaram o término deste notável agrupamento.Dou a palavra aos autores de"Subsídios para a História de Condeixa",Isaac Pinto e Fernando de Sá Viana Rebelo:
«Como tudo na vida,o Teatrinho do Bandeira teve o seu fim.Em 1 de Março de 1905,foram levadas à cena duas peças:"Máscara Verde",comédia em dois actos e "Inquilinos do Sr.Pantaleão",em 1 acto.Foi o último espectáculo que lá se realizou.Os louros conquistados nas últimas representações envaideceram demasiado alguns "artistas" que passaram a notar no teatro defeitos e falhas,como falta de conforto,lotação demasiado pequena,palco exíguo,etc.E tudo virou costas à casa que tão hospitaleiramente e sem interesse recebera a rapaziada de Condeixa.Esta terra é de extremos,ora apoia vibrantemente,ora cai em mórbida apatia.Na hora da debandada,poucos se recordam das noites plenas de emoção que os condeixenses viveram no velho teatro,como por exemplo a inauguração do Orfeão,em 1903,a dos espectáculos da Tuna constituída por sócios da Sucursal do Real Instituto de Lisboa e tantos outros...»
O facto de ter acabado o Teatro do Bandeira,não significa que tenha terminado o interesse pela arte de Talma em Condeixa.
Na verdade,quatro anos depois,António Júlio Monteiro e Joaquim Augusto Simões construíram um barracão,mais ou menos no local onde hoje se situa a firma Coelho&Viais. Tinha vasto palco,camarins e plateia com capacidade para 300 pessoas.
Muitas foram as peças ali representadas,não só por amadores da terra,mas também por grupos profissionais de teatro itinerante,muito vulgares na época.
Também a primeira projecção cinematográfica a que Condeixa assistiu,foi lá apresentada.
Com a implantação da República,o salão passou a servir apenas para sessões políticas.Depois,um incêndio destruiu tudo.
Em 1932,por breve espaço de tempo,funcionou na Quinta de S.Tomé um agrupamento.Mas nesse mesmo ano foi inaugurado o Cine-Avenida e Condeixa passou a usufruir de óptima casa de espectáculos.Embora inicialmente concebida só para cinema,em breve o proprietário a adaptou de forma a poder servir ao teatro.
O Grupo Cénico Dr.João Antunes,recentemente criado,ali representou várias peças e revistas musicais,nomeadamente:"Noites de Santo António","O Solar dos Barrigas" e"Secas e Picadas",esta uma revista de grande êxito,já pela graça dos seus quadros,como pelas músicas admiráveis do Maestro António de Oliveira,canções que continuam a ser escutadas com muito prazer.
Durante mais de três dezenas de anos de existência activa,o Cine-Avenida,a par das projecções cinematográficas,foi inúmeras vezes utilizado para os mais diversos tipos de espectáculos.
O teatro constituiu sempre uma preocupação e uma necessidade cultural de Condeixa.Porém,nunca foi uma actividade constante,antes pelo contrário. Cíclicamente,surgiam arroubos de grande entusiasmo,seguidos de períodos de apatia..Por isso,não é de estranhar,o aparecimento ao longo dos anos,de diversos grupos teatrais.
No princípio da década de 1950,teve preponderância o Clube de Condeixa que criou um agrupamento cénico.Com a direcção de João Pimentel das Neves,encenador com grandes responsabilidades no renascimento do teatro,foi levada à cena uma peça que imediatamente obteve êxito.Tratava-se da comédia em três actos "O Conde Barão".
Também nesse ano,o Externato Infante D.Pedro,recentemente instalado na vila sob a direcção do Dr.Luís Cardoso do Vale,apresentou no Cine-Avenida um espectáculo com duas peças:"D.Filipa de Lencastre",de Almeida Garrett e "Todo o Mundo e Ninguém",de Gil Vicente.Ambas foram protagonizadas pelos alunos do Colégio.
Em 1954,para comemoração do 1º Centenário da morte de Almeida Garrett,reapareceu o grupo do Clube para registar a efeméride, com uma "Semana de Garrett".
Os espectáculos tiveram lugar no pátio do palácio Sotto Mayor,em Agosto de 1954.
Abriu o evento o grupo da terra com a peça em três actos,"O Camões do Rossio"de Garrett.Durante a semana,decorreu um recital de poesia pelo crítico de teatro Goulart Nogueira,uma palestra pelo Dr.António José Saraiva e,a fechar, uma representação do drama de Almeida Garrett,"Frei Luís de Sousa,pelo Grupo de Instrução Tavaredense.
Após esta manifestação cultural,novo interregno até 1956,data da inauguração da Casa do Povo.Novamente o Clube de Condeixa em cena,com duas peças de um acto:"O Tio Simplício",de Ramada Curto e "O Desporto Rei" de Romeu Correia.Por doença súbita do escolhido ensaiador,João Pimentel das Neves,quem dirigiu o grupo foi o Dr.Manuel Deniz Jacinto.
Outra vez a história a repetir-se! Mais uma paragem,sem futuro definido. Novamente Isaac Pinto e Fernando Rebelo,a dizerem:«...Até quando?Não sabemos!As manifestações de colectivismo em Condeixa surgem sempre de repente,pletóricas de entusiasmo e de projectos,mas também morrem depressa e, se vingam,lembram quase todas, pela efémera duração,as celebradas "Rosas de Malherbe"! Porque havia o teatro de fugir à regra?..."
Mas em 1959,por ocasião da homenagem ao Maestro António de Oliveira,decorreu na Casa do Povo uma série de três saraus de música e teatro,fazendo parte deste último, vários quadros da antiga revista"Secas e Picadas".
Já no final da década de 1960,novo agrupamento pertencente ao Clube,apresentou peças por mim,Cândido Pereira,ensaiadas .
Entretanto chegou a Condeixa um animador da então designada Junta de Acção Social,organismo ligado à F.N.A.T.(Fundação Nacional para Alegria no Trabalho),o actor profissional Nunes Vidal,antigo elemento do Teatro Experimental do Porto.Dramaturgo e profundo conhecedor da arte teatral,criou um agrupamento chamado Teatro do Povo,que realizou muitos espectáculos dentro e fora de Condeixa.
Após esta experiencia,outra paragem! Só em 1979 é que foi retomada a actividade teatral,ainda na Casa do Povo.Uma revista e várias peças de teatro foram apresentadas,com a particularidade da criação de um grupo de teatro infantil.
Como essa actividade foi da minha responsabilidade como encenador,prefiro que sejam outros a registar o facto.
Condeixa,Janeiro de 2010-Cândido Pereira

