quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

...E AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS…

Condeixa e a Implantação da República
Num balanço do ano de 2010 em Condeixa, não podem deixar de ser referidas as Comemorações do Centenário da Implantação da República, iniciadas no dia 5 de Fevereiro e continuadas ao longo de nove meses, sempre no dia cinco de cada mês, até à data chave, 5 de Outubro de 2010, 1º Centenário do dia em que Portugal abandonou o sistema retrógrado da monarquia, absolutista ou liberal, mas sempre uma forma de imposição de alguém que, por nascimento, considerava ter autoridade sobre os seus semelhantes.
Omito as oito primeiras sessões porque, razões de ordem vária, me impediram de estar presente.
Assim, apenas vou dissertar sobre a sessão que finalizou o ciclo, também com o intuito de homenagear os condeixenses que arriscaram o sossego, a posição social e o bem-estar familiar, para lutar por um sonho, por uma forma política que terminasse de uma vez com as discriminações sociais.
Infelizmente, sabemos hoje, nada disso foi conseguido. Mas, no dia 5 de Outubro de 1910, esses valorosos lutadores da liberdade, estavam convencidos que, finalmente, a luta chegara ao fim.
Falar da República, em Condeixa, é evocar o nome ilustre do Dr. Juiz António Pires da Rocha. Aliás, o apelido desta família é sinónimo de prestígio na vila. Desde Fortunato Rocha da Fonseca que em 1877 comprou a Farmácia Gama (actual Farmácia Rocha, o mais antigo estabelecimento condeixense, sempre do mesmo ramo), a seus filhos, Dr. António Pires da Rocha, juiz; Comandante Fortunato Pires da Rocha, oficial superior da Marinha de Guerra e Dr. Júlio Pires da Rocha, farmacêutico e criador de vários medicamentos. Sem esquecer um dos mais jovens membros da família, Manuel Rocha, Director do Conservatório de Música de Coimbra e violinista de craveira, neto do Dr. Juiz.
Com a intenção de homenagear gente da minha terra que …”por obras valorosas se vão para além da morte libertando!”, faço a biografia do Dr. Juiz Rocha, utilizando para isso as informações que, no dia 5 de Outubro de 2010 seu filho, Fortunato Batista Pires da Rocha, leu perante a Assembleia reunida no Salão Nobre da Câmara Municipal de Condeixa:
“ António Pires da Rocha nasceu em Condeixa no dia 9 de Dezembro de 1884 e aqui faleceu em 31 de Julho de 1954. Era filho de Fortunato Rocha da Fonseca, farmacêutico, e de Teresa Jesuina Pires do Rio.
Frequentou a Escola Primária de Condeixa, sendo seu professor Francisco Maria Simões de Carvalho. Em Outubro de 1896, foi estudar para o Liceu Nacional Central de Coimbra. Com o colega e amigo Carneiro Franco, mais tarde deputado da República, ainda meninos, fizeram-se políticos, entrando para um grupo de livres-pensadores. Em 1904 matriculou-se em Direito, na Universidade de Coimbra, num período de grande agitação política. Em 1905, inscreveu-se no Partido Republicano Português. Foi co-fundador do Centro Académico de Coimbra e do Centro Republicano de Santa Clara. Fundou e foi professor, gratuitamente, durante três anos, de um curso nocturno no Centro Republicano de Santa Clara, ensinando a ler inúmeros operários de Santa Clara e da cidade. A sua acção política e conspirativa atingiu o máximo durante a greve Académica de 1904, da qual foi um dos intransigentes, e nos anos que se seguiram, até à implantação da República.
Em 6 de Outubro de 1910 esteve presente, assinando a Acta da Proclamação da República em Coimbra, feita pelo Dr. Fernandes Costa, o qual, de seguida, foi ocupar o lugar de Governador Civil.
Em Condeixa, (o Dr. Juiz Rocha) foi Administrador do Concelho desde 7 de Outubro de 1910, a 17 de Março de 1913,data em que pediu a exoneração, por se ter constituído o 1º Governo partidário, chefiado pelo Dr. Afonso Costa. Em 7 de Dezembro de 1913, foi eleito Presidente da Câmara de Condeixa, renunciando aos vencimentos, a favor da autarquia. A 26 de Junho de 1914, pediu a demissão por optar pela carreira da magistratura. (nomeado Delegado do Procurador da República, em Miranda do Douro).
Durante o período em que foi Administrador do Concelho, houve várias tentativas monárquicas para derrubar a República. Nunca prendeu nenhum adversário político, embora fosse instigado a isso. A D. Joana Lemos era acusada de aliciar conspiradores para as hostes de Paiva Couceiro (líder monárquico) e veio um oficial a Condeixa para a prender. Foi aconselhado a ouvi-la em auto, mas que a deixasse em liberdade, o que fez. Assumiu a responsabilidade da manutenção da ordem e de facto nunca houve a mínima alteração. Opôs-se a todas as violências e protegeu a religião e os padres, por entender que a liberdade era para todos. Promoveu a reparação do telhado da Igreja, acabando com a especulação, principalmente da D. Joana Lemos e da D. Marquitas Bicho, que diziam que a República queria acabar com a religião e vender o edifício da Igreja. Assistia às sessões da Câmara e orientava os vereadores no sentido de criarem escolas e fazerem melhoramentos públicos. Acabou com a mendicidade dos “passageiros”, dando-lhes de comer do “rancho” dos presos e pagando as rações do seu bolso.”
Das memórias do Dr. Juiz Rocha, constam vários episódios do período inicial da República. Como esse texto é longo, vou procurar resumi-lo, relatando apenas alguns extractos mais relevantes, ocorridos após a exoneração, a seu pedido, do cargo de Administrador do Concelho. Para o seu lugar, foi nomeado o Dr. José Luís de Almeida que “… se encostou ao Francisco de Lemos e aos seus partidários monárquicos e moveram guerra sem quartel aos antigos correligionários que se haviam passado para a República”.
E continua o Dr. Juiz Pires Rocha:
“Em Condeixa só eu era livre-pensador mas, por isso mesmo, não hesitei em colocar-me ao lado dos padres de Condeixa-a-Velha e Zambujal, os únicos que não pertenciam à facção do Francisco de Lemos (casa Lemos Ramalho) …O padre do Zambujal era Joaquim Augusto da Silva, pessoa tímida e inofensiva. Pois para o assustarem, uns meliantes amigos do Lemos atiraram numa noite uma bomba de morteiro contra a sua janela. Os mesmos indivíduos noutra noite entraram na Igreja, arrombaram a caixa das esmolas e urinaram no pavimento. O padre Silva ficou muito desgostoso com estes actos de vandalismo e eu aconselhei-o a queixar-se à autoridade policial a qual por fim pronunciou alguns deles, sendo condenados, mas ficaram pouco tempo na cadeia porque beneficiaram de uma amnistia. Também se deu um caso bastante grave com o toque do sino às almas. Desde tempos imemoriais, o toque correspondia ao recolher. As pessoas retiravam-se para as suas casas e ali rezavam o Pai-Nosso e a Ave-maria, pelas almas dos seus parentes. Não havia alarde de religiosidade, mas a recordação saudosa dos seus mortos queridos. O toque das almas consistia em certo número de badaladas um pouco espaçadas, que não incomodavam ninguém, até serviam para lembrar a toda a gente que eram horas de deitar. Em Condeixa tocava-se às almas todas as noites, mas no Zambujal era só na Quaresma. O Administrador do Concelho resolveu proibir o toque no Zambujal, por acinte contra o padre Silva, mas permitindo-o nas outras freguesias… O padre Silva escreveu-me a pedir para o aconselhar e eu, depois de me certificar que não havia na Lei sanção contra o toque, a não ser a desobediência à ordem do Administrador, instiguei o padre a que mandasse tocar o sino. A ordem do Administrador não era de acatar, visto que ele não fez afixar editais a proibir o toque dos sinos…O pior é que o Administrador pediu ao Governador Civil para mandar a polícia e depois uma força do Regimento de Infantaria 23, para manter a proibição…porém, à hora de tocar o sino não apareceu a polícia nem as tropas e eu mandei tocar o sino, para satisfação de todo o Povo. No dia seguinte chegou a polícia e depois a tropa. Então, mandei telegramas para o Presidente do Conselho de Ministros, Dr. Bernardino Machado a protestar contra a proibição e responsabilizando-o pelo sangue que fosse derramado em virtude do abuso da autoridade…em breve o Administrador recebeu ordem para autorizar o toque dos sinos. O Povo queria e por isso era justo respeitar a vontade do Povo…A República estava na infância e os chefes, em vez de se entenderem e de continuarem unidos até ela crescer e se consolidar, deram largas às suas incompatibilidades pessoais, às suas vaidades e ambições de mando.”

Era assim o Dr. Juiz António Pires da Rocha. Homem justo, democrata leal às suas convicções políticas e, fundamentalmente, sempre de coração aberto, pronto a intervir onde a justiça e o bem-estar do povo exigisse a sua presença. É com Homens deste gabarito, que se constrói a História de um País!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

LUGARES DE CONDEIXA-O OUTEIRO(2ª parte)

