A Praça da República e espaços adjacentes,estão a passar por obras de remodelação,que vão alterar profundamente a paisagem arquitectónica a que nos habituámos, durante quase uma vida.
Com efeito,data do início da década de 1980 a última grande restauração e alteração do local,quando foram eliminadas duas ruas de acesso à Rua Manuel Ramalho(Rua da Água).
Mas a mais importante obra ali realizada ocorreu no final da década de 1920,logo após a Câmara Municipal ter adquirido um velho edifício,pertença dos Viscondes de Alverca,que ocupava o espaço entre a Igreja de Santa Cristina e a actual Rua Dr.Fortunato Bandeira de Carvalho (Rua Direita).
O prédio,como já referi noutro exercício escrito,foi incendiado pelas tropas francesas invasoras no fatídico dia 13 de Março de 1811.Posteriormente,foi reconstruido em parte,mas perdeu o estatuto de residência dos proprietários e passou a desempenhar outras funções.
Acho que é interessante saber como era a Praça de então,com o Palácio dos Sás(Alverca),entre 1811 e o momento em que este foi demolido.
Embora pesem sobre mim demasiados anos,não sou desse tempo e,por isso,vou trascrever o que sobre o assunto relatou o Sr.Ramiro de Oliveira.A sua memória fabulosa, conservada até ao falecimento,bem perto dos 94 anos,permitiu que para nós ficassem testemunhos de uma Condeixa,progressivamente a perder as mais peculiares características.
-"Sobre o Palácio demolido,há alguns pontos que achamos curioso referir,apenas para conhecimento dos que, pelo passado da terra, possam ter algum interesse.
Mais ou menos no alinhamento da Rua Direita com a proximidade da porta lateral da Igreja,erguia-se o Palácio dos Sás,reduzido com o incêndio ateado pelos franceses,a um montão de paredes queimadas,que a solidez da construção conseguiu manter de pé,mais de um século.
Aproveitando a fachada,foram construidos pelo tempo fora, algumas pequenas casas a toda a extensão e cujos moradores(os últimos até à demolição),foram os seguintes:da esquerda para a direita,numa casa que se diferençava da arquitectura do Palácio,mas que era parte integrante do mesmo,vivia no 1º andar o saudoso Padre Dr.João Antunes e,mais tarde,o António Pessa,enquanto o rés-do-chão era ocupado por um armazém da firma Alcobaça & Geraldo,mais tarde Pessa & Araújo.Em seguida e já dentro da estrutura do Palácio,a Pensão da Tia Maria Teresa.Seguia-se uma entrada para o pátio interior,onde havia uma oficina de ferrador,do João Victória(nota minha:quando agora se realizaram escavações,foi encontrado um montão de ferraduras enferrujadas)e a barbearia (aos sábados e domingos),do Manuel Pocinho (Côdea).De novo na frente da Praça,seguiam-se dois talhos,um para venda de carne de vaca,cujos cortadores eram invariávelmente das Chãs e o outro,de carne de carneiro,explorado pelo velho António Fontes.Imediatamente a seguir viviam,numa casa, a Conceição Cuca e na outra,a Maria Bacalhôa,seguidas pela barbearia do Adolfo Leitão.
A parte central,era ocupada pela Pensão Buraca e a a porta seguinte nunca foi ocupada,porque não existia lá qualquer construção.Depois,as duas portas seguintes davam acesso a uma latoaria pertencente a indivíduo de nome Zeferino e, em seguida ao espaço anteriormente ocupado pela Pensão Carvalheira,da D. Glória Carvalheira,existiu até à demolição,um estabelecimento de vinhos do Miguel Rasteiro (Moca).Antes de outro portão de acesso a um pátio,onde sempre existiu a "alquilaria" do sr.João Moita,que teve renome na época como uma das melhores do distrito,existia a oficina de pirotécnia do David de Sousa (David Vila Franca)que,em dezenas de anos,deu um aspecto típico ao "sábado de aleluia",queimando "o Judas",no meio da Praça,anunciando depois com um repique de sinos,o fim da Quaresma.
Finalmente, e já numa estreita casa de costas para a Igreja,viveu também a Henriqueta Cuca.Todas estas pessoas,exceptuando o Zeferino latoeiro,eram naturais de Condeixa e por cá morreram."
Com esta descrição pormenorizada,ficámos a conhecer (e de que maneira!)como era a Praça há oitenta anos.
Não pretendo aqui questionar a actual remodelação,já o fiz noutro local do blogue.Até admito que a Praça possa ficar bonita.Mas é uma beleza modernista que,penso,vai descaracterizar o centro da vila.
Todos temos um pouco de conservadorismo.O meu,manifesta-se na defesa da preservação dos locais mais significativos da minha terra.