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

LUGARES DE CONDEIXA-A RUA PRINCIPAL

A PRAÇA



O antigo Terreiro,passou a designar-se Praça da República logo após a implantação desta.

Porque é um espaço muito importante da vila,terá na devida altura direito a crónica própria.

À esquina da estreita entrada para Condeixinha,há um grande edifício revestido de pedra,o único exemplar do género existente na terra porque o proprietário era dono das pedreiras de Condeixa-a-Velha,onde se extraiam as mós de moinho,as melhores,exportadas até para o estrangeiro.

Neste prédio está ainda instalada a Farmácia Rocha.O pai das actuais proprietárias,Dr.Júlio Pires da Rocha,licenciado em Farmácia,era criador de vários medicamentos que manipulava no seu laboratório.

Até há bem pouco tempo,a farmácia configurava-se como exemplar característico dos estabelecimentos congéneres do século XIX.

Armários onde se alinhavam os diversos medicamentos,um pequeno balcão e ao centro deste a indispensável balança de precisão encerrada num cofre de madeira e vidro.

Embora muitos dos medicamentos fossem já de venda comum nas farmácias,alguns remédios eram ainda de outro século:papas de linhaça que tanto davam para amolecer um furúnculo como para tratar uma pneumonia;pomada das infecções,negra como pez,vendida em pequenas caixas cilíndricas,além dos "poses p'ró estômago",soluções alcalinas ou simplesmente bicarbonato de sódio.´Até aos meados do século XX,o passeio da farmácia servia de local de tertúlia onde ao fim da tarde se reuniam algumas das personalidades da vila(médicos,juiz,pároco,etc.).


Um pouco mais adiante,o Café Imperial,de António Caridade Paula(António Miro).