(2ªparte)
À chegada ao Largo de S. Geraldo, o Outeiro divide-se. Para a esquerda, o Canto e o Alto. Em frente, a longa subida, à direita, o caminho para a Fonte e a Cascalheira.
A fonte tem pouca beleza, para quem não considerar belo ver brotar da parede um jorro de água fresquíssima, infelizmente impura. Por cima, uma ponte a ligar as propriedades que foram do Comandante Rocha e hoje pertencem à sua sobrinha, Dr.ª Jesuina Rocha Helena. Lá no fundo, o tanque de lavar roupa, agora quase sem préstimo, desde que as pessoas aderiram às novas tecnologias (vulgo, máquinas de lavar). Antigamente, em dias determinados, juntava-se um rancho de mulheres para lavar a roupa, própria ou de fregueses. Trabalho árduo que forçava a estar várias horas a esfregar e ensaboar, batendo depois os panos nas pedras do lavadouro, até ficarem limpos. Depois, era só estender a corar. (recordam-se do filme Aldeia da Roupa Branca?). Servia também para as lavadeiras desenferrujarem a língua, dissecando a vida de cada um. Ali, falava-se de tudo. E cantava-se! De repente, bastava uma começar, para se generalizar a cantoria. Verdadeiro coro espontâneo brotava das gargantas afinadas das lavadeiras. Condeixa, terra de muita água, benza-a Deus, tinha vários lavadouros públicos: a referida fonte, o rio da palmeira na Rua Manuel Ramalho, comprido espaço onde se juntava um grande rancho de lavadeiras, o ribeiro da Serrada e o lavadouro da Lapa. Na primeira metade do século vinte, foi levada à cena no Cine-Avenida, uma revista musical (Secas e Picadas) que obteve enorme êxito local, onde havia um interessante quadro alusivo às Lavadeiras de Condeixa.
Depois da Fonte e descendo as breves escadas, encontravam-se as terras do Paraíso (rua Cidade de Breten, Ciclo, etc.), onde costumavam acampar circos e barracas de tiro. Também cheguei a ver lá teatro, em tenda montada por uma companhia itinerante, com a representação do drama “A Rosa do Adro”, de Manuel Maria Rodrigues. Periodicamente, deslocava-se a Condeixa a companhia Circo Amery, da qual fazia parte a Trupe To Ching (estará bem escrito o nome?), grupo de chineses, -acrobatas ou manipuladores de varinhas com pratos, não recordo bem- constituído por pai, mãe e filhos. Estes, creio serem actualmente os donos do Circo Chen. A família ficava invariavelmente instalada em casa do Zé Galhardo (José Moita), que na altura morava no antigo prédio da casa do Povo. De volta ao Largo, ao domingo de manhã podia assistir-se a uma sessão de corte de cabelo ou barba, a céu aberto, se o tempo permitia, mas ameaçando chuva, dentro do curral da mula. Para isso bastava uma vulgar cadeira, tesoura, navalha de barba, pincel e um recipiente onde misturar com água o sabão em pó que se vendia em caixas de cartão, coloridas. Depois, a paciência e coragem para resistir às mãos do “Ti Picaroto”, (Francisco Caridade), mais habituadas aos trabalhos rurais. De qualquer forma, a pedra- úme (alúmen), estancava o sangue dos golpes mais que prováveis.
Antes de subir as escadas da Costa, uma breve visita à oficina de bicicletas do João da Costa, só conhecido por Nicolau porque era incondicional admirador do antigo campeão das Voltas a Portugal. Homem muito poupado, chegava ao extremo de levar ao rubro no rebolo de afiar, um raio de bicicleta, para acender o cigarro. A pedra de esmeril tinha a meio um fundo vinco motivado pelo atrito do aço que quase a tornava imprestável para outras tarefas.”Vai-te lucro, que me dás perca”.
Em tempos remotos, o caminho desde a Fonte até ao Hospício, fazia-se pela estreita vereda da Costa. Ainda cheguei a conhecer alguém (terá sido o Florêncio Azevedo Branquinho?), que dizia ouvir a mãe contar que se assustava com os tiros de dinamite utilizados para abertura da que é hoje a R. Dr. Simão da Cunha. Não teria sido, portanto, tão remotamente.
Mesmo ao cimo das escadas, morava o “Ti Chico Cavaca” (Francisco da Costa), pai do Chico e do Daniel “Carrula” (Francisco e Daniel Ramalho da Costa). Este último, meu condiscípulo na primária, habilidoso jogador de futebol, no tempo do Campo dos Silvais, morreu com apenas vinte anos, vitimado por um tumor cerebral.
Ao lado, era a casa de Joaquim Melâneo, funcionário judicial e inspirado pintor de arte, característica que seu filho Frederico herdou. Tinha um hábito curioso: de muito bom ouvido musical -comum a todos os genuínos condeixenses- quando regressava a casa, ia assobiando por entre dentes, uma qualquer melodia. Mas só entrava, após a ter concluído. Manias!
Na Costa, moravam também os Salicús! O patriarca, António Melâneo, era pedreiro. Tinha dois filhos, que foram meus condiscípulos, o Vergílio e o António.
No meu tempo, quando saíamos da escola, não nos arriscávamos a descer o Outeiro, porque os moradores da Costa, especialmente os atrás referidos, corriam à pedrada quem invadisse o seu território. Por isso, íamos beber água ao telheiro do armazém de Alcobaça, Peça & Companhia, onde havia uma bomba que aspirava a água do poço. Desta forma, evitava-se a temível descida à fonte do Outeiro!
Três monumentos caracterizam o Outeiro: A Escola Conde de Ferreira; o Hospital Dona Ana Laboreiro d’ Eça e o Palácio dos Condes de Podentes (Hospício).
O primeiro, a Escola, masculina para a distinguir da outra, a Escola Feminina. Meninas e rapazes, no entender retrógrado dos mandantes da época, não podiam coabitar. A escola delas era outro mundo, que nós só visitávamos quando lá íamos obrigatoriamente fazer os exames da 3ª e da 4ª classe.
O edifício foi construído graças à participação de um mecenas. Joaquim Ferreira dos Santos, Conde de Ferreira, era um antigo emigrante em África e no Brasil, onde angariou imensa fortuna. Tendo testemunhado as dificuldades passadas pelos seus patrícios em terra estranha, bons trabalhadores mas analfabetos, incapazes de enviar meia-duzia de letras à família que em Portugal aguardava ansiosamente notícias, quando regressou ao seu país legou em testamento um fundo para a construção de 120 Escolas Primárias. Em todas elas foi inserida a data 24 de Março de 1866, dia da sua morte. Encontra-se sepultado no Cemitério de Agramonte, num mausoléu construído pelo escultor Soares dos Reis.
Em 10 de Setembro de 1867, realizou-se o lançamento da primeira pedra para a construção. Em termos monetários, contabilizava-se 1200$000 (mil reis) da Fundação Conde de Ferreira; 800$000 (mil reis) doados pela Confraria do Santíssimo Sacramento e o restante, da responsabilidade da Câmara Municipal.
(Dados históricos destinados a facilitar a quem pretenda conhecer melhor Condeixa, a inclusão nestes exercícios de memória têm apenas o valor da informação que se pode obter em trabalhos literários, nomeadamente “Condeixa-a-Nova, de Augusto dos Santos Conceição” e “Subsídios Para a História de Condeixa-de Fernando de Sá Viana Rebelo e Isac Pinto.)
A Escola, no meu tempo era dirigida por dois professores: João Correia e António Mateus. Em 1946 faleceu João Correia e foi substituído por António de Jesus Pita.
O que é que se pode mais dizer sobre a Escola? Os anos da infância, são, incontestavelmente, os melhores da vida de uma pessoa. Os problemas resumem-se a conseguir cumprir as determinações dos pais, professores e outros agentes de formação. Mas no meu tempo, as preocupações eram substancialmente acrescidas com o medo de desagradar aos mestres. Porque os castigos eram pesados. Por exemplo: no ditado, cada erro correspondia a uma reguada. Esta, já não era a falada “menina dos cinco olhos”, mas apenas uma vulgar tábua que doía que se fartava, ao bater com toda a força na palma das mãos! Os cachopos de vez em quando inventavam meios de minorar a dor, coisas que, diga-se de passagem, não surtiam qualquer efeito. Lembro-me de uma hipótese que consistia em colocar na mão uma crina de cavalo, crendo a criança que isto provocava a quebra da régua. O pior era se o professor descobria o inocente e ineficaz estratagema, pois redobrava a pena a aplicar.
Como qualquer outra criança, também sofri bastantes castigos. A maior parte merecidos, alguns escusados. Apenas um ficou mais gravado na memória, porque foi inteiramente injusto!
Ao sábado de manhã, havia uma sessão de treino paramilitar, da Mocidade Portuguesa, ministrada pelo Tenente Pires Beato. Imagine-se: garotos dos sete aos dez ou pouco mais anos, aprumados em formatura e a marchar! Que ridículo!
No tempo do professor João Correia, havia uma outra actividade bem mais interessante: um coro formado por todas as crianças da Escola. Aliás, creio ter sido essa a mais valiosa prestação do “temido” professor João Galo.
Em frente, o Hospital!
Foi construído graças à generosidade do condeixense Dr. Simão da Cunha D’ Eça Azevedo, que legou toda a sua fortuna à Câmara de Condeixa, para…”Fundar em edifício próprio, e que satisfaça todas as condições exigidas pela ciência actual, um Hospital para nele serem tratados doentes dos dois sexos, preferindo sempre os da minha freguesia e concelho e custear todas as despesas que para tal sejam exigidas.” (Subsídios Para a História de Condeixa). Era assim que estava determinado no testamento daquele benfeitor.
O Dr. Simão da Cunha faleceu em 1919, mas só em 1921 estava tudo preparado para dar início às suas disposições testamentárias. Só que entretanto a desvalorização da moeda, comprometia a efectivação da obra. Mas, como diz o médico Dr. Evaristo Cerveira de Moura na sua obra ”Nascimento, vida e morte do Hospital D. Ana Laboreiro D’ Eça”, -“então, surge o inesperado. Em 13 de Outubro de 1925, morre em Lisboa, Artur Barreto, senhor de grande fortuna e institui seu principal herdeiro o Hospital. Todos os seus bens nas comarcas de Condeixa e Ansião…mais de cem mil escudos…entraram na Câmara Municipal, em Agosto de 1926. Este facto permitiria vida mais desafogada à obra…assim, em 1926, estava concluído o edifício. Resolveu a Câmara que o pessoal da enfermagem pertencesse a alguma Ordem Católica, sendo contactada a Ordem Franciscana de Hospitaleiras Portuguesas, que em Março aceitou o convite.”
Diz ainda o Dr. Evaristo Cerveira de Moura: “O Hospital teve sempre grandes beneméritos. Não se pode esquecer essa grande Senhora que foi a Ex.ª Sr.ª D. Maria Elsa Franco Sotto Mayor, que chamou a si todo o encargo de comprar e mandar instalar todo o material da sala de operações e esterilização, bem como o valioso arsenal de material cirúrgico para qualquer tipo de operações.”
Em 1976 foi firmado um acordo com a Secretaria de Estado da Saúde, com vista à utilização do Hospital, como instalações do Centro de Saúde. Modificou-se nessa data a forma inicial de funcionamento da velha unidade hospitalar. Mais tarde, com a construção do novo Centro de Saúde, acabou de vez o Hospital D. Ana Laboreiro D’ Eça!
Hoje, ali está um prédio devoluto, lentamente a degradar-se. Até quando?
Seguindo o percurso do Outeiro, um pouco acima do Hospital, era a loja do “Manel Capado” (Manuel Torres), onde comprei muitos caramelos que tinham a embrulhá-los, as figurinhas dos futebolistas para colocar em cadernetas próprias. Este “Manel Capado” era um homem extrovertido que divertia e se divertia. Em todos os carnavais, lá estava sempre a sua figura, dando corpo a alguma figura cómica da altura. Várias vezes o vi participar nas brincadeiras carnavalescas, cortejos ou representação espontânea de paródias de Entrudo.
Logo acima, o prédio da oficina de Benjamim Ramos, com o seu nome em grandes letras de cortiça na fachada circular e a informação que se realizavam serviços de bate-chapa: pintura; construção de carroçarias, etc.
Benjamim Ramos, o “Fechaduras” era um empreendedor empresário que, além da oficina, também instalou uma fábrica de serração de madeiras e dirigiu o lagar “do Fiscal”, na Avenida. Tinha um automóvel Citroen, modelo “arrastadeira” (ainda pertence à família). Um dia foi passear com amigos e, na passagem de nível da Corujeira (Coimbra), por pouco não foi abalroado pelo comboio, que lhe levou o pára-choques do carro. Devido ao feitio do referido acessório do veículo, dizia ele com graça: “O raio do comboio, apenas me levou o bigode!” Mas, se dessa vez escapou à morte, não sobreviveu alguns anos depois, na sua própria oficina, quando foi esmagado contra a parede por uma camioneta.
A terminar o Outeiro, inicia-se a Quinta do Hospício, com uma pequena mata a dar maior realce ao Palácio dos Condes de Podentes.
Antigo convento de frades Antoninos-Franciscanos, funcionou como hospital para doentes mentais, daí a designação ainda hoje existente e que dá nome a toda aquela zona do Outeiro. Com a extinção das ordens religiosas, o convento foi adquirido ao Estado pela quantia de 1251$000, em 1842, pelo 1º Conde de Podentes, D. Jerónimo de Almeida e Vasconcelos.
A construção é de estilo vagamente barroco, possui valioso espólio de azulejaria, vestuário antigo, louças, vários outros objectos de arte e mobiliário. Uma das filhas do Conde de Podentes, foi casada com Carlos Relvas, abastado lavrador ribatejano, considerado o 1º fotógrafo amador do país.
Um dos últimos herdeiros da Casa Conde de Podentes, foi D. Margarida Relvas Albuquerque que era casada com o médico Dr. Henrique Costa Alemão Teixeira.
E está terminada a curta mas aliciante viagem pela memória de um bairro que faz parte do meu imaginário, quer infantil ou juvenil. Desde o tempo escolar, até ao final da adolescência, vivi intensamente o quotidiano “outeirino”. Foi no prédio da cadeia, no 1º andar, que me apresentei como vim ao mundo, perante a junta militar que decidiu apurar-me para todo o serviço militar, a mim, com uns escassos 160 centímetros de altura e meia centena de quilos em ossos, carne e alguns músculos!
Também foi numa casa do Largo de S. Geraldo que nasceu o meu filho mais novo. Na mesma casa onde a minha mãe fechou pela última vez os olhos. Em frente, instalou o meu pai a primeira oficina de reparações eléctricas em automóveis e construção de baterias para os mesmos, que existiu em Condeixa.
É evidente que o Outeiro não é, ou era, apenas o que descrevo. Nenhum local se resume a referências e recordações, por mais elaboradas que sejam. Resta-me a esperança que a leitura destes escritos estimule a memória de quem viveu nesse tempo e se disponha a contar aos mais novos a forma como vivíamos!
FIM

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

LUGARES DE CONDEIXA-O OUTEIRO(1ª parte)

…que a vida no bairro lindo
Dos altos e dos recantos
Dos jardins e das Escolas
Passa cantando e sorrindo,
Nos lábios e no encanto
Na graça das “espanholas”.

