"...pomposo e artístico retábulo de talha dourada formando uma sumptuosa capela,para ser colocada a imagem de S.Tomaz de Vila Nova,na Sé Nova,foi feito por um entalhador de Condeixa e os cónegos ficaram tão satisfeitos com o trabalho,que em 29 de Maio de 1864 resolveram dar-lhe,além do ajustado,mais uma gratificação de 20$000 réis,havendo respeito a fazer o retábulo com toda a perfeição e perder na quantia em que tomou a obra".(in Condeixa-a-Nova,de A.Santos Conceição).
A descrição refere-se ao século XIX,mas para além da segunda metade do século XX era possível encontrar na vila pequenas lojas de sapateiro,alfaiate,barbeiro,marceneiro/entalhador,ferreiro,ferrador,tanoeiro,latoeiro e serralheiro.Moleiros então,existiam dezenas e os pedreiros,bastantes,trabalhavam ao dia,nas raras construções,mais frequentemente na reparação ocasional de paredes,telhados e muros.
Mas para ser um bom profissional,era necessário aprender.E a aprendizagem do ofício fazia-se desde pequenino,alguns mal acabavam a instrução primária,outros nem isso conseguiam.E pagava-se para aprender!Regra geral,quando os pais punham o miúdo como aprendiz,pagavam ao mestre,normalmente com produtos da terra.
Por vezes acontecia uma criança ser de fraca compleição.Nesse caso,não ia para profissões de esforço mas sim para caixeiro de loja ou ajudante de qualquer escritório.Curiosamente,não se tratando própriamente de um ofício,a condição funcionava, apesar disso, como estatuto social!
Mais comum porém era a transmissão dos saberes,de pais para filhos.Daí as gerações continuadas de profissionais da mesma arte.
O Padre Dr.João Antunes,homem de franca apetência pelas artes,quando patrocinou a reconstrução da Igreja de Santa Cristina,apercebeu-se que os profissionais contratados para as reparações,tinham capacidades inatas,porém apenas empíricas.Executavam bem os trabalhos,mas não se interrogavam porque um determinado serviço podia ser melhor conseguido com conhecimentos técnico/científicos.
Tendo contratado a colaboração de mestres de reconhecido valor,como João Machado e António Augusto Gonçalves para realizar os mais delicados reparos,surgiu-lhe a ideia de criar uma escola destinada a ministrar aos operários o necessário saber científico.Desta forma e inteiramente a suas expensas,contratou como professores António Gonçalves, Abel Manta e Pedro Olaio e fundou a Escola de Artes e Desenho Industrial,a funcionar na sua residência.
Cerâmica,pintura, música,artes manuais, foram disciplinas que devotados alunos aprenderam durante os treze anos de existência desse polo de ensino.
O romancista Fernando Namora,aluno também de artes plásticas nessa notável escola,disse em autobiografia,referindo-se ao Padre Dr.Antunes""Financiava do seu desgovernado bolso uma escola de artes e ofícios,com mestres de quilate, e morreu sem um lençol na cama.Mas entretanto a vila multiplicara-se em pintores de domingo,marceneiros-artistas,ferreiros,compositores populares".
Nos ofícios,cedo se revelaram os conhecimentos adquiridos e ainda hoje,mais de oitenta anos passados após o fim da Escola,se pode apreciar o talento transmitido através de gerações.
Felizmente,embora o facto me pese demasiado na idade,recordo bem os grandes artistas de Condeixa.Tive o gosto de conviver com a maior parte deles,admirava-lhes o saber,aprendi a respeitá-los.
É com esse respeito que me permito nomeá-los pelas alcunhas,afinal segundos nomes que se colavam perfeitamente a cada personalidade,sem que daí viesse qualquer conotação depreciativa.
Começo por referir os barbeiros,pois as barbearias eram estabelecimentos peculiares.Nas terras pequenas,meio urbanas/meio rurais,o trabalho do barbeiro manifestava-se mais ao sábado à noite,embora também se pudesse assistir a curiosas cenas de corte cabelo e barba,ao domingo de manhã.
Como já tive ocasião de referir noutro local do blogue,antigamente os barbeiros tinham uma função que ultrapassava o simples corte de cabelo.Nas terras pequena onde escasseavam os serviços clínicos,para arrancar um dente,espremer um furúnculo ou aplicar tisanas,bastava a"competência" do fígaro,auto-intitulado "Cirurgião-barbeiro"!.
A única referência que conheço sobre essas populares figuras,diz respeito a um barbeiro chamado Ti Ernesto que, a par da profissão,também "tratava"doentes e arrancava dentes.Pelas imagens que decoram alguns consultórios de dentista,imagina-se como isso se processava,assim a sangue frio,sem dó nem piedade.
O filho do Ti Ernesto,Adolfo Leitão,também era barbeiro.Lá está a transmissão de conhecimentos através de gerações.
Porém o estabelecimento que mais profissionais formou,foi a Barbearia Progresso,de António de Oliveira.Mestre António do Zé Velho,assim vulgarmente conhecido, além de competente profissional, era inspirado compositor de temas de música popular.Seu filho Ramiro de Oliveira,igualmente barbeiro e poeta,escrevia os poemas que o pai musicava.
Um pouco mais adiante, na mesma rua,situava-se a barbearia de Manuel Quaresma,o popular Manel Tagarela.Tive o gosto de ser seu cliente e amigo.Acérrimo adepto do Benfica, formava com o Zé Bacalhau(José Júlio Bacalhau),sportinguista ferrenho,Carlos Gualdino(Carlos Ramos Pereira),igualmente sportinguista e Zé Capado(José Luís Torres),benfiquista,um grupo que à segunda feira discutia calorosamente os desafios da véspera.
O Ganga(António Pessoa),inicialmente estabelecido em Condeixinha,ocupou posteriormente o rés do chão do esguio Ferro de Engomar, à esquina da Rua 25 de Abril com a Praça.Dono de linda voz de tenor,era frequentemente solicitado para cantar nas revistas musicais e em serenatas.
As restantes barbearias de Condeixa, pertenciam respectivamente a João Rito,à esquina da Praça com a Rua Dr.Fortunato Bandeira de Carvalho,a João Borrega(João Ramos)em frente ao Palácio Sotto Mayor e, ao princípio da Rua D. Elsa Sotto Mayor, o Sr. Rosa, avô dos agora também barbeiros, Alexandre e António Rosa.
No Outeiro, o Ti Picaroto(Francisco Caridade),fazia barbas e cortava cabelos ao domingo de manhã,em frente à sua casa,no Largo de S.Geraldo.
Está terminado o capítulo referente às barbearias.Outras profissões ocuparão os próximos episódios.
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