Creio ter sido em 1945 que uma antiga loja de cereais há muito encerrada,foi transformada num belo café,cotado entre os melhores do distrito.

Amplo,tinha nas paredes laterais grandes espelhos redondos e candeeiros a gás,para suprir a eventual falha eléctrica e um lindo tecto de gesso repuxado e pintado,dando a ideia de lago de águas encrespadas brilhando em prata.O robusto mobiliário de madeira,foi executado por encomenda.

Na frontaria,uma pequena montra de um lado e larga vidraça do outro,conferiam ao estabelecimento boa luminosidade.Completava o conjunto a esplanada,roubada ao espaço do passeio,com pala superior de armação de ferro e vidro martelado.

Devido à magnífica localização,o Café Imperial era o mais frequentado da vila.Mas o proprietário também contribuía para a reputação do estabelecimento.Competente profissional,sabia como servir bem os clientes.

O lote de café era das melhores marcas e a máquina,duas elevadas torres niqueladas,com torneiras,aquecida por fogareiro a petróleo,só utilizava a quantidade de café conveniente para o correcto número de "bicas".As borras,ainda com boa capacidade de reutilização,eram dadas a pessoas necessitadas.

Antes do advento da televisão,os relatos de futebol através da rádio,especialmente os desafios de hóquei em patins,no tempo áureo da Selecção Nacional,campeã mundial da modalidade,eram escutados com fervor no rádio do café.E os clientes deliravam com os fantásticos golos do Jesus Correia ou do Sidónio Serpa e as defesas acrobáticas do Emídio Pinto.

O Café Imperial foi indubitávelmente um marco da vida social condeixense daquela época.

O prédio seguinte,era um estabelecimento de fazendas e pertencia a Manuel Alípio Coelho de Paula.(hoje é um restaurante).


Depois,a mercearia de David Salazar.No subterrâneo da sua casa existia uma gruta,a "cova funda",que ia quase até ao meio da Praça,paralelamente ao troço escondido do rio Caldeirão,exactamente ao encontro do local onde se situava a frontaria do prédio,posteriormente demolido,do Palácio dos Sás.Dizia-se que esse túnel servia,em tempos remotos,de escapatória aos proprietários do palácio,caso se tornasse necessário.


Logo a seguir,na esquina,a pequena papelaria da Sra.Marquinhas Pena,vulgarmente conhecida como "Marquinhas Bicha".Recordo-a como uma senhora de idade,baixinha e muito simpática,que vendia os cadernos e as lousas para os miúdos das escolas e falava com eles como se estivesse a tratar com adultos.No mesmo prédio,depois da esquina,a loja de sua filha,Soledade(Bicha).O estabelecimento tinha prateleiras onde se alinhavam urnas de pinho cru,sem qualquer ornamento.Curiosamente,apesar da estranha mercadoria,a loja não inspirava a natural aversão que motiva a presença dos artefactos macabros.


Depois,a papelaria de Isaac Pinto,com departamento de fotografia,esta última função da responsabilidade de seu filho José Pinto,fotógrafo artista,de quem ainda hoje podemos apreciar valiosos clichés que retratam o quotidiano condeixense do tempo.Isaac Pinto foi uma das mais importantes figuras culturais da vila,na primeira metade do século XX.Conhecedor profundo da vida social e cultural de Condeixa por nela participar activamente,foi,como ele um dia escreveu no jornal "A Pátria",co-fundador do Orfeon de Condeixa.Deixou para a posteridade grande número de escritos que documentam não só a época,mas factos antigos obtidos por persistente investigação.Muitos desses testemunhos,manuscritos,ficaram em mãos de familiares ou amigos e nunca foram editados.Felizmente,um dos mais importantes,um trabalho reunido em onze fascículos com o título genérico "Subsídios para a História de Condeixa",realizado em parceria com o veterinário municipal Dr.Fernando de Sá Viana Rebelo,foi editado pela Tipografia Ética,de Condeixa.Também a Igreja de Santa Cristina,na reconstrução que sofreu no princípio do século XX,beneficiou bastante com a sua sensibilidade artistica e profundo conhecimento da história daquele templo.Dos diversos artigos vendidos na papelaria:jornais,revistas e livros,contava-se uma publicação bissemanal de banda desenhada,"O Mosquito",bastante apetecida pelos garotos do meu tempo.Na falta de capacidade monetária para a adquirir e como o meu pai era assinante do jornal "O Século",em dia de saída do caderninho de bonecos,era eu que ia buscar o diário pois o Sr.Isaac deixava-me ler aquela edição infantil.No mesmo prédio,o Café Conímbriga,propriedade de José Pinto e Jaime dos Santos.Este café tinha nas paredes interiores belos frescos alusivos a alguns dos mais interessantes mosaicos de Conímbriga.