- Marcha do Outeiro, letra de Ramiro de Oliveira e música de António de Oliveira, composta para abrilhantar as Festas de Condeixa, em 1950, quando elas se realizavam em Junho e não a 24 de Julho, uma data inventada há relativamente pouco tempo.
O Outeiro é assim, e muito mais. Embora se possa pensar que o bairro está limitado à Rua Dr. Simão da Cunha, ele começa ainda na Feira das Galinhas (Jardim da Câmara), espraia-se no Largo de S. Geraldo, mira agora, desconsolado, o nicho vazio, sobe ao Alto, desce até à Fonte e visita o Paraíso, trepa as escadas até à Costa e dirige-se ao Hospício, deixando para trás o Hospital que já não é, nem sequer Centro de Saúde (o que era a unidade hospitalar, senão um centro onde toda a gente tratava a saúde?), e a velha Escola Conde de Ferreira, onde o professor Galo (João Correia) mandava os alunos com aproveitamento dar reguadas nos colegas menos estudiosos, o professor Mateus mordia os lábios quando castigava com a fina cana-da-índia e o professor Pita, rigoroso nos antigos (e cruéis) métodos pedagógicos, distribuía lambadas a torto e a direito.
Ao cimo, no bico da Quinta, ainda está a fonte que há muito secou e onde, segundo escritos antigos, as moçoilas namoriscavam enquanto a cantarinha enchia (não era essa uma das funções, quiçá a mais agradável, de todas as fontes?)
O Outeiro está na génese de Condeixa, a nova, porque a outra é muito mais idosa, avó talvez.
Quando Conímbriga foi assolada pelas hordas bárbaras e, posteriormente, ocupada pelos muçulmanos do Almançor, os pobres indígenas foram sobrevivendo refugiados nas grutas e buracos locais. Depois, vieram as tropas de Fernando Magno e do seu valido, D. Sesnando, Conde de Tentugal, ocupar o território. Desse tempo, reza um documento guardado no Mosteiro do Lorvão, indicando uma “Villa Cova Condesa Donna Onega”que, presumo, estaria localizada numa área actualmente ocupada pelas Piscinas Municipais, Pavilhão Desportivo, quartel da G.N.R. e mais casario, tendo a nascente o promontório do Hospício e a norte as velhas casas da Costa.
Estas terras, muito produtivas, teriam resultado da sedimentação de primitiva lagoa, como é possível vislumbrar no estrato geológico do corte efectuado quando da abertura da via IC3. (curva da ferradura, ao pé do viaduto). As várias camadas, separadas por sedimentação mais escura (lodo) e pedras de leito, são perfeitamente visíveis. Já debaixo do viaduto, o areal da margem.
O nome “Donna Onega” pressupõe ascendência galega, (há uma neta de Vímara Peres, o responsável pela reconquista do território entre Douro Minho e fundador de Guimarães, com o nome Onega Lucides. Será a mesma?) De notar que no local existem várias referências curiosas: “Pinhal de Espanha” (em frente à Junta de freguesia de Condeixa-a-Velha); “Vala da Galega” e, mais concretamente ao Outeiro, cuja designação de Espanha sempre lhe foi atribuída.
No início do século XVI, quando o rei D. Manuel efectuou a peregrinação a Compostela, passou por aqui. Acerca dessa passagem, diz o Padre António Carvalho da Costa: “…o lugar de Condeixa-a-Nova, não sendo mais que um casal chamado Outeiro…” (Santos Conceição, Condeixa-a-Nova). Tudo provas da ancestralidade do Outeiro
Mas estas considerações, só superficialmente e apenas como curiosidade têm lugar nesta crónica. Na realidade, interessa-me mais escrever sobre o bairro de há mais de meio século, com descrição de locais, pessoas e episódios, levando os meus contemporâneos a recordar e os mais novos a conhecer, aquele característico local.
O Outeiro, repito, começa no largo da Câmara, a antiga Feira das Galinhas. A propósito, não consigo compreender a causa da atribuição deste nome. Tanto quanto recordo, realizava-se ali uma das quatro feiras que compunham o tradicional mercado de Condeixa (os três outros locais eram: Praça da República; Feira da Sardinha, (mercado municipal na Avenida, onde se vendia peixe e carne, no local do actual Quartel dos Bombeiros) e Largo de S. Geraldo), mas onde agora é o jardim da Câmara, não se vendiam exclusivamente galináceos. Mais, a maior percentagem de coisas à venda, era de barro vermelho: cantarinhas, caçoilas, etc.
Em meados do século XX, além dos bissemanais mercados, no pequeno terreiro costumavam exibir-se trupes de saltimbancos, acrobatas itinerantes que realizavam espectáculos, fazendo no fim o peditório ao público presente.
Já na estrada, na parte de baixo do monumento aos Mortos da Grande Guerra, há uma loja de ferragens que foi, em tempos, a residência e oficina de José Maria Ventura, latoeiro e aferidor municipal. Dotado de capacidades artísticas verdadeiramente admiráveis, foi durante muitos anos amador de teatro, participando em várias peças e revistas musicais. A sua presença em palco e a graça inexcedível, transformavam qualquer vulgar comédia, em êxito. Na década de 1950, o Clube de Condeixa apresentou em cena a alta-comédia “O Conde Barão”, de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos, encenada por João Pimentel das Neves. Depois da exibição em Condeixa, o grupo deslocou-se à Marinha Grande, onde representou no Teatro Stefano. Desse espectáculo, disseram na altura que José Ventura era comparável ao grande actor profissional, Chaby Pinheiro, protagonista na apresentação nacional da peça, no Teatro Politeama, em 1918.
Tendo muita consideração pela capacidade teatral e, fundamentalmente, pela personalidade de José Ventura, em 1980, quando era encenador na Casa do Povo, propus em Assembleia Geral a atribuição do nome “Tejove”, para o grupo cénico. Correspondia a “Teatro José Ventura”, a homenagem devida a quem tanto fez pelo teatro amador em Condeixa. A proposta foi aceite e lançada em acta. José Ventura tinha um filho, com o mesmo nome, artista plástico amador de fina sensibilidade, ao qual se devem algumas telas de belas imagens da Condeixa antiga.
Na casa seguinte, esteve instalada a Casa do Povo, desde a fundação, em Julho de 1940, por iniciativa do Comandante Fortunato Pires da Rocha, até à inauguração, em Fevereiro de 1956, das instalações actuais. O 1º andar tinha um salão onde se jogava pingue-pongue e damas ou dominó. Numa vila demasiado provinciana, sem locais de ocupação dos tempos livres (tempos livres? Algumas horas à noite, poucas, porque no dia seguinte era dia de trabalho!), a Casa do Povo oferecia o espaço público possível para entretenimento da juventude. Além dos jogos porém, a oferta literária resumia-se à leitura da revista Flama e do jornal Amigo do Povo, publicações afectas ao estado novo.
Na frontaria, foram mandadas pintar a vermelho, (perdão, encarnado, porque a palavra vermelho era tabu, não fosse a designação da cor motivar confusões com os “abomináveis comunistas!), as palavras Casa do Povo, em semi-círculo. O pintor incumbido do trabalho, da parte da manhã apenas pintou Casa do P, deixando para depois de almoço o resto do trabalho. Condeixa, tradicionalmente sempre disposta a atribuir alcunhas, imediatamente apelidou, não só o pintor, como toda a família, de “os Pês”.
Virada a curva ascendente, logo surgia a oficina de bicicletas do Augusto Braga. Naquele tempo, a bicicleta era um veículo bastante utilizado. Em Condeixa, quase se podia contar pelos dedos das mãos o número de automóveis existentes e, mesmo assim, incluindo as camionetas de carga! Por isso, andar de bicicleta, ao contrário de agora, não era simplesmente um meio de fazer exercício físico, mas forma de “tratar da vida”. Nesse contexto, uma oficina onde se pudesse mandar reparar correntes partidas, furos nas câmaras ou raios deslocados, assumia grande importância. Além das reparações, também era possível alugar os velocípedes.
Os garotos de então, ao contrário de agora, que os papás, ainda as crianças são pequeninas, logo tratam de comprar bicicletas com rodas suplementares, trocando estas à medida do crescimento do fedelho, se queriam dar uma voltinha, reuniam-se em grupos e alugavam o veículo. Se não estou demasiado esquecido, esse aluguer custava dez tostões à hora. Mas não se contentavam com o limite de tempo por “tão alto preço”. Então, a hora durava mais que os normais sessenta minutos. É claro que a entrega já não era feita pelo alugador! Entregava-se a bicicleta a um garoto mais novo, com a incumbência de a ir levar. O pior é que esse miúdo também fazia uso do “prémio” colocado nas suas mãos. Finalmente, quando o dono da oficina recebia o velocípede, já tinham passado para aí algumas duas horas.
Ao lado da oficina, morava a senhora Assunção, parteira que, a par da senhora Cecília, de Condeixinha, tinha a “obrigação” de aparar todas as crianças do seu bairro, e não só. Porém, um facto curioso sucedia com esta “aparadeira”: tinha um negócio de venda de caixões. Assim, recebia para a vida um novo ser, mas também se encarregava de prestar os serviços para a última viagem.
Junto à sua casa, uma alfaiataria, coisa bastante comum numa vila onde abundavam os barbeiros, sapateiros e alfaiates.
Naquele tempo, a miséria não se manifestava apenas na falta de alimentos. O dinheiro era tão escasso, que também não chegava para comprar roupas. O alfaiate que refiro, quando jovem, era bem-apessoado, quer dizer, tinha bonita figura. Naturalmente, era vaidoso e se, para a roupa, como profissional podia dar um jeito, não sabia fazer as peúgas. Dizia-se que, certa vez descobriram que usava apenas os canos das meias, porque o resto já se tinha gasto há bastante tempo.
Em frente, no largo agora justamente atribuído ao artista plástico condeixense, Manuel Filipe, existia um barracão onde o proprietário, negociante de galinhas, guardava os apetrechos do seu mister. Possuía uma velha carrinha, a “cacharra”, onde transportava as grades com os galináceos que ia vender nas feiras da zona. Quando regressava, esquecia-se que a altura das grades ultrapassava a cimeira do portão. O barulho dos aparatos a cair, anunciava a sua chegada.
Ao lado, o edifício da cadeia. Pertenceu a D. Maria de Vilhena, que o doou ao Convento de S. Marcos. Mais tarde foi adquirido pelo município, tendo sido a primeira sede própria da Câmara. No rés-do-chão/cave, foi instalada a cadeia municipal. O calabouço, de janelas grossas em ferro, tinha apenas duas ou três celas. Em fins da década de 1960, os prisioneiros serraram facilmente as grades e evadiram-se. Este prédio fechava a curva da estrada de acesso à Lousã e a Tomar. No local, naturalmente bastante perigoso, o acidente mais grave deu-se quando uma camioneta desgovernada colidiu com dois prédios, destruindo-lhes as fachadas, mas felizmente sem danos pessoais. Este prédio foi demolido, com o fim de alargar a curva, a única justificação para destruir tão valioso património.
A partir daqui é que começa verdadeiramente o bairro do Outeiro.
(fim da 1ª parte)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Ecologia e caça-as contradições

Ontem,liguei a TV no 2º canal e deparei com uma curiosa reportagem:um senhor,que me pareceu oficial de um corpo policial,falava sobre ecologia.Naturalmente,criticava o civismo do povo português,particularmente,mostrando imagens demonstrativas.Eu até compreendo e sei que são verdadeiras as imagens.Infelizmente,é comum depararmos com lixeiras por todo o lado,cursos de água completamente conspurcados,situações de completo desprezo pelo semelhante.Mas daí a apelar ao mais baixo sentimento humano,a delacção,para terminar com os abusos de pessoas mal formadas,acho incrível.Calcule-se que o tal senhor às tantas afirmou que,quem quisesse,podia enviar a acusação,porque o anonimato estaria protegido!Será esta a forma mais correcta de resolver o problema?Vivi grande parte da minha vida sob o regime do estado novo.Sei como era a pide e a forma por ela utilizada para obter informações,servindo-se de asquerosas pessoas que denunciavam outras pessoas,em troca de meia-dúzia de tostões ou,simplesmente,obtenção de favores.É isso que agora se pretende?Não seria melhor educar o povo,com campanhas específicas?
Um velho democrata de Condeixa,costumava acabar as suas prédicas,dizendo:"Certo ou errado,camarada?"
Mas não ficam por aqui as observações ao tal programa.Calculem que após esta defesa pela ecologia,veio uma reportagem sobre caça.E assisti,enojado,a uma espera ao javali.Esta espécie cinegética(?),esteve quase extinta no país,Depois,as associações de caça,legalmente,penso,fizeram programas de repovoamento.Hoje,o javali é uma constante ameaça para quem ainda da terra tira o sustento.E tudo para quê? Apenas com a mera intenção de satisfazer os instintos selvagens de pessoas que,em lugares pre-determinados,esperam os animais,abatendo-os a tiro.Quero acreditar que nenhuma criança assistiu ao mencionado programa.Porque,como disse,fiquei enojado ao ver a forma selvagem como os senhores caçadores permitiam que os javalis fossem abocanhados e destroçados pelos cães.E,se eles assim faziam,era porque os animais ainda davam luta!
Li algures que esta semana,o Parlamento espanhol, recusou uma proposta de um partido,para transmissão de touradas pela televisão.A Espanha!O país tradicional das lides taurinas!
E cá? Quando acabam os espectáculos deprimentes de sacrifício dos animais?

CONDEIXA-paisagem,memória e história

Com a finalidade de angariar fundos para a construção da nova Casa Paroquial de Condeixa,foi editado um livro,versando vários temas referentes à vila, e subscrito por seis autores.O dinamizador do projecto, Dr. Artur Ângelo Barracosa Mendonça,algarvio de Faro,está radicado em Condeixa e é professor de História na Escola Secundária da Mealhada.
O volume literário,tem prefácio do Bispo de Coimbra,D.Albino Mamede Cleto e foi gratuitamente composto e editado pela Gráfica de Coimbra,Lda.
Espera a organização colocar este livro à venda ainda antes do próximo Natal ou,na impossibilidade,logo no princípio do novo ano.
O público,certamente irá aceitar com entusiasmo a edição,não só pelo fim a que se destina,como ainda pela carência de literatura referente à vila.
Mais não interessa dizer,para despertar a curiosidade nos possíveis compradores da obra em causa.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Praça Nova-Praça Velha

A Praça da República e espaços adjacentes,estão a passar por obras de remodelação,que vão alterar profundamente a paisagem arquitectónica a que nos habituámos, durante quase uma vida.
Com efeito,data do início da década de 1980 a última grande restauração e alteração do local,quando foram eliminadas duas ruas de acesso à Rua Manuel Ramalho(Rua da Água).
Mas a mais importante obra ali realizada ocorreu no final da década de 1920,logo após a Câmara Municipal ter adquirido um velho edifício,pertença dos Viscondes de Alverca,que ocupava o espaço entre a Igreja de Santa Cristina e a actual Rua Dr.Fortunato Bandeira de Carvalho (Rua Direita).
O prédio,como já referi noutro exercício escrito,foi incendiado pelas tropas francesas invasoras no fatídico dia 13 de Março de 1811.Posteriormente,foi reconstruido em parte,mas perdeu o estatuto de residência dos proprietários e passou a desempenhar outras funções.
Acho que é interessante saber como era a Praça de então,com o Palácio dos Sás(Alverca),entre 1811 e o momento em que este foi demolido.
Embora pesem sobre mim demasiados anos,não sou desse tempo e,por isso,vou trascrever o que sobre o assunto relatou o Sr.Ramiro de Oliveira.A sua memória fabulosa, conservada até ao falecimento,bem perto dos 94 anos,permitiu que para nós ficassem testemunhos de uma Condeixa,progressivamente a perder as mais peculiares características.

