Pronto!Aí estão as festas aos Santos Populares!
Correndo Junho,por toda a parte surgem festejos assinalando o orago,ou simplesmente folgando.
Nas grandes cidades,vem à cabeça o Santo António de Lisboa,com Marchas dos bairros mais castiços competindo na Avenida da Liberdade.O fradinho singelo toma assim ares de Rei,nesses festejos.E até fazem dele casamenteiro!
Mas também o circunspecto São João vira folião de traulitadas com o alho porro nas cabeças dos reinadios das ruas do Porto.E vai ver Braga por um canudo,cantando e bailando à boa maneira minhota.
Nas vilas e aldeias,a tradição de construir grandes fogueiras que os rapazes arrojadamente saltavam,a mostrar valentia perante as bonitas moçoilas,foi lentamente desaparecendo,na razão directa da reabilitação de poeirentas ruas em lisos tapetes de asfalto.
Em Condeixa festejava-se alegre e democraticamente a tríade de santos,sem particular predilecção.
Claro que me refiro a Condeixa, local,hoje vila,mas em tempos recuados,freguesia de Coimbra.E,como tal,pertença de D.Pedro,o "das sete partidas",que é como quem diz,o ilustre príncipe, filho de El Rei D.João I e feito Regente por morte de seu irmão D.Duarte e menoridade do sobrinho Afonso.
Desde tempos antigos a vila tem tradição de grandes romarias e festas.
António Nobre,o Poeta da Torre d'Anto dizia assim nas suas "Cartas a Manoel":
"...Vamos por aí fora
Lavar a alma.furtar beijos,velhas flores
Por esses lindos,deliciosos arredores
Que vistos uma vez,ah!Não se esquecem mais.
Torres,Condeixa,Santo António dos Olivais.
Lorvão,Cernache,Nazaré,Tentúgal,Celas!
Sítios sem par!Onde há paisagens como aquelas?
Santos lugares,onde jaz meu coração
Cada um é para mim uma recordação...
Condeixa?
Vamos ao arraial que ali há!
Sol,poeira,tanta gente!É o mesmo,vamos lá!
Olha!Estudantes dando o braço às raparigas
Arrancam-lhes do seio arfando as violetas
Aos ombros delas põem suas capas pretas...
Que deliciosas estudantes elas ficam!"
Talvez tenha sido o Poeta a inspirar muitas quadras populares,ou talvez a alma reinadia deste povo se ilustrasse na graciosidade do ambiente que inspirou também o alemão príncipe Lichonowsky quando afirmou ser Condeixa um cesto de flores,razão da escolha desse lema para brasão da vila.
Com a vinda nos finais do século XIX,do padre Dr.João Antunes,o panorama musical da vila sofreu forte impulso. Homem dado também às manifestações culturais populares ajudou,e de que forma,a desenvolver nestas gentes o espírito folgazão.Diz-se serem dele algumas quadras que antigamente se cantavam nos bailaricos.
As ruas mais propícias para que isso acontecesse,eram o Outeiro,Condeixinha e Rua Nova.Desnudadas,tendo apenas o macadame ou a calçada de seixo rolado,prestavam-se à feitura de alterosas fogueiras,onde todos os trastes serviam para as alimentar.Depois,trompetes e clarinetes das duas filarmónicas,animavam a festa que se esticava noite fora,com o "palhinhas" a dessedentar gargantas sequiosas e salgadas pelas sardinhas fumegantes.
Em Condeixinha,batia-se o vira de quatro,inventado pelo Maestro António do Zé Velho e letrado por seu filho Ramiro:
"Vamos lá dançar o vira
Ai gira que gira
Em volta do par
Que esta canção portuguesa
Tem graça e beleza
Não pode acabar
Refrão
Bailai mas com graça
Ó moças airosas
Não sejam vaidosas
Dai voltas com siso
E vocês rapazes
Dançai com cuidado
Que um passo mal dado
Transtorna o juízo."
E marchava-se ao som de uma canção feita hino,dos mesmos autores do vira,mas ensaiada pelo Alvarito,da Quinta da Lapa:
"Cá vai a Marcha
de Condeixinha,
Traz a Lapinha
Traz o Travaz
Em cada canto
Palra um moinho
Que é um velhinho
Feito rapaz
Bairro das fontes E das levadas
Enamoradas
Que lhe dão vida
Onde o sol reza
Todos os dias
Avé-Marias
De despedida.
Refrão
Se queres subir a ladeira
Que a água desce a cantar
Sem enfado nem canseira
Vai lá buscar o teu par
Na boca das raparigas
Desse bairro encantador
À mistura com cantigas
Andam promessas de amor!"
Virando para o Outeiro,era no Largo de S.Geraldo,feito mercado às terças e sextas,que se cantava também a Marcha,aqui às ordens do Senhor Ramiro,letrista das músicas do pai:
"Passa o Outeiro na graça
Da sua Marcha garrida
Leva aspecto domingueiro
E na rua quando passa
Deixa a impressão que a vida
É uma graça do Outeiro
Que a avida no Bairro lindo
Dos altos e dos recantos
Dos jardins e das Escolas
Passa cantando e sorrindo
Nos lábios e no encanto
Na graça das espanholas.
Refrão
Tela de luz e de cor
Tem pinceladas de artista
Cada pedra é uma flor
Cada mulher um amor
Cada habitante um bairrista
O Outeiro é folião
Não há quem lhe leve a palma
Quando entoa uma canção
Canta com o coração
Canta com a própria alma!"
Mas não se pense que era pacífica a coexistência das Marchas!Não sei porquê,a rivalidade destes dois bairros era quase coisa de faca e alguidar.E os cachopos que frequentavam a Escola Primária,que o digam!Descer a ladeira daquele "feudo",era aventura castigada com pedras a tombar nem se sabia de onde!
Se em Condeixinha e no Outeiro havia festa rija,também na Rua Nova o forrobodó era grande.Com a existência de duas filarmónicas na vila,a Condeixa o que não faltavam era tocadores.Que moravam por vários sítios.
Da mesma família,chegou a ter a Rua Nova uma boa dezena de trompetes,clarinetes,saxofones,etc.
Mesmo ao cimo da rua,onde um cruzamento permitia mais espaço,armavam os garotos o trono a Santo António à beira do miradouro do Palácio.À noite,era só esperar a reunião de tocadores par que a função tivesse início.A Ti Caçaneta,com muitas décadas a parecer nem pesar-lhe no corpo miúdo,era a mais activa participante numa festa que durava até às tantas!
Para promover a reconciliação de bairros,cantou-se mais tarde a Marcha de S.João,com letra de Ramiro de Oliveira e música do seu irmão Saul de Oliveira Vaio:
"Cá vai Condeixa
Toda vestida de chita
Vai alegre e tão bonita
Ver e saltar as fogueiras
Que até S.Pedro
S.João Santo António
Para a livrar do demónio
Perdem três noites inteiras
Menina e moça
Nunca se deixou tentar
Não é cabeça no ar
Mas presa por tal encanto
Foi ao Terreiro
E embalada nas cantigas
Do peito das raparigas
Fez um trono a cada santo
Refrão
Das grutas de Condeixinha
Ao Outeiro,com seus altares
Passa Condeixa inteirinha
Agora feita rainha
Destas festas populares
Há janelas enfeitadas
Manjericos e balões
Há alcachofras queimadas
Nas fogueiras apagadas
A desfazer corações!"
Era desta forma simples,mas autêntica,que se festejavam os Santos Populares em Condeixa!