Com este estabelecimento,termina a Rua da Praça.


LARGO RODRIGO DA FONSECA MAGALHÃES


Começa o Largo,com a Igreja Matriz,dedicada a Santa Cristina,padroeira dos moleiros,profissão muito disseminada na vila.

Dizem os historiadores que em 1502 quando o Rei D.Manuel I passou a caminho de Santiago da Galiza,por achar a igreja muito pequena e em mau estado de conservação,mandou que novo templo se construísse.Disso encarregou os frades de Santa Cruz de Coimbra.Recorro à Monografia do Capitão Santos Conceição,que refere o livrinho do Cartório daquele Mosteiro,datado de 1521:"Contrato e obrigações que fizeram os moradores de Condeixa-a-Nova à fábrica do corpo da Igreja e altares dela;e o mosteiro se obrigou à fábrica da Capela Mor".Já em 1522,dizia o mesmo livro:"Obrigação que fizeram os moradores de Condeixa-a-Nova de darem toda a prata que for necessária para ornato e serviço da Igreja de Santa Cristina".

A nova Igreja deve ter sido acabada em 1543.Possui ampla nave e tinha o tecto abobadado,pintado com lindos frescos que,devido às sucessivas inflitrações da chuva, ficou bastante degradado e foi coberto com paineis de madeira,já na década de 1960.A Igreja,toda feita em pedra de Ançã lavrada,tinha os lambris das paredes interiores forrados com azulejos dourados.Havia nesta Igreja três capelas particulares,uma de D. Lourenço de Almada,senhor do Paço dos Almadas,outra de João de Sá Pereira,da Casa dos Sás e ainda outra dos Morgados de Morais Botelho,da Casa do Salgueiro.Hoje só a Casa dos Sás mantém a "sua" Capela.

O templo foi completamente destruído por incêndio durante as invasões francesas e muito mal restaurado no século XIX,quando inclusivamente entaiparam algumas capelas.No início do século XX foi remodelada com grande rigor,graças à sensibilidade artística e intelectual de Isaac Pinto e do Padre Dr.João Antunes.

Em frente à Igreja,um edifício que foi propriedade de João Pimentel das Neves,personalidade de grande importância no percurso cultural da vila.Foi encenador de vários grupos de teatro amador e ocupou ainda por diversas vezes o cargo de presidente do Clube de Condeixa.Em 27 de Abril de 1974,chefiou a Comissão Administrativa da Câmara Municipal,conjuntamente com António Caniceiro da Costa e Fortunato Pires da Rocha.

O prédio ao lado pertencia a José Dias Ferreira e,como já tive oportunidade de referir,foi ali que nasceu Rodrigo da Fonseca Magalhães.No rés-do-chão está instalado o mais antigo estabelecimento de Condeixa,sempre do mesmo ramo,uma centenária loja de ferragens.

No espaço entre o corpo da Igreja e os actuais Paços do Concelho,existiu também outra loja de ferragens que pertencia à família Pires Machado,mas era conhecida como "a loja do Sr.Franklim".

O largo que se inicia após este estabelecimento era um dos locais utilizados pelo mercado bissemanal e por isso conhecido como Feira das Galinhas.O seu nome verdadeiro é:

LARGO ARTUR BARRETO

O edifício dos actuais Paços do Concelho domina todo o local.Datado da primeira metade do século XVII,pertenceu aos Condes de Portalegre e também foi conhecido como Palácio do Capitão-Mor.Para a posteridade ficou no entanto o nome de família de um dos proprietários,Figueiredo da Guerra,embora a pedra de armas que ostenta sobre o portão seja dos Cabrais,também seus antigos donos .