-"Sobre o Palácio demolido,há alguns pontos que achamos curioso referir,apenas para conhecimento dos que, pelo passado da terra, possam ter algum interesse.
Mais ou menos no alinhamento da Rua Direita com a proximidade da porta lateral da Igreja,erguia-se o Palácio dos Sás,reduzido com o incêndio ateado pelos franceses,a um montão de paredes queimadas,que a solidez da construção conseguiu manter de pé,mais de um século.
Aproveitando a fachada,foram construidos pelo tempo fora, algumas pequenas casas a toda a extensão e cujos moradores(os últimos até à demolição),foram os seguintes:da esquerda para a direita,numa casa que se diferençava da arquitectura do Palácio,mas que era parte integrante do mesmo,vivia no 1º andar o saudoso Padre Dr.João Antunes e,mais tarde,o António Pessa,enquanto o rés-do-chão era ocupado por um armazém da firma Alcobaça & Geraldo,mais tarde Pessa & Araújo.Em seguida e já dentro da estrutura do Palácio,a Pensão da Tia Maria Teresa.Seguia-se uma entrada para o pátio interior,onde havia uma oficina de ferrador,do João Victória(nota minha:quando agora se realizaram escavações,foi encontrado um montão de ferraduras enferrujadas)e a barbearia (aos sábados e domingos),do Manuel Pocinho (Côdea).De novo na frente da Praça,seguiam-se dois talhos,um para venda de carne de vaca,cujos cortadores eram invariávelmente das Chãs e o outro,de carne de carneiro,explorado pelo velho António Fontes.Imediatamente a seguir viviam,numa casa, a Conceição Cuca e na outra,a Maria Bacalhôa,seguidas pela barbearia do Adolfo Leitão.
A parte central,era ocupada pela Pensão Buraca e a a porta seguinte nunca foi ocupada,porque não existia lá qualquer construção.Depois,as duas portas seguintes davam acesso a uma latoaria pertencente a indivíduo de nome Zeferino e, em seguida ao espaço anteriormente ocupado pela Pensão Carvalheira,da D. Glória Carvalheira,existiu até à demolição,um estabelecimento de vinhos do Miguel Rasteiro (Moca).Antes de outro portão de acesso a um pátio,onde sempre existiu a "alquilaria" do sr.João Moita,que teve renome na época como uma das melhores do distrito,existia a oficina de pirotécnia do David de Sousa (David Vila Franca)que,em dezenas de anos,deu um aspecto típico ao "sábado de aleluia",queimando "o Judas",no meio da Praça,anunciando depois com um repique de sinos,o fim da Quaresma.
Finalmente, e já numa estreita casa de costas para a Igreja,viveu também a Henriqueta Cuca.Todas estas pessoas,exceptuando o Zeferino latoeiro,eram naturais de Condeixa e por cá morreram."

Com esta descrição pormenorizada,ficámos a conhecer (e de que maneira!)como era a Praça há oitenta anos.
Não pretendo aqui questionar a actual remodelação,já o fiz noutro local do blogue.Até admito que a Praça possa ficar bonita.Mas é uma beleza modernista que,penso,vai descaracterizar o centro da vila.
Todos temos um pouco de conservadorismo.O meu,manifesta-se na defesa da preservação dos locais mais significativos da minha terra.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Exercício sobre a má-lingua

A condição "sine qua non" de ser português, é ser má-lingua.Honra às excepções!
Dizer mal dos amigos, do país, do clube futebolístico adversário, dizer até mal da família e de si próprio, quando não há mais ninguém à mão, é um exercício que os portugueses praticam com o maior prazer.Os portugueses, comigo incluido, claro,porque honestidade não é só respeitar os bens alheios. Saber admitir os defeitos,por muito que custe ao ego, faz parte de uma prática que deve ser escrupulosamente seguida.
Cá por mim, dou o..e oito tostões por um bom momento de má-lingua. Não é crítica, não senhor, é mesmo "fofoca",como dizem os brasucas.Crítica é outra coisa. Há quem goste de dizer:"crítica construtiva e crítica destrutiva". Nada disso!Não misturar as coisas.A crítica é sempre construtiva!Se eu disser bem de determinada coisa, estou a fazer crítica construtiva, mas se disser mal, já é destrutiva?Bolas para quem pensa assim!Erros toda a gente faz e chamar a atenção para eles, é um acto construtivo.
Por exemplo,as obras que estão a decorrer no centro da vila, são passíveis de contestação.É um direito que assiste a toda a gente.Se são oportunas em tempo de crise,se a Praça bem podia dispensar este desvirtuar radical da sua estrutura,são opiniões válidas, é uma crítica á decisão da autarquia.Tudo bem!Mas se eu disser que o responsável é megalómano,gosta muito de obras de fachada,a decisão vem na sequência de outra Praça que não tem qualquer serventia,já é ser má-lingua!E má-lingua viperina, que ainda é mais!Já para não falar de outra coisa..!Que diabo, o senhor até tem feito obras meritórias,como montes de cimento e tijolo por tudo quanto é sítio.Está bem,toda essa gente só cá vem dormir.Também, não se pode ter tudo!
E dizer que o comércio central vai acabar,porque sem movimento automóvel no perímetro da Praça,as pessoas não frequentam lojas,é maledicência.Andem a pé,que faz muito bem à saúde!Ponham os olhos naqules grupos de pessoas que,depois de jantar percorrem quase em passo de corrida as ruas,a fim de recuperar uma forma física já difícil(ou impossível)de alcançar.A propósito,ainda um destes dias ouvi na TV um "expert"dizer que andar muito após as refeições,faz mal.Mas eles lá sabem!Não é que o passeio sirva para ir pondo a conversa em dia.À velocidade a que se deslocam,até as palavras se perdem.Além do fôlego,claro!
Já agora,mais uma maldadezinha.As escolas dispersas pelo concelho foram reunidas em blocos educacionais,um perto do campo da bola e o outro ao lado da GNR.Até aqui,tudo certo.Mas vamos lá a ver,nos tempos que correm,com tanta malandragem à solta,os encarregados de educação dos alunos optam por ir buscar a suas crianças,de carro,evidentemente.E param onde?Junto ao campo,só se for em cima do passeio.O pior são as multinhas passadas por agentes solícitos.E na Fernando Namora,resolveram pintar faixas amarelas junto aos passeios,que é como quem diz,quem for buscar os miúdos,estaciona a milhas de distância.
Agora também fiquei com um raio de um dilema:isto é crítica,ou má-lingua?Não há dúvida,é má-lingua.Então eles não sabem o que fazem?Por isso é que o povo os escolheu!Ou não foi?Sei lá,isso agora não importa.Antes que me perca em filosofias baratas,deixem-me praticar mais um pouco de acupunctura,quer dizer,espetar mais algumas agulhinhas(não doem,pois não?).Agora que o trânsito se faz com muita dificuldade dentro do burgo,é que damos valor à circular.Isto é,daríamos, se ela não fosse cair no labirinto do mercado às terças e sextas e numa vereda com trânsito nos dois sentidos,quando nem um comporta.Pronto,de novo a história da Praça!Será que não era mais bem empregue o dinheiro lá gasto,na melhoria de acessos à vila?Pergunta inocente.Sim,porque eu não sou "fofoqueiro".Quer dizer, se calhar,até sou.Pelo menos comecei logo por confessar esse pecado!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

CRÓNICA-A DETESTÁVEL VUVUZELA

Odeio a vuvuzela! Porque detesto a estupidez e é, no mínimo,estúpida a forma como está a ser abusada a corneta neste Campeonato de Futebol.
Se eu mandasse,o abominável canudo era destruído à porta dos estádios.De cá,porque estou mesmo a ver que a moda vai pegar e brevemente teremos o irritante zumbido a substituir os habituais cânticos clubisticos(de passagem,alguns também muito estúpidos)
Mas se fosse eu a mandar, não garanto que evitasse as tomadas de posição falhas de inteligência e bom senso.Se calhar,com o meu provincianismo bacoco,quem sabe se iria dar um passeio com a família, só para não estar presente na cerimónia fúnebre de alguém que, não sendo da minha particular simpatia,fosse considerada importante pelas pessoas cultas cá da terra.
Não sei porquê,lembrei-me agora de Saramago! E apercebi-me como a História é por vezes irónica!
O nosso pequenino País,além das sempre cantadas batalhas de outros tempos e o rasgar de rotas marítimas abrindo caminho para descoberta de novas terras,tem ainda aquilo que muitos países desejariam:dois(2)Prémios Nobel!
O primeiro foi atribuido ao Professor Egas Moniz,em 1949.Salazar,incompatibilizado com o agraciado,procurou sempre minimizar o feito.Nada a estranhar!
O segundo, deu ainda mais honra,por ser literário e foi atribuido a José Saramago,apesar do voto negativo de certo mesquinho político,responsável pela cultura do País(toda a gente sabe quem é Saramago,mas desconhece o insignificante Lara).
O mundo rendeu-se ao génio literário de Saramago,concordando ou não com as suas opções políticas.
No funeral do escritor,esteve o povo e várias individualidades portuguesas e estrangeiras.
Menos a figura que se impunha!
Ninguém esperava que em pleno século XXI um Chefe de Estado, ainda por cima democrata(?),recusasse estar presente nas exéquias de um vulto que orgulha o País.
Honra ao Presidente da Câmara de Lisboa,presente e participante na manifestação de homenagem.Cumprindo o determinado pela Presidência da República,mandou colocar a meia haste a bandeira nacional nos edifícios oficiais do município.Um "esquecimento" do seu congénere e "camarada" cá do burgo!
Sempre ouvi dizer:"As atitudes ficam com quem as pratica"
Felizmente atitudes como as que referi,são como"vozes de burro,não chegam ao céu"!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Rectificação obrigatória

Absolutamente por acaso,visitei o site:"Condeixa a Nova wikipédia-enciclopédia viva" e fiquei abismado com o que li.Confesso não estar muito familiarizado com estas coisas de computadores(burro velho,não aprende linguas, não é assim que diz o aforismo?),mas pensava ser obrigatório o rigor.Porque o texto, além de pobre em estilo literário,em alguns casos falta à mais elementar verdade.Vou tentar fazer a análise:
Quando se descrevem as casas senhoriais da vila(concelho),refere-se o Palácio dos Costa Alemão.Em primeiro lugar,chamar palácio a um solar com aquelas caracteristicas,acho despropositado.E não ficaria melhor dizer"Casa da Família Costa Alemão"?Já à Quinta de S.Tomé,chama-se"casa solarenga",quando se trata de algo mais do que isso.Seria necessário estudar primeiro a história de Condeixa para falar sobre estes temas.E nesse caso era possível dizer Palácio dos Lemos Ramalho, em vez de Palácio dos Sotto Mayor.Mas não ficam por aqui os disparates.Diz o tal site:"as actuais instalações da Câmara também eram um Palácio",sem explicar qual. Que diabo, se até o próprio Município chama à sua casa Palácio dos Figueiredos da Guerra!(quanto a mim erradamente porque o palácio foi mandado construir pelo Conde de Portalegre.Os Figueiredos da Guerra foram seus proprietários, mas a pedra de armas que se encontra sobre o portão,é dos Cabrais).Quanto ao palácio dos Condes de Podentes, sempre foi o Hospício, desde o tempo em que era Convento de Frades Antoninos e não "actualmente conhecido como Hospício".A Pousada de Santa Cristina, nunca foi palácio e muito menos incendiado pelos franceses.Trata-se de um edifício construído de raiz para a função que desempenha.No seu local existiu sim o nobre Paço dos Almadas,propriedade do Conde de Avranches, D. Lourenço de Almada, pai de D. Antão Vaz de Almada, o aclamador de D.João IV.
Quando as tropas francesas de Massena e Ney,na retirada após a derrota nas Linhas de Torres,passaram por Condeixa,destruiram a vila, saqueando e incendiando muitas casas.Curiosamente, o Paço dos Almadas e o Palácio dos Lemos Ramalho escaparam inexplicávelmente à chacina.
Isto é história, baseada em factos reais e fácilmente comprováveis.Lamento profundamente nunca ter aparecido uma entidade oficial para "impor"o rigor histórico.Era o mínimo que se exigia!
Já agora, que tanto se fala(erradamente)nos prédios notáveis,podiam ser referidos:a Quinta da Lapa, o palácio dos Matos,no Sebal Grande, a Casa dos Sás,na Praça da República,a Quinta da Melhora e o Palácio dos Comendadores,na Ega, entre outros dignos de registo.
No final do texto "História" do já referido site, é dito:"actualmente Condeixa é uma vila relativamente desenvolvida,com indústria e comércio próprios.Além disso,beneficiando com a proximidade de Coimbra e Conímbriga".Desde quando Condeixa beneficiou com o facto de existir uma das mais importantes estações arqueológicas da península no seu concelho?
E vem finalmente a referência a personalidades ilustres!Apenas um nome:o do médico escritor Fernando Namora.
Então o Ministro da Rainha D.Maria II,Rodrigo da Fonseca Magalhães,que até foi o responsável pela recuperação do estatuto de Concelho?Lisboa prestou-lhe homenagem,dando o seu nome a uma das mais importantes artérias da capital.E o Padre Dr.João Antunes que embora sendo de Coimbra aqui se radicou e dedicou o saber e a fortuna às artes da vila,fundando uma Escola de Artes e Ofícios e o primeiro Orfeão de caracter popular do país?E Manuel Filipe,professor e artista plástico que doou o espólio à sua vila e agora tem galeria própria na velha Escola Conde de Ferreira?Por falar em artes plásticas,porque omitir teimosamente o nome de António Pimentel,autor do lindo painel de azulejos que adorna a parede do Salão Nobre da Câmara,artista reconhecido no mundo,com obras expostas em Museus e Galerias de Arte francesas,inglesas,brasileiras,etc.?E tantos outros ilustres condeixenses?
É ofensivo reduzir apenas a um nome,um tema que podia constituir verdadeiro rol!

domingo, 13 de junho de 2010

O Cine-Avenida de Condeixa

Para falar sobre o Cine-Avenida,tem de se recordar a Condeixa da época em que ele foi inaugurado.
O início da década de 1930 foi fundamental para o desenvolvimento da então pequena vila,quase confinada às três vias principais:Outeiro,Condeixinha e Estrada Nacional que ia desde a Faia até ao Paço,com as suas pequenas transversais,Rua Nova,Penedo e Rua de S.Jorge.
A Praça da República tinha cerca de metade da área actual.O Palácio dos Sás estendia a fachada monumental desde a Igreja até à entrada da Rua Direita(R.Dr.Fortunato Bandeira de Carvalho).
Como referi na crónica"Contributo para Conhecer Condeixa",o Palácio foi incendiado pelas tropas invasoras francesas,tendo sido reconstruido em parte,mas apresentando aspecto progressivamente decadente.Foi então adquirido pela Câmara e demolido.Esse facto viria a modificar toda a estrutura habitacional da vila.A Casa dos Sás(Viscondes de Alverca)cedeu uma parcela de terreno por detrás do demolido prédio,com a condição de ser aprovado o projecto de urbanização do restante terreno e daí nasceram a Palmeira,a Rua Dr.João Antunes e a Avenida.
Um dos primeiros edifícios a ser construído nesta última artéria,foi o Cine-Avenida,que abriu as portas ao público apenas dois dias depois da inauguração da rede de abastecimento eléctrico à vila.O evento ocorreu no dia 1 de Dezembro de 1932,com um filme mudo chamado"Valsa do Amor"(o sonoro só viria dois anos depois,em 6 de Janeiro de 1934,com"O Estudante Mendigo",uma produção alemã).
Concebido inicialmente para exibição de filmes,o Cine-Avenida foi pouco depois alterado com a adaptação de um palco,o que lhe permitiu apresentar espectáculos de teatro.E muitos lá se realizaram!
Logo em 1933,um agrupamento amador chamado"Grupo de Cénico Dr.João Antunes" apresentou as peças:"Uma casa de estroinas";"Críticas às mulheres";"O 1023"e"Disparates".Faziam parte do elenco:Dr.José Alves,Álvaro Pedro Augusto,Ramiro de Oliveira,Joaquim Simões Melâneo,José Maria Ventura e João Loio.O ponto era Joaquim Rainho.O mesmo agrupamento representou posteriormente outras peças:"Noites de S.António","O Solar dos Barrigas"e a revista local popular de grande êxito"Secas e Picadas".
Embora servindo para inúmeras manifestações culturais,a função fundamental do Cine-Avenida era o cinema.A sala,composta por balcão,plateia e geral,comportava cerca de 600 lugares.Era ampla,com grande "pé-direito", o que permitia óptima ventilação.
O proprietário desta casa de espectáculo,Joaquim de Costa,era um empreendedor empresário condeixense,ao qual se devem outras iniciativas,inovadoras e de grande benefício para a vila:a primeira carreira regular de autocarros entre Condeixa e Coimbra,o primeiro carro de aluguer para passageiros e a primeira bomba de abastecimento de combustivel(gasolina),são algumas das suas realizações.
Quase desde o início,ao sábado à noite o cinema projectava uma curta sessão gratuita,chamada por nós"experimentação",destinada supostamente a verificar se o filme estava apto para a projecção dominical.Mas,segundo se dizia,Joaquim da Costa utilizava aquele método como forma de incutir nas crianças o gosto de ver cinema.Curiosa e inteligente forma de agir!Numa época de extrema economia,sem qualquer tradição publicitária,alguém estar disposto a fazer gastos aparentemente desnecessários apenas para adquirir futuros frequentadores de cinema,era no mínimo de louvar!
Nesse tempo as crianças brincavam na Praça,a jogar futebol ou com espadas e pistolas de madeira a imitar peripécias dos actores que viam no cinema,consoante este trazia fitas de Errol Flynn ou Tom Mix.
Para a "experimentação"não tocava a campaínha que ao domingo,estridente e continuadamente chamava os retardatários à função.Apenas se acendiam os globos brancos por cima do portão principal,sinal para a garotada,diga-se de passagem há muito com os olhos postos na porta vermelha.E quando ela se abria,entrava de rompante por ali dentro,sem o estorvo dos porteiros para cobrar os desnecessários bilhetes.
Mas ao domingo também era possivel enganar os fiscais e entrar sem comprar os respectivos ingressos.
Os bilhetes estavam divididos por um picotado e eram cortados à entrada pelo Ti Chico Chicharo,na plateia ou pelo Ti Zé Fontes lá em baixo na geral,junto ao malchreiroso urinol.O balcão,controlado pelo Ti Joaquim Nabo,era um local para nós inacessível.
A parte mais larga da senha ficava com os porteiros enquanto a mais estreita,onde estavam indicados o número de lugar e fila,ficava em posse dos espectadores.Na traseira do cinema,o Quintalão(actual Praça do Município),era o local para onde quem fazia a limpesa do salão despejava todo o lixo.E com ele íam os inutilizados talões.Nós só tinhamos que ir buscá-los e com muito jeito colar as duas metades.Para a coisa parecer verdadeira o Tónio Galhardo(António Pequicho Moita),filho de alfaiate,refazia o picotado na máquina de costura do pai e,para maior requinte,passava a ferro os bilhetes assim adquiridos.Pareciam novos!
Cada sessão tinha cor diferente de senhas.Se possuíamos algumas com a cor condizente,era só esperar o fim do som da campaínha,sinal que o filme ia começar.Na semi-escuridão era mais fácil enganar os porteiros!
A geral do Cine-Avenida era um local quase impossível de ver cinema.Porém,como os bilhetes era muito mais baratos,estava sempre cheia,embora os espectadores fossem obrigados a fazer esforço de contorção para ver a fita,pela proximidade do ecrã.
Recordo-me de um dia,tinha aí os meus oito ou nove anos,ter assistido da geral ao filme"A múmia".No momento em que ela,trazida à vida não sei porque artes mágicas,caminhou direita ao ecrã,ou melhor,direita a mim com aqueles assustadores passos de sonâmbula,confesso que me urinei todo...pelo menos!
O cinema estava todos os domingos invariávelmente cheio de espectadores.Nas épocas festivas,Natal,Passos e Páscoa, a capacidade era largamente excedida a ponto de ser necessário colocar bancos corridos ao longo das paredes laterais.É evidente que para essas ocasiões os filmes também tinham de ser especiais."Fátima,terra de fé"-Violetas Imperiais"-Frei Luís de Sousa"-"Marcelino,pão e vinho"...filmes que foram a delícia de centenas de cinéfilos.Durante a semana que seguia à exibição,o desempenho dos actores ou o tema do filme, eram assunto quase obrigatório de conversa.
Os filmes da chamada "Era de Ouro" do cinema português,passaram todos pelo ecrã do Cine-Avenida."O pátio das cantigas"-"Aldeia da roupa branca"-"Maria Papoila"-"Sonhar é fácil"-"O Costa do castelo"-"O homem do Ribatejo"-"Camões"-"Capas negras"-"O cerro dos enforcados"-"A mantilha de Beatriz"...sei lá! Todos!Ali rimos a bandeiras despregadas com as graças do Vasco Santana e do António Silva,comovemo-nos com os dramas da Amália,da Milú e do Alberto Ribeiro,enternecemo-nos com a pequenita Maria Dulce no "Frei Luís de Sousa"!
Mas nem só o cinema português nos entusiasmou. Para a pequenada,uma boa aventura do corsário Tyrone Power,do Xerife John Wayne ou do marinheiro Kirk Douglas,constituía sempre momento de grande exaltação.Não esquecendo as comédias de Bucha e Estica,Abott e Costelo,Cantinflas ou Irmãos Marx.
Também o teatro e a música,como já referi,estiveram em grande plano nas actividades do velho cinema.Vários espectáculos com grupos da terra ou vindos de fora,teatro infantil,revistas populares onde tiveram papel de detaque actores amadores de Condeixa, as inolvidáveis melodias do Maestro António de Oliveira e actuações do Orfeão da Casa do Povo,dirigido pelo Maestro Saul de Oliveira Vaio.
O cinema terminou os seus dias como celeiro da Cooperativa Agrícola de Condeixa e foi demolido no final do século vinte,após cerca de quarenta anos de actividade,uma actividade que foi progressivamente diminuindo após o advento da televisão.
Mas ainda hoje,quando vou a um cinema,não posso deixar de recordar o Cine-Avenida,com o seu grande candelabro de globos lá no alto,o inevitável tango "Rosas Vermelhas" tocado ao intervalo e,fundamentalmente, a "experimentação",parte integrante das nossas actividades lúdicas.
Cândido Pereira-

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Contributo para conhecer Condeixa

Condeixa,na sua multissecular existência e apesar das lacunas comuns a tantas outras terras do País,ainda tem no entanto possibilidade de estudar algo da sua ancestralidade através de documentação dispersa,existente principalmente na Torre do Tombo e no Mosteiro do Lorvão.
Os estudiosos podem nesses locais procurar informação útil ao seu trabalho.Isso é História,baseada em criterioso trabalho de pesquisa documental,que personifica a estrutura cultural de um povo.
A vila possui uma única monografia,da autoria do Capitão Augusto dos Santos Conceição,ilustre figueirense que a Condeixa dedicou grande parte da sua vida,mas a quem Condeixa ainda não foi capaz de prestar a justa homenagem.
Em 1947,Santos Conceição editou um volume monográfico intitulado"Condeixa-a-Nova".Mais tarde,já após o falecimento deste historiador,José Maria Gaspar, Inspector Escolar e antigo Presidente da Câmara,lançou uma segunda edição da mesma monografia,com alterações cronológicas e de actualização.
Paralelamente à pesquisa histórica,relativamente importantes são os relatos alicerçados em exercícios de memória,quer dos autores dos mesmos,quer a partir do testemunho de pessoas que viveram factos dignos de registo.
Em 1953, uma parceria formada pelo livreiro e estudioso da história local, Isaac Pinto, e Fernando Rebelo,veterinário municipal e autarca, editou também um conjunto de cadernos intitulado"Subsídios para a história de Condeixa".
Curiosamente,o primeiro fascículo era dedicado ao teatro amador condeixense,desde 1814,data da primeira apresentação nesta vila que só em 1853 viria a alcançar o estatuto de sede do Concelho.É notável a escolha do tema,sinal expresso da intenção de dar relevo ao aspecto cultural dos referidos cadernos.
De posse destes dois trabalhos,pode o leitor atento compreender o percurso desta antiga povoação,hoje próspera vila de Condeixa.
Mas 1953 fica muito distante!Entretanto,muitos episódios relevantes sucederam,a vila naturalmente modificou-se,principalmente nas últimas décadas.Inclusivamente,até a própria Estrada Nacional deixou de passar bem no coração da terra e afastou-se,criando de certa forma a descentralização do burgo.
Exactamente pensando no hiato histórico do último meio século,tive a ideia de descrever a velha Condeixa do meu tempo ,relatando episódios e referindo figuras entretanto desaparecidas ou factos ainda na memória de alguns,poucos.Desta forma,os meus netos e os netos dos meus contemporâneos,terão base para contar aos seus próprios descendentes,como era a vila.
Vou começar as crónicas descrevendo a Praça.
O antigo Terreiro passou a designar-se Praça da República logo após a implantação desta e muito antes da demolição do Palácio dos Sás.Este imponente edifício do século XVII,foi incendiado pelas tropas francesas.
Em 1927 a Câmara adquiriu o semi destruído prédio,demoliu-o e alargou o Terreiro,abrindo também novas vias.
A Praça,simplesmente,como era designada,foi sempre o lugar mais importante da vila.Mesmo quando não passava de acanhado local,lá se realizava o mercado bissemanal,só extinto na década de 1980 e transferido para o Quintalão.
As grandes tílias mandadas plantar pelo Presidente Dr.Madeira Lopes em 1953,enquadravam magníficamente um vasto espaço que a "cama" do Rio do Cais,com a sua "cabeceira" de azulejos policromados, os jardins circulares e o agradável odor das árvores em flor,formavam um conjunto agradável para passeio nas amenas noites de verão.
A Praça era a sala de visitas de Condeixa.
Noutro tempo,em frente à residência do Professor Mateus(hoje Restaurante Madeira),havia um largo ao qual vinham dar duas ruas nascidas da foz da Avenida.Formavam um triângulo,pequena praceta que em 1947 foi aproveitada para a instalação de um Parque Infantil.Todo murado,tinha os apetrechos necessários à sua função e,facto curioso para a época,possuía uma pequena biblioteca.A pessoa encarregado do bom funcionamento do parque era a "menina Otília".Após longos anos de utilização,o progressivo processo de degradação levou a que o parque fosse desactivado.As alterações da arquitectura da Praça,acabaram inclusivamente com o local onde estava instalado.
Aos domingos a Praça assumia a sua verdadeira função de centro cívico da vila.
Pelos bancos sentavam-se famílias trocando entre si as últimas novidades e mexericos.Senhores circunspectos palmilhavam cadenciadamente a Praça de lés a lés,discutindo "assuntos de relevante interesse".E os miúdos corriam por entre todos,pontapeando a "bola" de trapos.De vez em quando,o achatado objecto colidia com as pernas dos presentes e lá vinha o chorrilho de imprecações.Então,se as canelas eram do velho Abel Batata,as pragas tinham conotação mais sinistra:"Antigamente ainda vinham umas febres que davam cabo desta canalhada toda!"
Também no atrás referido largo se jogava à bola,sempre com atenção à aparição da autoridade,avessa às brincadeiras das crianças.Quando não era a intromissão de certo zeloso funcionário camarário,inimigo figadal de futebol na via pública.
Um dia,jogava-se com uma bola de borracha,raríssimo luxo só alcançado quando algum "menino rico"se juntava à plebe.No momento em que o esférico saiu do controle dos improvisados futebolistas,surgiu da Rua Direita o "tal" camarário.Pegou na bola,retirou do bolso um canivete e,com requintes de malvadez,cortou-a em gomos,como se estivesse a descascar uma laranja,alheio aos protestos veementes da garotada que assim via terminar tão aguerrido desafio.
Bem no meio da Praça,ladeado por altos candeeiros de ferro fundido,erguia-se o Chafariz.Dizia-se que era a representação de um cesto de flores,referência ao brasão da vila.Ideia errada porque vários outros existiam exactamente iguais,como o de Castanheira de Pera, e cesto de flores,apenas o emblema da vila de Condeixa possui.
Actualmente o chafariz está localizado noutro local da Praça.Quando no sitio original,embora estorvando os jogos de bola,tinha a virtude de servir de local de convívio para a "malta",tão carente de sitio mais apropriado.
A abrir as portas da Avenida,existiam dois belos edifícios.Um deles foi demolido para dar lugar a um Banco,mas o outro continua como simbolo representativo da arquitectura da primeira metade do século XX.
Já a fechar a Praça,o corpo lateral da Igreja Matriz,dedicada a Santa Cristina,padroeira de Condeixa.
Esta era a Praça do meu tempo.Hoje está em processo de radical alteração.É uma página que se volta nesta Condeixa sempre em processo de descaracterização!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Procissão do Senhor dos Passos em Condeixa