Numa visita que fiz às ruínas da Quinta de S.Tomé,vi embutidos na parede interior da capela dois brasões dos Figueiredos da Guerra,sendo um deles presumivelmente o que esteve na frontaria do palácio do Largo Artur Barreto.Tem forma rectangular e é ladeado por duas volutas,uma invertida da outra.Lavrado em pedra calcária(Ançã?),está decorado com artistico entrelaçado de folhas de acanto gótico em relevo.No centro tem um escudo no qual estão cinco folhas de figueira,duas em cima,duas em baixo e uma ao centro.De cada lado desta,as letras A e I.A encimar o escudo,um elmo com leão coroado .Por cima desta pedra,estava um escudo mais pequeno,em tudo semelhante ao anteriormente descrito,mas sem leão sobre o elmo.Dado o estado de ruína da referida capela e temendo a derrocada iminente com a consequente destruição das pedras de armas,em 2005 pedi ao Presidente da Câmara,Eng,Jorge Bento que as mandasse retirar.Ele mais tarde informou-me tê-lo feito e ordenado que fossem recolhidas no estaleiro(?),junto ao cemitério!

Na terceira invasão francesa,as tropas de Massena e Ney,além de muitos outros edifícios da vila,também vandalizaram e incendiaram o palácio dos Figueiredos da Guerra.Em 1857 foi vendido a Albino Justiniano de Carvalho,que o mandou reconstruir respeitando a primitiva arquitectura.Porém os belos azulejos do século XVII representando motivos de caça e que decoravam as escadas e varanda do pátio interior,não foram recuperados.O velho edifício foi posteriormente herdado por Artur da Conceição Barreto que o doou,juntamente com alguns prédios confinantes,à Fundação Hospital D.Ana Laboreiro d'Eça.Já no século XX estiveram lá instalados vários serviços.No 1º andar,o Tribunal Judicial e a sede do Clube de Condeixa.No rés-do-chão,um armazém de mercearias,um estaleiro de materiais de construção e uma oficina de marcenaria.Entretanto a Câmara adquiriu o imóvel.Depois de profundas obras de reconstrução e remodelação,transformou o vetusto edifício em Paços do Concelho,um destino que dignificou os serviços ali instalados e preservou o património arquitectónico da vila.

A velha Feira das Galinhas é hoje um agradável jardim que colocou em maior destaque o Monumento aos Mortos da 1ªGrande Guerra,o primeiro a ser erigido no nosso país,exactamente em 9 de Março de 1921.Quando o largo era um simples terreiro,ali se realizavam espectáculos ao ar livre com companhias de saltimbancos,grupos de acrobatas que percorriam o país de lés a lés,actuando nas pequenas localidades.

Em frente à Câmara,o prédio que tem a placa com o nome do largo,foi desenhado pelo conceituado arquitecto Raul Lino,autor de vários projectos como a"Casa dos Patudos",em Alpiarça e o palacete do Dr.Ângelo da Fonseca,onde está instalado o Governo Civil de Coimbra.

Paredes meias,era a loja de solas e cabedais de José Lopes Cardoso que no Canto,por detrás do prédio do estabelecimento,montou uma pequena industria de manufactura de calçado.A sapataria tinha uma curiosa forma de comercializar a sua mercadoria.Os clientes adquiriam uma caderneta onde era afixada a quantia periódica paga e constituía no final,a importância do valor comprado.A cada caderneta era atribuído um número.Semanalmente,se esse número correspondia aos últimos algarismos do primeiro prémio da lotaria nacional,o dono da caderneta era brindado com a oferta do calçado sem precisar de continuar a pagar prestações.

Depois de um breve passeio que marcava a antiga cota do largo, existiu um alto patamar com escada.Quando se fez o rebaixamento da rua que segue para a Faia,as casas já existentes ficaram numa cota superior.Daí a necessidade de construir patamares para seus acessos.

A terminar o Largo Artur Barreto,a casa onde nasceu o médico e romancista Dr.Fernando Namora que legou todo o seu espólio literário e pictórico a Condeixa.Hoje o prédio é a Casa Museu Fernando Namora.

RUA D.ELSA FRANCO SOTTO MAYOR

Começava a rua com o armazém de vinhos da firma Moita & Companhia,um longo barracão de parede e telhado,com tonéis e vazilhas do alcoólico líquido.Esta rua,no meu tempo,pouco tinha a assinalar.A actual Rua Fernando Namora,(que ia dar aos terrenos do Paraíso,ao fundo da fonte do Outeiro,um local várias vezes utilizado para instalações de circos e barracas de diversão ou,por vezes,barracas de teatro itinerante), tem mesmo à esquina,um prédio que,quando andava em construção originou um episódio engraçado.A futura inquilina foi ver como decorriam as obras.Ao passar junto à inacabada casa-de-banho,disse ao dono da obra:"Então e o bidé?Não se equeça de mandar colocar o bidé!".O homem que nunca tinha ouvido falar em tal coisa,calou-se.Durante o decorrer da visita,a senhora falou várias vezes no acessório e quando ia a despedir-se,ainda recomendou:"Não se esqueça do bidé!"Aí ele passou-se!Desconhecendo em absoluto para que servia tal coisa,perguntou desabridamente:"P'ra que raio quer a senhora o bidé?"A casa ficou,após isto,conhecida como "a casa do bidé".

Quase ao fim da rua existia a Fonte da Caraça,designação para mim incompreensível pois nada lá havia que justificasse o nome.Localizava-se numa cota bastante inferior à rua e o acesso fazia-se através de escada de longos degraus.A fonte,própriamente dita,era bonita,toda em azulejos policromados,mas o local estava sempre conspurcado.As pessoas lançavam de cima toda a qualidade de lixo e,como era habitual naquele tempo,por falta de instalações sanitárias,muita gente aproveitava o facto de ser um sítio recatado e utilizavam-no como retrete pública.Aliás,não era apenas a Fonte da Caraça que servia de sentina.O Penedo,local ermo e sem iluminação,era por excelência o sítio mais apetecido.

Quando construíram as instalações da Casa do Povo,a fonte foi tapada.Mas nessa altura retiraram de lá os bonitos azulejos que hoje estarão a decorar algum jardim particular.

Um pouco mais abaixo,junto ao actual acesso ao Quartel da GNR,era a Auto-Mecânica de Condeixa,um estabelecimento polivalente com estação de serviço,lavagem de viaturas,venda e mudança de pneus,oficina de automóveis,secção de pintura e bombas de abastecimento de combustíveis.Edificada no início da década de 1950,era bastante moderna para a época.

Mais além,aquela que deu nome popular à rua,a Faia,uma frondosa árvore bem no entroncamento de três vias importantes,a Estrada Nacional nº1,a estrada para Soure e a estrada para Alfarelos.

O nome derivava do facto de ali ter existido uma grande árvore desta espécie.No entanto,aquela que chegou aos nossos dias,mesmo centenária,não era faia.Podemos talvez situá-la na família dos plátanos.A Faia,apesar de ser considerada árvore de interesse público por decreto de 6 de Fevereiro de 1942,foi abatida por motivo das obras que se operaram com a abertura da estrada para Tomar.

Para finalizar a descrição da Rua Pricipal,resta falar no Faia-Bar,mais conhecido por Café do Arranhado.Era propriedade de Joaquim Pocinho(Quim Arranhado).O pai,Joaquim Duarte Pocinho,era um excelente serralheiro de ferro forjado e esteve longos anos emigrado na Venezuela.

Terminou esta viagem no tempo pela Rua Principal.Porque se trata da maior artéria da vila,tive alguma dificuldade em retirar da memória factos e pessoas duma época já tão distante.Quando refiro factos históricos,baseio-me em informação que devidamente referi.Porém essa fonte é a mais fácil de obter,porque está ao dispor de quem a queira procurar.A outra,a estória de pessoas e factos ocorridos com elas é,no fundo,a que mais me incentivou a escrever estas crónicas.Porque afinal,a memória de um local está na vivência dos seus habitantes,num determinado momento da vida.Evidentemente,muitas coisas ficaram por contar.Das referidas,uma ou outra será susceptível de contestação.Naturalmente,terei de assumir a respectiva responsabilidade e as criticas adjacentes.

Condeixa,ano de 2007 Cândido Pereira