Realiza-se nos dias 6 e 7 de Março próximo, a muito antiga Procissão dos Passos do Senhor, manifestação religiosa de grande significado para a vila e que se apresenta sempre com a solenidade própria da evocação da Paixão de Jesus Cristo, na longa caminhada para o Calvário.

Trata-se de um evento tradicional, embora nunca tenha sido possivel determinar a data do seu início. Sabe-se no entanto que este género de procissões, tal como chegaram ao nosso tempo, tiveram o começo no decorrer do século XVII.

O livreiro e dedicado estudioso da história de Condeixa, Isaac de Oliveira Pinto,entre muitos trabalhos literários de grande valor,deixou um manuscrito que intitulou:"Irmandade das Almas e Senhor dos Passos da freguesia de Condeixa-a-Nova,1682-1953".

Para esclarecimento de muitas dúvidas que ainda persistem sobre alguns aspectos da procissão,com a devida vénia ao autor,passo a transcrever excertos do referido manuscrito:

"...a Confraria das Almas só em julho de 1885 passou a chamar-se "das Almas e Senhor dos Passos",mas numa acta de 25 de Agosto de 1799,li o seguinte:"Logo pela manhã irá o "andador"para a Igreja limpar a imagem e todos os seus pertences..." Em 1799 pois,já a Procissão se fazia.Mas é bem possível que já venha do ano de 1752.Esta data está marcada num painel de azulejos do Passo da Rua Direita(actual Rua Dr.Fortunato de Carvalho Bandeira).

Em princípios de 1910,reuniu a Mesa para resolver adquirir nova imagem do Senhor dos Passos.A que existia estava a precisar de reparos e estes importavam grossa quantia.Mas,mesmo que o trabalho fosse perfeito,os mesários recearam que o povoléu acreditasse que a imagem enviada para reparação não fosse a mesma que depois viria.Muitas pessoas ainda hoje falam do burburinho causado quando a imagem da Senhora da Conceição voltou do Porto,restaurada.Não acreditaram que fosse a mesma e isso deu muitos aborrecimentos à Mesa.(nota:quando o exército de Massena incendiou a vila e consequentemente a Igreja,em 13 de Março de 1811,um soldado francês levou a imagem de Nossa Senhora da Conceição,mas logo a abandonou,muito danificada,junto à Fonte de Caraça) Decidiu-se então comprar uma imagem nova.Parece que o Padre Dr.João Antunes ou António Pena conheciam a existência de uma imagem num santeiro do Porto e a aquisição foi feita, tendo a veneranda e artística imagem entrado na nossa Igreja no dia 18 de Janeiro de 1910,transportada em caixote desde a casa de Abilino Augusto da Conceição,um dos maiores influentes da aquisição.A imagem,pela sua perfeição escultural e impressionante expressão,é considerada uma das melhores do país.Alguém que por aqui tem passado e a tem visto,é de opinião que ali andou a mão ou o espírito de Teixeira Lopes.Com data de 2 de Fevereiro de 1910,vê-se o seguinte lançamento:"Pelo que mandou pagar proveniente de uma imagem do Senhor dos Passos a António de Almeida Estrela,escultor do Porto,63$000."(nota:sessenta e três mil reis).Parece compreender-se que esta importância,hoje insignificante,foi para o inteiro pagamento do primoroso trabalho,pois jamais vi qualquer registo ou lançamento de respeito.

No ano de 1911,ao terceiro sábado da Quaresma,saiu esta veneranda imagem pela primeira vez,da Igreja Matriz,em procissão pelas habituais ruas da vila.Ia em camarim fechado(nota:facto que ainda hoje sucede) e por isso só no domingo foi vista e venerada por uma multidão de devotos,sendo olhada com verdadeira admiração por pessoas daqui e de Coimbra..."

... "A procissão do Senhor dos Passos sempre se fez ao sábado,da Igreja Paroquial para a Capela do Senhor da Agonia,retirada além umas dúzias de metros do Palácio Sotto Mayor(nota:esta capela pertencia ao Paço dos Almadas,localizado no local onde hoje está a Pousada de Santa Cristina),tendo pequenas paragens nos Passos do percurso.Junto a cada Passo,alguns músicos executavam os "Motetos",composição medieval polifónica,estacionando o andor do Senhor durante um minuto sobre o rio do Cais,para que os crentes colhessem água que consideravam milagrosa.No dia seguinte à tarde,saía a imagem da Capela do Senhor da Agonia,em procissão solene(nota:o andor da Senhora da Soledade pernoitava na Capela do palácio dos Lemos,ou Sotto Mayor e o sermão do Encontro era proferido do alto da varanda do mesmo palácio),percorrendo as ruas da vila,com a Verónica cantando "Ó vós omnes qui transitis..."diante de cada Passo.A capela do Senhor da Agonia foi demolida em 1940,pelo que as duas imagens passaram a ficar na Capela da Senhora da Piedade".

-Entendi que a melhor forma de noticiar a mais antiga manifestação religiosa de Condeixa,era transcrever esta descrição de um dos mais preclaros e bem informados condeixenses.Não foi em vão,felizmente,que passou horas e horas vasculhando papéis poeirentos.

A Procissão do Senhor dos Passos,embora actualmente algo diferente de outrora,continua a despertar nas pessoas um profundo sentimento religioso,especialmente ao ver o sacrifício dos penitentes que,no sábado,cumprem de joelhos promessas feitas em momentos de aflição.

Cândido Pereira
(a fotografia da Procissão foi gentilmente cedida pelo senhor Manuel Nujo)

domingo, 17 de janeiro de 2010

O TEATRO EM CONDEIXA

O teatro português,pensa-se,nasceu em 1502 pela mão de Gil Vicente,quando representou perante a corte de D.Manuel I o Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação,festejando assim o nascimento daquele que viria a ser o rei D.João III.
A Europa saía da longa noite da Idade Média e entrava decididamente na era renascentista.
Em Portugal,após o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e o "achamento" do Brasil,operaram-se fundas transformações,tanto a nível cultural como arquitectónico.
O jovem príncipe que Gil Vicente homenageou,depois de coroado rei,fixou definitivamente a Universidade na cidade de Coimbra,em 1537.E essa radicação muito veio influenciar a cultura da região.
Condeixa,que em tempos não passava de simples freguesia de Coimbra,desde longa data recebeu benéfica influência,no plano arquitectónico,com o aparecimento de belos palácios e solares.
Culturalmente,data do século XIX a fundação de um agrupamento de teatro amador.
Em 1814,mais de trinta anos antes de a vila ser elevada à categoria de sede de Concelho,por carta régia de D.Maria II,um pequeno grupo de pessoas decidiu iniciar uma actividade que lhe permitia ocupar os tempos livres,recreando o espírito.
Na Rua de S.João(actual R.Francisco de Lemos),possívelmente num prédio que existia entre a Capela da Senhora da Piedade(Capela do Palácio) e a casa da família do Dr.João Ribeiro(outra hipótese é uma casa em frente ao portão de serviço do palácio,um velho prédio actualmente desabitado),na residência de Salvador Pena,este líder do grupo de amadores teatrais criou o 1º Agrupamento de Teatro Amador de Condeixa. O local era exíguo e,para além do palco,pouco mais restava para acomodar o público.Mesmo assim,o pequeno teatro esteve em funcionamento até 1828,terminando a actividade devido à luta fratricida entre liberais e absolutistas, que dividiu o País e teve também graves repercussões em Condeixa.
Cerca de vinte anos mais tarde,já saradas as feridas de guerra,um novo grupo de entusiastas conseguiu de Fortunato Maria dos Santos Bandeira a cedência do sobrado de uma casa na Rua Nova(R.Venceslau Martins de Carvalho.O prédio do teatro,é hoje um velho barracão situado em frente ao edifício da Santa Casa da Misericórdia).Este pequeno teatro,de condições precárias,foi inaugurado com a comédia "Barba Roxa" e manteve-se em actividade até 1865,data em que Fortunato Bandeira cedeu os restantes compartimentos da casa.Logo se iniciaram obras que tiveram como efeito o aparecimento de uma casa de espectáculos bastante aceitável para a época.A sala comportava cerca de 200 espectadores e à sua volta foi construída uma galeria à altura de dois metros,no centro da qual,ao fundo, se fez um camarote para o dono do prédio e sua família,única exigência de quem,durante muitos anos, não foi dono da sua própria casa.
Para a inauguração deste teatro,foi escolhida a obra de Almeida Garrett,"O Camões do Rossio",peça dirigida pelo Dr.António Simões dos Reis.Posteriormente outros encenadores assinaram mais grandes êxitos.Entre eles,destacam-se os nomes de António José Pena e António Ferreira Pena,sendo o último considerado o mais competente ensaiador que Condeixa teve.
Entretanto,alguns dissidentes criaram a sua própria casa de espectáculos,curiosamente na mesma rua,o que motivou o aparecimento de uma placa denominando aquela artéria como"Rua dos Teatros".
Evidentemente,a existência de dois agrupamentos teatrais numa pequena vila,gerou grande rivalidade,com a terra dividida nas preferências.A balança pendia para o lado do Teatro do Bandeira,em detrimento do Teatro do Simões, nomes como eram conhecidos os grupos.Apesar da preferência do público, o Teatro do Simões obteve muitos êxitos,tendo inclusivamente tido o mérito de atrair para o elenco a presença de elementos femininos,coisa quase inconcebível para a época.Mas só assim foi possível representar "O Nascimento de Cristo",peça de grande impacto,como se imagina.
Por incrível que pareça, o fim do Teatro do Simões ficou a dever-se a um cortejo carnavalesco.
Um dos maiores êxitos do grupo foi a récita "O Enterro do Catimbau".Esta comédia exigia a presença de um cavalo,mas dada a reduzida dimensão do palco,o ensaiador optou por substituir o equídeo por um asno.Só a passagem do jerico para os ensaios constituía óptima propaganda.
No Domingo Gordo de 1870,um grupo de brincalhões teve a ideia de parodiar a peça.O cortejo começou na Faia e atravessou a vila em direcção ao Paço.Todos os intervenientes da comédia eram troçados o que,como se calcula,acabou por ferir a susceptibilidade de alguns ,que resolveram acabar com a brincadeira.À força,claro,com cabeças partidas e prisão para os desordeiros.Embora na altura se apontasse o dedo aos elementos do Teatro do Bandeira,parece que isso não correspondia à verdade.Seja como for,certa foi a dissolução do elenco e encerramento do teatro.
Agora o Teatro do Bandeira,sem outro a fazer-lhe sombra,prosseguia calmamente o caminho,sempre semeado de êxitos,mas também de episódios deveras curiosos.Um dia,representava-se o drama"Santo António",com a sala cheia.A meio do espectáculo gerou-se um conflito na assistência,tendo alguns espectadores timoratos abandonado a sala e os actores obrigados a interromper a função.Então,Santo António com o seu hábito de franciscano e o Diabo,vestido de vermelho,foram para o meio do público.Lúcifer,de mãos postas,pedia por amor de Deus que acabasse a desordem e Santo António,que fora de cena era o empresário do teatro,gritava palavrões e distribuia generosamente alguns tabefes.Quando o público se apercebeu do ridículo da situação,desatou às gargalhadas e o espectáculo prosseguiu em boa ordem.
De outra vez,António José Pena ensaiou um dramalhão de faca e alguidar,tipo de peça muito ao gosto desse tempo.No dia da estreia a sala estava apinhada.Porém,logo que começou o espectáculo,o público,em vez de se comover com as cenas dramáticas representadas,ria desalmadamente,para desespero do ensaiador.Só ao intervalo é que alguém explicou o mistério.O ponto,um velhote muito alegre e simpático,reagia ao desenrolar da peça como se estivesse a representar.Ria,chorava,fazia esgares e gestos e até indicava as entradas e saídas de cena.Tudo isto passaria despercebido se não fosse a existência de um grande espelho colocado no fundo do palco e que reflectia a actividade do ponto no seu buraco!É claro que os espectadores divertiam-se mais com essas cenas do que com o dramalhão.
O Teatro do Bandeira,apesar do êxito das representações,teve o seu fim 1905.Vale a pena contar as razões que motivaram o término deste notável agrupamento.Dou a palavra aos autores de"Subsídios para a História de Condeixa",Isaac Pinto e Fernando de Sá Viana Rebelo:
«Como tudo na vida,o Teatrinho do Bandeira teve o seu fim.Em 1 de Março de 1905,foram levadas à cena duas peças:"Máscara Verde",comédia em dois actos e "Inquilinos do Sr.Pantaleão",em 1 acto.Foi o último espectáculo que lá se realizou.Os louros conquistados nas últimas representações envaideceram demasiado alguns "artistas" que passaram a notar no teatro defeitos e falhas,como falta de conforto,lotação demasiado pequena,palco exíguo,etc.E tudo virou costas à casa que tão hospitaleiramente e sem interesse recebera a rapaziada de Condeixa.Esta terra é de extremos,ora apoia vibrantemente,ora cai em mórbida apatia.Na hora da debandada,poucos se recordam das noites plenas de emoção que os condeixenses viveram no velho teatro,como por exemplo a inauguração do Orfeão,em 1903,a dos espectáculos da Tuna constituída por sócios da Sucursal do Real Instituto de Lisboa e tantos outros...»
O facto de ter acabado o Teatro do Bandeira,não significa que tenha terminado o interesse pela arte de Talma em Condeixa.
Na verdade,quatro anos depois,António Júlio Monteiro e Joaquim Augusto Simões construíram um barracão,mais ou menos no local onde hoje se situa a firma Coelho&Viais. Tinha vasto palco,camarins e plateia com capacidade para 300 pessoas.
Muitas foram as peças ali representadas,não só por amadores da terra,mas também por grupos profissionais de teatro itinerante,muito vulgares na época.
Também a primeira projecção cinematográfica a que Condeixa assistiu,foi lá apresentada.
Com a implantação da República,o salão passou a servir apenas para sessões políticas.Depois,um incêndio destruiu tudo.
Em 1932,por breve espaço de tempo,funcionou na Quinta de S.Tomé um agrupamento.Mas nesse mesmo ano foi inaugurado o Cine-Avenida e Condeixa passou a usufruir de óptima casa de espectáculos.Embora inicialmente concebida só para cinema,em breve o proprietário a adaptou de forma a poder servir ao teatro.
O Grupo Cénico Dr.João Antunes,recentemente criado,ali representou várias peças e revistas musicais,nomeadamente:"Noites de Santo António","O Solar dos Barrigas" e"Secas e Picadas",esta uma revista de grande êxito,já pela graça dos seus quadros,como pelas músicas admiráveis do Maestro António de Oliveira,canções que continuam a ser escutadas com muito prazer.
Durante mais de três dezenas de anos de existência activa,o Cine-Avenida,a par das projecções cinematográficas,foi inúmeras vezes utilizado para os mais diversos tipos de espectáculos.
O teatro constituiu sempre uma preocupação e uma necessidade cultural de Condeixa.Porém,nunca foi uma actividade constante,antes pelo contrário. Cíclicamente,surgiam arroubos de grande entusiasmo,seguidos de períodos de apatia..Por isso,não é de estranhar,o aparecimento ao longo dos anos,de diversos grupos teatrais.
No princípio da década de 1950,teve preponderância o Clube de Condeixa que criou um agrupamento cénico.Com a direcção de João Pimentel das Neves,encenador com grandes responsabilidades no renascimento do teatro,foi levada à cena uma peça que imediatamente obteve êxito.Tratava-se da comédia em três actos "O Conde Barão".
Também nesse ano,o Externato Infante D.Pedro,recentemente instalado na vila sob a direcção do Dr.Luís Cardoso do Vale,apresentou no Cine-Avenida um espectáculo com duas peças:"D.Filipa de Lencastre",de Almeida Garrett e "Todo o Mundo e Ninguém",de Gil Vicente.Ambas foram protagonizadas pelos alunos do Colégio.
Em 1954,para comemoração do 1º Centenário da morte de Almeida Garrett,reapareceu o grupo do Clube para registar a efeméride, com uma "Semana de Garrett".
Os espectáculos tiveram lugar no pátio do palácio Sotto Mayor,em Agosto de 1954.
Abriu o evento o grupo da terra com a peça em três actos,"O Camões do Rossio"de Garrett.Durante a semana,decorreu um recital de poesia pelo crítico de teatro Goulart Nogueira,uma palestra pelo Dr.António José Saraiva e,a fechar, uma representação do drama de Almeida Garrett,"Frei Luís de Sousa,pelo Grupo de Instrução Tavaredense.
Após esta manifestação cultural,novo interregno até 1956,data da inauguração da Casa do Povo.Novamente o Clube de Condeixa em cena,com duas peças de um acto:"O Tio Simplício",de Ramada Curto e "O Desporto Rei" de Romeu Correia.Por doença súbita do escolhido ensaiador,João Pimentel das Neves,quem dirigiu o grupo foi o Dr.Manuel Deniz Jacinto.
Outra vez a história a repetir-se! Mais uma paragem,sem futuro definido. Novamente Isaac Pinto e Fernando Rebelo,a dizerem:«...Até quando?Não sabemos!As manifestações de colectivismo em Condeixa surgem sempre de repente,pletóricas de entusiasmo e de projectos,mas também morrem depressa e, se vingam,lembram quase todas, pela efémera duração,as celebradas "Rosas de Malherbe"! Porque havia o teatro de fugir à regra?..."
Mas em 1959,por ocasião da homenagem ao Maestro António de Oliveira,decorreu na Casa do Povo uma série de três saraus de música e teatro,fazendo parte deste último, vários quadros da antiga revista"Secas e Picadas".
Já no final da década de 1960,novo agrupamento pertencente ao Clube,apresentou peças por mim,Cândido Pereira,ensaiadas .
Entretanto chegou a Condeixa um animador da então designada Junta de Acção Social,organismo ligado à F.N.A.T.(Fundação Nacional para Alegria no Trabalho),o actor profissional Nunes Vidal,antigo elemento do Teatro Experimental do Porto.Dramaturgo e profundo conhecedor da arte teatral,criou um agrupamento chamado Teatro do Povo,que realizou muitos espectáculos dentro e fora de Condeixa.
Após esta experiencia,outra paragem! Só em 1979 é que foi retomada a actividade teatral,ainda na Casa do Povo.Uma revista e várias peças de teatro foram apresentadas,com a particularidade da criação de um grupo de teatro infantil.
Como essa actividade foi da minha responsabilidade como encenador,prefiro que sejam outros a registar o facto.
Condeixa,Janeiro de 2010-Cândido Pereira

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

LUGARES DE CONDEIXA-A RUA PRINCIPAL

A PRAÇA



O antigo Terreiro,passou a designar-se Praça da República logo após a implantação desta.

Porque é um espaço muito importante da vila,terá na devida altura direito a crónica própria.

À esquina da estreita entrada para Condeixinha,há um grande edifício revestido de pedra,o único exemplar do género existente na terra porque o proprietário era dono das pedreiras de Condeixa-a-Velha,onde se extraiam as mós de moinho,as melhores,exportadas até para o estrangeiro.

Neste prédio está ainda instalada a Farmácia Rocha.O pai das actuais proprietárias,Dr.Júlio Pires da Rocha,licenciado em Farmácia,era criador de vários medicamentos que manipulava no seu laboratório.

Até há bem pouco tempo,a farmácia configurava-se como exemplar característico dos estabelecimentos congéneres do século XIX.

Armários onde se alinhavam os diversos medicamentos,um pequeno balcão e ao centro deste a indispensável balança de precisão encerrada num cofre de madeira e vidro.

Embora muitos dos medicamentos fossem já de venda comum nas farmácias,alguns remédios eram ainda de outro século:papas de linhaça que tanto davam para amolecer um furúnculo como para tratar uma pneumonia;pomada das infecções,negra como pez,vendida em pequenas caixas cilíndricas,além dos "poses p'ró estômago",soluções alcalinas ou simplesmente bicarbonato de sódio.´Até aos meados do século XX,o passeio da farmácia servia de local de tertúlia onde ao fim da tarde se reuniam algumas das personalidades da vila(médicos,juiz,pároco,etc.).


Um pouco mais adiante,o Café Imperial,de António Caridade Paula(António Miro).

Creio ter sido em 1945 que uma antiga loja de cereais há muito encerrada,foi transformada num belo café,cotado entre os melhores do distrito.

Amplo,tinha nas paredes laterais grandes espelhos redondos e candeeiros a gás,para suprir a eventual falha eléctrica e um lindo tecto de gesso repuxado e pintado,dando a ideia de lago de águas encrespadas brilhando em prata.O robusto mobiliário de madeira,foi executado por encomenda.

Na frontaria,uma pequena montra de um lado e larga vidraça do outro,conferiam ao estabelecimento boa luminosidade.Completava o conjunto a esplanada,roubada ao espaço do passeio,com pala superior de armação de ferro e vidro martelado.

Devido à magnífica localização,o Café Imperial era o mais frequentado da vila.Mas o proprietário também contribuía para a reputação do estabelecimento.Competente profissional,sabia como servir bem os clientes.

O lote de café era das melhores marcas e a máquina,duas elevadas torres niqueladas,com torneiras,aquecida por fogareiro a petróleo,só utilizava a quantidade de café conveniente para o correcto número de "bicas".As borras,ainda com boa capacidade de reutilização,eram dadas a pessoas necessitadas.

Antes do advento da televisão,os relatos de futebol através da rádio,especialmente os desafios de hóquei em patins,no tempo áureo da Selecção Nacional,campeã mundial da modalidade,eram escutados com fervor no rádio do café.E os clientes deliravam com os fantásticos golos do Jesus Correia ou do Sidónio Serpa e as defesas acrobáticas do Emídio Pinto.

O Café Imperial foi indubitávelmente um marco da vida social condeixense daquela época.

O prédio seguinte,era um estabelecimento de fazendas e pertencia a Manuel Alípio Coelho de Paula.(hoje é um restaurante).


Depois,a mercearia de David Salazar.No subterrâneo da sua casa existia uma gruta,a "cova funda",que ia quase até ao meio da Praça,paralelamente ao troço escondido do rio Caldeirão,exactamente ao encontro do local onde se situava a frontaria do prédio,posteriormente demolido,do Palácio dos Sás.Dizia-se que esse túnel servia,em tempos remotos,de escapatória aos proprietários do palácio,caso se tornasse necessário.


Logo a seguir,na esquina,a pequena papelaria da Sra.Marquinhas Pena,vulgarmente conhecida como "Marquinhas Bicha".Recordo-a como uma senhora de idade,baixinha e muito simpática,que vendia os cadernos e as lousas para os miúdos das escolas e falava com eles como se estivesse a tratar com adultos.No mesmo prédio,depois da esquina,a loja de sua filha,Soledade(Bicha).O estabelecimento tinha prateleiras onde se alinhavam urnas de pinho cru,sem qualquer ornamento.Curiosamente,apesar da estranha mercadoria,a loja não inspirava a natural aversão que motiva a presença dos artefactos macabros.


Depois,a papelaria de Isaac Pinto,com departamento de fotografia,esta última função da responsabilidade de seu filho José Pinto,fotógrafo artista,de quem ainda hoje podemos apreciar valiosos clichés que retratam o quotidiano condeixense do tempo.Isaac Pinto foi uma das mais importantes figuras culturais da vila,na primeira metade do século XX.Conhecedor profundo da vida social e cultural de Condeixa por nela participar activamente,foi,como ele um dia escreveu no jornal "A Pátria",co-fundador do Orfeon de Condeixa.Deixou para a posteridade grande número de escritos que documentam não só a época,mas factos antigos obtidos por persistente investigação.Muitos desses testemunhos,manuscritos,ficaram em mãos de familiares ou amigos e nunca foram editados.Felizmente,um dos mais importantes,um trabalho reunido em onze fascículos com o título genérico "Subsídios para a História de Condeixa",realizado em parceria com o veterinário municipal Dr.Fernando de Sá Viana Rebelo,foi editado pela Tipografia Ética,de Condeixa.Também a Igreja de Santa Cristina,na reconstrução que sofreu no princípio do século XX,beneficiou bastante com a sua sensibilidade artistica e profundo conhecimento da história daquele templo.Dos diversos artigos vendidos na papelaria:jornais,revistas e livros,contava-se uma publicação bissemanal de banda desenhada,"O Mosquito",bastante apetecida pelos garotos do meu tempo.Na falta de capacidade monetária para a adquirir e como o meu pai era assinante do jornal "O Século",em dia de saída do caderninho de bonecos,era eu que ia buscar o diário pois o Sr.Isaac deixava-me ler aquela edição infantil.No mesmo prédio,o Café Conímbriga,propriedade de José Pinto e Jaime dos Santos.Este café tinha nas paredes interiores belos frescos alusivos a alguns dos mais interessantes mosaicos de Conímbriga.


Com este estabelecimento,termina a Rua da Praça.


LARGO RODRIGO DA FONSECA MAGALHÃES


Começa o Largo,com a Igreja Matriz,dedicada a Santa Cristina,padroeira dos moleiros,profissão muito disseminada na vila.

Dizem os historiadores que em 1502 quando o Rei D.Manuel I passou a caminho de Santiago da Galiza,por achar a igreja muito pequena e em mau estado de conservação,mandou que novo templo se construísse.Disso encarregou os frades de Santa Cruz de Coimbra.Recorro à Monografia do Capitão Santos Conceição,que refere o livrinho do Cartório daquele Mosteiro,datado de 1521:"Contrato e obrigações que fizeram os moradores de Condeixa-a-Nova à fábrica do corpo da Igreja e altares dela;e o mosteiro se obrigou à fábrica da Capela Mor".Já em 1522,dizia o mesmo livro:"Obrigação que fizeram os moradores de Condeixa-a-Nova de darem toda a prata que for necessária para ornato e serviço da Igreja de Santa Cristina".

A nova Igreja deve ter sido acabada em 1543.Possui ampla nave e tinha o tecto abobadado,pintado com lindos frescos que,devido às sucessivas inflitrações da chuva, ficou bastante degradado e foi coberto com paineis de madeira,já na década de 1960.A Igreja,toda feita em pedra de Ançã lavrada,tinha os lambris das paredes interiores forrados com azulejos dourados.Havia nesta Igreja três capelas particulares,uma de D. Lourenço de Almada,senhor do Paço dos Almadas,outra de João de Sá Pereira,da Casa dos Sás e ainda outra dos Morgados de Morais Botelho,da Casa do Salgueiro.Hoje só a Casa dos Sás mantém a "sua" Capela.

O templo foi completamente destruído por incêndio durante as invasões francesas e muito mal restaurado no século XIX,quando inclusivamente entaiparam algumas capelas.No início do século XX foi remodelada com grande rigor,graças à sensibilidade artística e intelectual de Isaac Pinto e do Padre Dr.João Antunes.

Em frente à Igreja,um edifício que foi propriedade de João Pimentel das Neves,personalidade de grande importância no percurso cultural da vila.Foi encenador de vários grupos de teatro amador e ocupou ainda por diversas vezes o cargo de presidente do Clube de Condeixa.Em 27 de Abril de 1974,chefiou a Comissão Administrativa da Câmara Municipal,conjuntamente com António Caniceiro da Costa e Fortunato Pires da Rocha.

O prédio ao lado pertencia a José Dias Ferreira e,como já tive oportunidade de referir,foi ali que nasceu Rodrigo da Fonseca Magalhães.No rés-do-chão está instalado o mais antigo estabelecimento de Condeixa,sempre do mesmo ramo,uma centenária loja de ferragens.

No espaço entre o corpo da Igreja e os actuais Paços do Concelho,existiu também outra loja de ferragens que pertencia à família Pires Machado,mas era conhecida como "a loja do Sr.Franklim".

O largo que se inicia após este estabelecimento era um dos locais utilizados pelo mercado bissemanal e por isso conhecido como Feira das Galinhas.O seu nome verdadeiro é:

LARGO ARTUR BARRETO

O edifício dos actuais Paços do Concelho domina todo o local.Datado da primeira metade do século XVII,pertenceu aos Condes de Portalegre e também foi conhecido como Palácio do Capitão-Mor.Para a posteridade ficou no entanto o nome de família de um dos proprietários,Figueiredo da Guerra,embora a pedra de armas que ostenta sobre o portão seja dos Cabrais,também seus antigos donos .

Numa visita que fiz às ruínas da Quinta de S.Tomé,vi embutidos na parede interior da capela dois brasões dos Figueiredos da Guerra,sendo um deles presumivelmente o que esteve na frontaria do palácio do Largo Artur Barreto.Tem forma rectangular e é ladeado por duas volutas,uma invertida da outra.Lavrado em pedra calcária(Ançã?),está decorado com artistico entrelaçado de folhas de acanto gótico em relevo.No centro tem um escudo no qual estão cinco folhas de figueira,duas em cima,duas em baixo e uma ao centro.De cada lado desta,as letras A e I.A encimar o escudo,um elmo com leão coroado .Por cima desta pedra,estava um escudo mais pequeno,em tudo semelhante ao anteriormente descrito,mas sem leão sobre o elmo.Dado o estado de ruína da referida capela e temendo a derrocada iminente com a consequente destruição das pedras de armas,em 2005 pedi ao Presidente da Câmara,Eng,Jorge Bento que as mandasse retirar.Ele mais tarde informou-me tê-lo feito e ordenado que fossem recolhidas no estaleiro(?),junto ao cemitério!

Na terceira invasão francesa,as tropas de Massena e Ney,além de muitos outros edifícios da vila,também vandalizaram e incendiaram o palácio dos Figueiredos da Guerra.Em 1857 foi vendido a Albino Justiniano de Carvalho,que o mandou reconstruir respeitando a primitiva arquitectura.Porém os belos azulejos do século XVII representando motivos de caça e que decoravam as escadas e varanda do pátio interior,não foram recuperados.O velho edifício foi posteriormente herdado por Artur da Conceição Barreto que o doou,juntamente com alguns prédios confinantes,à Fundação Hospital D.Ana Laboreiro d'Eça.Já no século XX estiveram lá instalados vários serviços.No 1º andar,o Tribunal Judicial e a sede do Clube de Condeixa.No rés-do-chão,um armazém de mercearias,um estaleiro de materiais de construção e uma oficina de marcenaria.Entretanto a Câmara adquiriu o imóvel.Depois de profundas obras de reconstrução e remodelação,transformou o vetusto edifício em Paços do Concelho,um destino que dignificou os serviços ali instalados e preservou o património arquitectónico da vila.

A velha Feira das Galinhas é hoje um agradável jardim que colocou em maior destaque o Monumento aos Mortos da 1ªGrande Guerra,o primeiro a ser erigido no nosso país,exactamente em 9 de Março de 1921.Quando o largo era um simples terreiro,ali se realizavam espectáculos ao ar livre com companhias de saltimbancos,grupos de acrobatas que percorriam o país de lés a lés,actuando nas pequenas localidades.

Em frente à Câmara,o prédio que tem a placa com o nome do largo,foi desenhado pelo conceituado arquitecto Raul Lino,autor de vários projectos como a"Casa dos Patudos",em Alpiarça e o palacete do Dr.Ângelo da Fonseca,onde está instalado o Governo Civil de Coimbra.

Paredes meias,era a loja de solas e cabedais de José Lopes Cardoso que no Canto,por detrás do prédio do estabelecimento,montou uma pequena industria de manufactura de calçado.A sapataria tinha uma curiosa forma de comercializar a sua mercadoria.Os clientes adquiriam uma caderneta onde era afixada a quantia periódica paga e constituía no final,a importância do valor comprado.A cada caderneta era atribuído um número.Semanalmente,se esse número correspondia aos últimos algarismos do primeiro prémio da lotaria nacional,o dono da caderneta era brindado com a oferta do calçado sem precisar de continuar a pagar prestações.

Depois de um breve passeio que marcava a antiga cota do largo, existiu um alto patamar com escada.Quando se fez o rebaixamento da rua que segue para a Faia,as casas já existentes ficaram numa cota superior.Daí a necessidade de construir patamares para seus acessos.

A terminar o Largo Artur Barreto,a casa onde nasceu o médico e romancista Dr.Fernando Namora que legou todo o seu espólio literário e pictórico a Condeixa.Hoje o prédio é a Casa Museu Fernando Namora.

RUA D.ELSA FRANCO SOTTO MAYOR

Começava a rua com o armazém de vinhos da firma Moita & Companhia,um longo barracão de parede e telhado,com tonéis e vazilhas do alcoólico líquido.Esta rua,no meu tempo,pouco tinha a assinalar.A actual Rua Fernando Namora,(que ia dar aos terrenos do Paraíso,ao fundo da fonte do Outeiro,um local várias vezes utilizado para instalações de circos e barracas de diversão ou,por vezes,barracas de teatro itinerante), tem mesmo à esquina,um prédio que,quando andava em construção originou um episódio engraçado.A futura inquilina foi ver como decorriam as obras.Ao passar junto à inacabada casa-de-banho,disse ao dono da obra:"Então e o bidé?Não se equeça de mandar colocar o bidé!".O homem que nunca tinha ouvido falar em tal coisa,calou-se.Durante o decorrer da visita,a senhora falou várias vezes no acessório e quando ia a despedir-se,ainda recomendou:"Não se esqueça do bidé!"Aí ele passou-se!Desconhecendo em absoluto para que servia tal coisa,perguntou desabridamente:"P'ra que raio quer a senhora o bidé?"A casa ficou,após isto,conhecida como "a casa do bidé".

Quase ao fim da rua existia a Fonte da Caraça,designação para mim incompreensível pois nada lá havia que justificasse o nome.Localizava-se numa cota bastante inferior à rua e o acesso fazia-se através de escada de longos degraus.A fonte,própriamente dita,era bonita,toda em azulejos policromados,mas o local estava sempre conspurcado.As pessoas lançavam de cima toda a qualidade de lixo e,como era habitual naquele tempo,por falta de instalações sanitárias,muita gente aproveitava o facto de ser um sítio recatado e utilizavam-no como retrete pública.Aliás,não era apenas a Fonte da Caraça que servia de sentina.O Penedo,local ermo e sem iluminação,era por excelência o sítio mais apetecido.

Quando construíram as instalações da Casa do Povo,a fonte foi tapada.Mas nessa altura retiraram de lá os bonitos azulejos que hoje estarão a decorar algum jardim particular.

Um pouco mais abaixo,junto ao actual acesso ao Quartel da GNR,era a Auto-Mecânica de Condeixa,um estabelecimento polivalente com estação de serviço,lavagem de viaturas,venda e mudança de pneus,oficina de automóveis,secção de pintura e bombas de abastecimento de combustíveis.Edificada no início da década de 1950,era bastante moderna para a época.

Mais além,aquela que deu nome popular à rua,a Faia,uma frondosa árvore bem no entroncamento de três vias importantes,a Estrada Nacional nº1,a estrada para Soure e a estrada para Alfarelos.

O nome derivava do facto de ali ter existido uma grande árvore desta espécie.No entanto,aquela que chegou aos nossos dias,mesmo centenária,não era faia.Podemos talvez situá-la na família dos plátanos.A Faia,apesar de ser considerada árvore de interesse público por decreto de 6 de Fevereiro de 1942,foi abatida por motivo das obras que se operaram com a abertura da estrada para Tomar.

Para finalizar a descrição da Rua Pricipal,resta falar no Faia-Bar,mais conhecido por Café do Arranhado.Era propriedade de Joaquim Pocinho(Quim Arranhado).O pai,Joaquim Duarte Pocinho,era um excelente serralheiro de ferro forjado e esteve longos anos emigrado na Venezuela.

Terminou esta viagem no tempo pela Rua Principal.Porque se trata da maior artéria da vila,tive alguma dificuldade em retirar da memória factos e pessoas duma época já tão distante.Quando refiro factos históricos,baseio-me em informação que devidamente referi.Porém essa fonte é a mais fácil de obter,porque está ao dispor de quem a queira procurar.A outra,a estória de pessoas e factos ocorridos com elas é,no fundo,a que mais me incentivou a escrever estas crónicas.Porque afinal,a memória de um local está na vivência dos seus habitantes,num determinado momento da vida.Evidentemente,muitas coisas ficaram por contar.Das referidas,uma ou outra será susceptível de contestação.Naturalmente,terei de assumir a respectiva responsabilidade e as criticas adjacentes.

Condeixa,ano de 2007 Cândido Pereira